A busca pelo corpo, pele e cabelos perfeitos tem levado mulheres, em especial celebridades, a recorrerem ao chamado chip da beleza, um tipo de implante hormonal à base de gestrinona que promete favorecer o ganho de massa muscular e melhorar a disposição, libido, pele e cabelos. Mas o produto também pode ter efeitos adversos – como no caso da cantora e compositora Flay, que teve seu rosto tomado por espinhas e engordou 10kg após aderir ao método.
O chip não é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que proibiu em 2021 qualquer propaganda da gestrinona e de produtos relacionados, alegando que a substância é um “risco à saúde pública”. “Por se tratar de substância hormonal com possibilidade de causar eventos adversos graves, foi banida de diversos mercados e foi, inclusive, considerada substância de uso proibido para atletas, segundo a Agência Mundial Antidoping”, diz a agência.
Segundo a Anvisa, a gestrinona só tem regulamentação para ser utilizada em cápsulas gelatinosas duras para tratamento de endometriose, que podem ser feitas em farmácias de manipulação. “É o único caso de uso cuja eficácia, segurança e qualidade foram avaliadas e aprovadas”, diz.
Como funciona o chip da beleza?
O chip da beleza é colocado sob a pele e libera periodicamente os hormônios que o compõe, em especial a gestrinona, que deu o nome ao chip por conta de seus efeitos anabolizantes, que impactam diretamente a estética. Alguns fabricantes alegam ainda que ele funciona como método anticoncepcional, repositor hormonal para mulheres menopausadas e tratamento para endometriose, colaborando também para diminuir significativamente o fluxo menstrual.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, essas informações possuem um “raciocínio clínico”, considerando os efeitos da gestrinona e de outros hormônios que geralmente fazem parte dos chips da beleza, como a testosterona, progesterona e o estrógeno. No entanto, eles alegam que faltam evidências científicas sobre a segurança e eficácia da gestrinona em aplicação via implante. Até o momento, há pouca literatura e dados sobre o tema.
“As informações vêm direto de quem fabrica e de quem dá os cursos sobre o produto. Dentro do raciocínio clínico, elas fazem sentido, mas são produtos que não têm aprovação da Anvisa e da Indústria Farmacêutica em geral, então, como ginecologista, é um pouco complicado receitá-los. Não há respaldado que funciona e é seguro”, diz Carolina Alves, ginecologista do Hospital São Luiz Itaim.
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) diz que “embora a gestrinona possua ação antiovulatória, não existem, em todo o mundo, estudos para a aprovação regulatória do fármaco com finalidade contraceptiva”. Como agravante, de acordo com Denise Iezzi, endocrinologista do Sírio-Libanês, a gestrinona confere riscos ao feto caso a mulher engravide utilizando o implante.
Em conclusão, a Febrasgo diz que “as Comissões Nacionais Especializadas de Climatério e de Anticoncepção da Febrasgo não recomendam os implantes hormonais manipulados não aprovados pela Anvisa, seja com a finalidade de realizar a terapêutica hormonal da menopausa ou anticoncepção, por escassez de dados de segurança, especialmente de longo prazo”. A Federação ressalta ainda que, hoje, o único implante hormonal industrializado aprovado pela Anvisa é o anticoncepcional composto por etonogestrel, o Implanon.
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) também contraindica o uso dos chips e diz que “no Brasil, a utilização de implantes hormonais utilizando esteroides sexuais e seus derivados aumenta de forma avassaladora. Por serem apresentações customizáveis, existe um real risco de superdosagem e de subdosagem. Os relatos de efeitos adversos associados ao uso de implantes de gestrinona e outros hormônios androgênicos em mulheres aumentam a cada dia: acne, aumento de oleosidade de pele, queda de cabelo, aumento de pelos, mudança de timbre da voz, clitoromegalia”.
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O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resolução no Diário Oficial da União em 30 de março dizendo que “adota as normas éticas para a prescrição de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes de acordo com as evidências científicas disponíveis sobre os riscos e malefícios à saúde, contraindicando o uso com a finalidade estética, ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo”.
Quais os efeitos colaterais do chip da beleza?
Além da falta de evidências em relação à segurança e efetividade da aplicação de gestrinona, em especial via implante endodérmico, especialistas apontam outro grande problema dos chips da beleza: eles podem ser receitados em composições variadas, dificultando a definição da dosagem correta e dos possíveis efeitos colaterais.
“Os chips podem ter vários tubetes e são montados de acordo com a ‘necessidade’ daquele paciente, fazendo uma combinação de diferentes hormônios“, diz Denise Iezzi. “O grande problema é que não dá para saber a concentração exata que cada hormônio vai ter e nem todas as farmácias de manipulação são extremamente confiáveis.”
Para Alexandre Hohl, vice-presidente do departamento de endocrinologia feminina, andrologia e transgeneridade da SBEM, a falta de uma bula aumenta a insegurança. “As pacientes saem do consultório com hormônios embaixo da pele que duram de seis a 12 meses sem uma bula, lugar onde todos os efeitos colaterais deveriam estar descritos”, diz.
A Lei 13.021, de 8 de agosto de 2014, conhecida como Lei das Farmácias Magistrais, reconheceu as farmácias como estabelecimentos de saúde e conferiu autonomia técnica aos profissionais farmacêuticos. Por isso, produtos feitos em farmácias de manipulação, como é o caso do chip da beleza, não precisam de bula.
