A Pfizer apresentou ao governo brasileiro uma solução parcial para o problema logístico de armazenamento e distribuição da sua vacina contra a covid-19, segundo o presidente da farmacêutica no Brasil, Carlos Murillo. Diferente das outras três vacinas com testes em andamento no País, o produto da Pfizer usa o RNA do vírus, molécula de material genético muito instável que precisa ser mantida em temperaturas abaixo de -70ºC.
Para conseguir esse armazenamento, a farmacêutica apresentou uma embalagem especial, com gelo seco, capaz de manter o imunizante na temperatura correta por 15 dias. Após o descongelamento, o produto se mantém estável por mais cinco dias em refrigeradores comuns. "Ou seja, do momento em que o produto chega ao País até ser aplicado seriam 20 dias", disse Murillo, em evento online na tarde desta quinta-feira, 12, na Academia Nacional de Medicina sobre imunizantes em desenvolvimento.
Especialistas consultados pelo Estadão explicam que, caso o País adquira o imunizante, essa solução pode ser viável, mas é necessária logística muito precisa para não perder doses. "Se a vacina vir acondicionada na embalagem, sim, resolve, desde que quando chegar no posto de saúde, ela consiga ser armazenada nos refrigeradores. O que a gente sabe é que alguns lugares do País falta energia e nem a questão da refrigeração a gente consegue manter. Se chegasse no Amapá atualmente não teria como acondicionar essa vacina para continuar estável", afirma Laura de Freitas, doutora em biociências, biotecnologia e microbiologista.
Ela explica que a vacina precisa ser descongelada antes de ser aplicada. A partir do momento em que o imunizante é descongelado, as doses que estiverem na embalagem precisam ser todas consumidas. "Caso contrário, a gente perde a vacina. E se você fizer o processo de recongelamento, é muito provável que ela perca a estabilidade." Para Laura, se o imunizante não estiver previsto para ser utilizado nesses 5 dias, a melhor opção é não descongelá-lo e continuar repondo o gelo seco para garantir o armazenamento adequado.
O virologista do Departamento de Microbiologia da UFMG, Flávio Guimarães da Fonseca, também acredita que essa é uma solução que possa ser executada no País, mas é preciso checar se o produto será realmente preservado no período em que estiver nos refrigeradores."A priori, a ideia é boa, porque o gelo seco tem capacidade de armazenar a uma temperatura de até -96°C por um período de tempo, ele realmente consegue preservar. Só que o gelo seco evapora muito rápido, você tem de repor para manter a temperatura baixa por mais tempo. Já sobre esses 5 dias, precisam ser mostrados de forma mais técnica como vai funcionar" diz.
"Não sabemos qual é a composição (da vacina). Na formulação da vacina também tem elementos químicos que a função é preservar para ser entregue. Sem conhecer esses preservantes, fico desconfiado. Em alguns casos, o RNA mensageiro em temperatura de geladeira a -4ºC já tem degradação", diz.
Alternativa pode encarecer logística, diz pesquisador
Fonseca ainda destaca que essa alternativa provavelmente vai elevar o preço da vacina. "O gelo seco não é barato, a embalagem especial terá de ser produzida, isso vai refletir no preço. Não tenho a menor dúvida."
Para ambos, o ideal para lidar com essas vacinas produzidas pela Pfizer seria ter ultrafreezers espalhados pelo País, que conseguem manter temperatura a -80°C. Eles ressaltam, porém, que seria inviável criar uma estrutura nacional com esse material além das grandes cidades. "É um equipamento caro aqui para o Brasil e não é encontrado em qualquer lugar", comenta Laura.
O ministério ainda informou que “ toda a rede de frio do Brasil dispõe de equipamentos para armazenamento de vacinas a -20°C, com exceção da instância local – as salas de vacinas e onde o armazenamento se dá na faixa de controle de +2°C a +8°C.” Hoje, acrescenta a pasta, o padrão mundial é “de armazenamento entre +2°C e +8°C”.
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