Quando Pedro Lucas fez um ano de vida, em junho, sua família teve um duplo motivo para a comemoração. O menino não havia apenas chegado ao primeiro aniversário como também sobrevivido a um processo cirúrgico extremamente complexo para a correção de uma cardiopatia congênita que ameaçava sua vida.
Ele é uma das 16 crianças atendidas desde 2022 por um projeto inédito no País de telemonitoramento de cirurgias de alta complexidade para a integração de equipes cirúrgicas de hospitais públicos. O projeto é realizado pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor) em parceria com o Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA) e a empresa de tecnologia Cisco.
Acompanhada pelo professor e médico Fabio Biscegli Jatene, diretor da Divisão de Cirurgia Cardiovascular e vice-presidente do Conselho Diretor do InCor, a iniciativa inclui tecnologias de colaboração interativa, videoconferência, óculos inteligentes e Internet das Coisas (IoT) para a conexão e a comunicação de equipes cirúrgicas a distância, o que possibilita a troca de informações, experiência e orientação antes, durante e depois da cirurgia de casos complexos.
Desenvolvimento tecnológico de ponta
Segundo Jatene, a escolha de casos como o de Pedro Lucas para integrar o projeto não foi ao acaso. “No InCor, desenhamos uma iniciativa para colaborar com outros centros médicos públicos do País que já fossem ativos na especialidade cardiovascular e que, ao mesmo tempo, pudessem se beneficiar da nossa expertise, conhecimento e experiência na área cirúrgica”, conta. Nesse sentido, focaram inicialmente pacientes com cardiopatias congênitas, mas com o objetivo de agregar conhecimento para levar o procedimento a tratamentos de outras cardiopatias e a diferentes especialidades médicas.
Para viabilizar o projeto, as equipes médica e de tecnologia dos dois hospitais ajudaram a desenvolver uma plataforma que permite a integração de dados em tempo real e em alta qualidade de imagem e som. “Durante as cirurgias, temos um monitor de vídeo grande na sala de operações com todas as informações importantes do paciente, como saturação, pressão, imagens de eletrocardiograma, etc. Temos o mesmo nível de informações que os cirurgiões do HU-UFMA têm ao longo do processo. Quando precisamos sugerir alguma medida em relação à pressão extracorpórea, por exemplo, orientamos daqui e eles agem em tempo real”, detalha o médico.
Além disso, uma versão em 3D do coração dos pacientes escolhidos é impressa para que os médicos tanto do InCor quanto do HU-UFMA possam identificar em detalhes cada especificidade do procedimento.
A mãe de Pedro Lucas, Ladjane da Silva Cordeiro, considera a oportunidade de o filho ser atendido pelo projeto como “um milagre”. Ela descobriu a condição de saúde do bebê quando estava com 23 semanas de gestação, em um exame de ecografia morfológico. A alta complexidade do caso fez com que seu pré-natal fosse acompanhado de perto por cardiologistas e médicos geneticistas do HU-UFMA. “Pedro poderia nascer sem vida e, mesmo que tudo corresse bem no parto, teria que ficar na UTI [Unidade de Tratamento Intensivo] neonatal para acompanhamento”, relembra.
Quando o menino nasceu, os prospectos eram de risco iminente, mas Pedro surpreendeu todos pelo salto de desenvolvimento inicial. “Ficamos 15 dias na UTI e os médicos disseram que talvez ele não pudesse ser amamentado, pois poderia sobrecarregar seu coração. Mas ele se desenvolveu bem desde o início, conseguiu mamar e ganhar peso.” Isso fez com que a primeira cirurgia, prevista para ocorrer com um mês de vida, fosse adiada e o bebê ganhou alta.
Nos meses seguintes, a família se preparou para o procedimento de correção, que deveria ser feito de forma eletiva por volta dos sete meses de vida de Pedro. Uma emergência, porém, acelerou os planos. “Os médicos nos alertaram que, mesmo se desenvolvendo bem, havia a possibilidade de fechamento de um dos canais do coração. Em janeiro, foi isso o que aconteceu. Meu filho começou a ficar roxo e prostrado, perdendo pressão. Corremos para o hospital para a internação, de onde ele só saiu depois da cirurgia, em fevereiro.”
Casos de urgência e atenção especial
De acordo com Jatene, a emergência em que se deu a cirurgia de Pedro ilustra bem a rotina da equipe médica que acompanha o projeto. “Atendemos pacientes que não têm apenas um defeito no coração. Por vezes, são vários ao mesmo tempo. Não é porque ele estava no Maranhão que o caso era difícil. Seria complexo em qualquer localidade. São pacientes que precisam ser atendidos da melhor maneira e tentamos juntar nossos esforços, buscando tornar a jornada a melhor possível.”
Um dos grandes objetivos do projeto é reduzir os impactos social e econômico envolvidos quando cirurgias como essa precisam ser realizadas longe da cidade de origem do paciente. “É um custo terrível para as famílias, não apenas em relação ao gasto. Imagina deixar outros filhos, ir a São Paulo, se manter na cidade enquanto o paciente está internado. Com a cirurgia remota realizada no local de origem, beneficiamos esse aspecto social e reduzimos o risco da operação, com mais especialistas participando.”
O médico destaca que o avanço em saúde digital proporcionado pela parceria vai além das cirurgias cardiovasculares. “Eu vejo esse projeto com muita perspectiva. Não só na [área] cardiovascular, mas em outras especialidades. Uma expansão em que centros de referência de saúde possam contribuir com centros de menor experiência.” Atualmente, o InCor está em diálogo com outras três instituições públicas e conta com o apoio do Ministério da Saúde.
Para a família de Pedro Lucas, que precisará passar por uma nova cirurgia no início de 2024, a expectativa de continuidade do projeto é alta. “Eu sei que Deus usa os médicos e a medicina para trazer qualidade de vida para seus pacientes. Eles não estão na Terra por acaso e tenho fé que meu filho vai conseguir vencer mais uma etapa”, completa Ladjane.
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