Flay diz que não foi avisada dos possíveis efeitos colaterais pelo médico que receitou o chip e que se sentiu enganada. “Procurei orientação médica para emagrecer de forma correta e saudável e ele me passou o chip da beleza dentre dieta e suplementos. Eu apenas confiei no médico”, conta. “Faltaram informações dos próprios médicos sobre ser um chip cheio de hormônios. Nada disso foi passado para mim na época.”
A cantora, que fez o implante em novembro de 2021 e expôs recentemente o caso, teve que esperar seis meses – prazo em que o chip deixou de fazer efeito – para se livrar dos efeitos colaterais. Depois disso, sua pele, cabelos e corpo voltaram a ser como antes.
Qual a função do chip da beleza?
O chip da beleza funciona com a mesma tecnologia dos implantes hormonais anticoncepcionais a base de etonogestrel, conhecidos como Implanon. É uma espécie de bastão de silicone que tem de três a cinco centímetros, é implantado abaixo da pele e libera doses das substâncias que o compõe periodicamente no corpo da pessoa.
O implante precisa ser receitado por um médico e feito em farmácia de manipulação. Seu composto principal é a gestrinona, hormônio artificial derivado da testosterona (hormônio sexual masculino) e pertencente à classe dos esteroides anabolizantes – motivo pelo qual é proibida em exames antidoping.
Além da gestrinona, a maioria dos chips da beleza também contém testosterona, progesterona ou estrógeno, combinações que, em dosagens inadequadas, podem causar efeitos colaterais diversos, em especial no fígado e em relação aos órgãos e fenótipos sexuais. Em alguns casos, podem ser adicionadas outras substâncias com o objetivo de gerar o efeito desejado por cada paciente.
O chip é colocado no próprio consultório médico, geralmente acima ou na lateral do glúteo, mas também pode ser colocado na barriga, no braço ou em qualquer outra área com tecido subcutâneo, de acordo com Guilherme Renke, endocrinologista mestre em cardiologia e sócio fundador do Instituto Nutrindo Ideais. “É feito um furinho de agulha para colocar o chip e pode ficar uma pequena cicatriz no local”, diz o especialista.
Os efeitos duram de seis a 12 meses e alguns implantes são bioabsorvíveis, ou seja, depois de um determinado período, são absorvidos pelo próprio corpo da pessoa. Já outros precisam ser retirados – o que nem sempre acontece, segundo Alexandre Hohl.
“É comum colocarem mais de um tubo. Tem pacientes que vão colocando tubos não absorvíveis e não tiram. Ficam com dois, quatro, dez ou vinte tubos porque na medida que vão colocando novos tubos, os antigos vão ficando dentro (do corpo)”, diz o representante da SBEM.
O valor do procedimento pode variar entre R$ 3 mil a R$ 8 mil, considerando a confecção do chip e a aplicação pelo médico.
O chip da beleza emagrece?
Segundo os médicos escutados pela reportagem, a gestrinona não emagrece. Na verdade, ela pode favorecer o ganho de massa muscular e melhorar a disposição, ajudando a pessoa a render mais nas atividades físicas. “Se a pessoa colocar o implante e não fizer nenhuma atividade, ela não vai emagrecer”, afirma Denise Iezzi. “Depois que tira o chip, a tendência é que volte tudo ao normal, que ela perca a massa muscular adquirida.”
Outros possíveis efeitos que levam as pessoas a procurarem o chip da beleza são um maior brilho na pele e no cabelo, melhora na libido e redução do fluxo menstrual. No entanto, a Anvisa afirma que “inexistem evidências técnicas e científicas que dariam suporte ao uso da gestrinona implantável para fins de emagrecimento, ganho de massa muscular, reposição hormonal, tratamento de sintomas de tensão pré-menstrual, regulação de períodos menstruais, aumento da libido e estéticos”.
Por outro lado, os especialistas afirmam que os possíveis efeitos colaterais negativos do chip, especialmente em casos de uso prolongado, são:
- Aumento da oleosidade da pele e do cabelo, com predisposição ao surgimento de acne;
- Queda de cabelo;
- Aumento na quantidade de pelos corporais;
- Engrossamento da voz;
- Aumento de clitóris;
- Ganho de peso (dependendo da composição do chip);
- Inchaço;
- Sobrecarga do fígado;
- Problemas no coração;
- Desníveis no colesterol;
- Alterações no ciclo menstrual, podendo levar à infertilidade;
- Alterações na mama, como displasia.
Por esses motivos, os médicos alertam que especialmente mulheres com predisposição a desenvolverem câncer de mama devem evitar o implante. Assim como quem tem histórico de síndrome dos ovários policísticos, problemas de fígado, alopécia e/ou acne.
Depois da experiência negativa, Flay conta que passou a buscar informações sobre procedimentos ou produtos antes de utilizá-los. “Não aceito qualquer coisa que me indicam e vou medindo o que realmente acho que vai me trazer resultados positivos, se não vai me prejudicar em uma coisa pra ajudar em outra”, diz.
“Fiz questão de me expor para que outras mulheres não passassem pelo mesmo que eu. A minha intenção é alertar que o preço pode ser alto demais – além do investimento financeiro, que é altíssimo também – por algo que não entrega os resultados que promete.”
Correções
Versão original da linha fina do texto dizia que o chip é proibido pela Anvisa. No entanto, ele não é regulamentado pela agência e tem a sua propaganda proibida
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