As mortes por insuficiência cardíaca têm caído nos últimos anos, mas seguem entre as principais causas de mortes relacionadas ao aparelho circulatório no Brasil, superando até o infarto agudo do miocárdio. Uma das vítimas mais recentes foi a atriz e humorista Claudia Jimenez, que morreu no sábado, 20. O caso também chama a atenção para a necessidade de acompanhamento de pacientes que passaram por radioterapia na região do tórax, principalmente nos anos 1980, 1990 e décadas anteriores.
“É muito grave. A insuficiência cardíaca é o fim das doenças que envolvem o coração se não adequadamente tratadas”, destaca a cardio-oncologista Marina Bond, do Hospital do Coração (HCor). “Mas hoje em dia, o tratamento está mais moderno e pode dar mais qualidade de vida se feito com um diagnóstico e tratamento corretos.”
Também chamada de “doença do coração fraco”, a insuficiência cardíaca é uma síndrome em que o coração tem dificuldades para bombear adequadamente, podendo prejudicar outros órgãos, como os pulmões. Costuma acometer principalmente pacientes com histórico de doenças e problemas cardiovasculares, como hipertensão e infarto, doença de Chagas e doenças congênitas. Outros fatores podem agravar o quadro, como diabetes, tabagismo e sedentarismo.
Pessoas que passaram por quimioterapia e radioterapia na região do tórax (como em cânceres nos pulmões, na mama e linfoma) também têm mais chances de desenvolver a síndrome, principalmente as que fizeram os tratamentos nas décadas anteriores aos anos 2000. Como no caso de Claudia Jimenez, os problemas cardíacos costumam aparecer apenas anos depois da radioterapia, geralmente após uma década ou mais.
“Nas décadas de 80 e 90, o coração foi mais atingido, aumentando o risco de placa gordura – que aumenta o risco de infarte –, afetando as válvulas e fazendo com que o paciente precise de cirurgias de trocas de válvulas, e diretamente afetando o músculo”, comenta Marina Bond. Segundo ela, esses pacientes têm cerca de cinco vezes mais chances de desenvolver doenças cardiovasculares.
Ela também aponta mudanças de comportamento importantes para o paciente com a síndrome. “É preciso controlar a quantidade de líquido ingerido – que deve ser menor, porque, como o coração não bombeia o sangue corretamente, pode causar líquido no pulmão –, consumir pouco sal, fazer uma reabilitação cardíaca – que é uma fisioterapia do coração –, controlar a alimentação e tomar as medicações – que são cada vez melhores. De maneira geral, tem muita coisa que pode fazer pra esse paciente.”
Também cardio-oncologista do HCor, Marcel Pina explica que a radioterapia evoluiu nas últimas décadas, com doses menores e mais localizadas, reduzindo as chances de impactar na saúde cardíaca, porém mesmo os pacientes mais recentes precisam de acompanhamento especializado, tanto durante o tratamento quanto anos depois, por meio de consultas periódicas e exames (como o ecocardiograma), a fim de identificar também outros problemas, como calcificações e doenças nas válvulas e artérias do coração. "Dependendo da dose e do local irradiado, podemos predizer problemas que podem ocorrer.”
Dificuldades respiratórias, fraqueza e cansaço são sintomas
A insuficiência cardíaca é mais comum após os 65 anos e, ainda mais, depois dos 75 anos. Entre os sintomas principais, estão dificuldades respiratórias, fraqueza, cansaço e pernas inchadas. Estudos recentes têm destacado sinais adicionais, como a pesquisa da Associação Americana do Coração que lista insônia, depressão, ansiedade, disfunção cognitiva e problemas gastrointestinais, como dor no estômago, enjoo, vômitos e perda de apetite.
Médico do Instituto do Coração (Incor) e presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Múcio Tavares explica que a síndrome pode decorrer de um único dano significativo ao coração, como um infarto, que por vezes deixa uma “cicatriz” local. “Não precisa ser contínuo.”
Já os efeitos da síndrome são contínuos, com uma piora progressiva quando o tratamento é insuficiente, tanto que parte significativa dos pacientes não sobrevive de um a cinco anos após o diagnóstico. “É uma doença mais grave que a maioria dos cânceres”, destaca. “É ruim, mortal, mas temos opções de melhora e para bloquear essa evolução ruim.”
Ele destaca a melhora nos tratamentos, com novos medicamentos, parte deles disponíveis também na rede pública, como betabloqueadores, inibidores e outros. “Hoje, se fizer um tratamento completo, um paciente com 55 anos ganha uma média de 10 anos e meio de expectativa a mais de vida, segundo estudos.”
Professor da USP Ribeirão Preto e assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), Marcus Vinicius Simões explica que o coração tende a dilatar no caso de insuficiência cardíaca, chegando a um formato esférico.
“Em um primeiro momento, pode não apresentar sintomas. É progressiva. O déficit de contração que o coração assume vai, lentamente, ao longo de meses e anos, causando uma progressão e o coração vai dilatando.”
Ele explica que o diagnóstico é baseado em histórico clínico, exames físicos e de imagem e avaliação de sintomas. Também destaca que a resposta ao tratamento pode ser mais difícil no caso de pacientes com cardiopatias muito graves, como no caso de Claudia Jimenez. “Ela teve a agressão da radioterapia, era diabética, passou por vários infartos, teve doenças e muitas complicações, comorbidades. Os riscos vão se somando.”
Hábitos saudáveis são principal meio de prevenção
Como a síndrome está ligada a outros problemas de saúde, a principal prevenção é a adoção de hábitos saudáveis, como a prática de exercícios físicos e a alimentação balanceada. No caso de pessoas com mais de 40 anos, um check-up anual é recomendado. “Os exames são necessários porque são condições silenciosas, que, sem um rastreio, não se detecta. O fato de não causarem sintomas, não quer dizer que não existam", aponta o cardiologista.
Hospitalizações caem, mas ainda chegam a 163 mil anualmente
O número de hospitalizações na rede pública brasileira em decorrência da síndrome tem caído anualmente, com uma redução de 37,5% em uma década, baixando de 261,7 mil, em 2011, para 163,4 mil, em 2021, segundo dados compilados na plataforma do DataSUS. A queda se repete também entre o número de óbitos, sendo de 9,46%, de 24,3 mil, em 2011, para 22 mil, em 2021.
A taxa de mortalidade do primeiro semestre deste ano é de 13,15% do total de 89,6 mil internações por insuficiências cardíacas, com 11,79 mil óbitos, ainda segundo o DataSUS. No ano passado, 22 mil pessoas morreram pela síndrome na rede pública, 13,48% das internadas com o diagnóstico.
Os número de mortes e hospitalizações são mais altos, por exemplo, do que os do infarto agudo do miocárdio, que teve 140,8 mil internações e 13,6 mil óbitos na rede pública em 2021, com uma taxa de mortalidade de 9,6%.
Ao todo, doenças do aparelho circulatório somaram 1 milhão de internações e 102 mil mortes apenas no ano passado no SUS. Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que a situação se repete no sistema privado e que o avanço do tratamento tem contribuído para reduzir o número de óbitos.
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