Diante do crescente número de ações judiciais contra planos de saúde, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) prepara o lançamento de uma iniciativa para estimular a conciliação entre operadoras e clientes principalmente em demandas cujos processos ainda não foram movidos.
Segundo dados do TJ-SP, somente nos cinco primeiros meses deste ano, foram ajuizadas 8.440 ações contra planos de saúde na Justiça Paulista, média de um processo a cada 25 minutos. O número é 14% maior do que o registrado entre janeiro e maio do ano passado. As demandas contra empresas da saúde suplementar já representam 18% de todos os processos de relações de consumo em São Paulo.
Chama a atenção do TJ-SP também o alto índice de processos em que as operadoras são vencidas (92%). Para a desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, coordenadora do Núcleo de Mediação (Nupemec) do tribunal, mesmo com as condenações, os consumidores têm que esperar muito pelo cumprimento das decisões. Além disso, o alto número de processos representa alto custo para ambas as partes e para o próprio sistema judicial. Por isso, ela defende a mediação de conflitos como forma de encurtar o caminho e o tempo na busca por uma solução.
Por meio da assessoria do TJ-SP, a desembargadora informou que “passou a fazer contato direto com os representantes de todas as empresas de planos e seguros de saúde, bem como com a ANS e associações e federações nacionais que as representam”, com o objetivo de desenvolver um sistema de desjudicialização dos conflitos entre consumidores e empresas de saúde suplementar”.
Ela disse ainda que o objetivo do projeto, que deverá ser lançado oficialmente em outubro, é “tentar promover a conciliação entre as partes não só quando o processo já está iniciado”, mas, principalmente, “para evitar o ajuizamento de nova demanda, promovendo a conciliação nos Cejuscs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos), com a presença das partes, intermediadas por um conciliador capacitado e habilitado para atuar na área em questão”.
De acordo com o TJ-SP, a conciliação poderá ser solicitada para qualquer tipo de demanda ou valor, podendo abarcar discussões sobre doenças preexistentes, rol taxativo de cobertura dos planos, alteração de valores por faixa etária, reajustes, descredenciamentos de médicos, hospitais ou clínicas, cobertura de tratamentos psicológicos ou fisioterapêuticos, entre outras.
Na prática, quando já houver processo em tramitação, os pedidos para encaminhamento da demanda para conciliação poderão ser feitos pelos advogados das partes e a audiência será realizada nos Cejuscs, com atuação do conciliador profissional.
Quando ainda não houver processo, será disponibilizado, no site do Nupemec, um formulário a ser preenchido pelo cliente do plano. Em seguida, um representante da operadora será convidado para participar da audiência de conciliação, que será realizada prioritariamente no formato online com a presença das partes e do conciliador.
De acordo com o TJ-SP, o índice de conciliações quando já há ações judiciais iniciadas é de 28%. Essa taxa chega a 75% quando a conciliação é feita na fase pré-processual, momento em que o conflito ainda não foi formalmente judicializado.
Maria Lúcia Pizotti explica que todas as operadoras interessadas poderão firmar o Termo de Compromisso Público que formaliza a adesão ao projeto. A desembargadora diz ainda ter iniciado as tratativas oferecendo a possibilidade de as empresas participarem do programa Empresa Amiga da Justiça, selo de qualidade conferido pelo tribunal a companhias que fomentam a conciliação e preparam os seus representantes e advogados para trabalharem nessas tentativas de acordo.
De acordo com a desembargadora, várias operadoras já aderiram ao termo e o Nupemec está recebendo “absoluto apoio institucional” da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio de seu diretor-presidente, Paulo Rebello Filho, e equipe.
Segundo Maria Lúcia, o papel da agência é essencial para ajudar a prestar esclarecimentos às operadoras sobre a importância da conciliação e “afastar o temor que as empresas ainda têm em entrar em projetos desta natureza”.
Procuradas, as duas principais entidades que representam as operadoras disseram apoiar esse e qualquer projeto que promova a conciliação. Ana Amélia Bertani, superintendente jurídica da (Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), afirmou que a entidade foi procurada pelo TJ-SP para contribuir com as discussões sobre o formato do projeto.
“A gente entende que esses canais são os mais eficazes para soluções de conflitos. Se a gente pode resolver por meio da conciliação é sempre melhor, mais rápido e menos traumático”, afirmou ela, que ressaltou que, embora a Abramge esteja apoiando a iniciativa, a adesão ao projeto é feita individualmente por cada operadora.
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) também afirmou considerar medidas de desjudicialização “instrumentos eficazes e efetivos de solução e prevenção de litígios” e afirmou que a adesão a iniciativas desta natureza é livre às operadoras.
A entidade afirmou ainda que “todas as suas associadas oferecem canais de atendimento e ouvidoria para esclarecimentos, dúvidas, tratativas e busca de pronta solução de casos diversos, sem que seja necessário acionar o Judiciário” e ressaltou “a eficácia do processo de mediação da ANS, com índices de resolubilidade superiores a 90%”.
Iniciativas similares anteriores receberam críticas
O Tribunal de Justiça de São Paulo já adotou em outras duas ocasiões iniciativas para fomentar a conciliação entre operadoras de planos de saúde e clientes, mas, nas duas ocasiões, acabou recebendo críticas por não incluir representantes dos beneficiários nos projetos.
Em 2015, o tribunal fez uma parceria com representantes das operadoras de saúde e com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para implantar o núcleo de apoio técnico e de mediação (NAT), que atuaria em pedidos liminares nas ações distribuídas no Fórum João Mendes Júnior.
Na época, entidades de defesa do consumidor reclamavam da ausência de representantes dos beneficiários no núcleo e apontavam risco de as empresas serem beneficiadas ou as decisões sofrerem atrasos. Com a polêmica, a iniciativa não deslanchou e acabou extinta. De acordo com o TJ-SP, a extinção se deu porque o NAT “teve pouca funcionalidade nos moldes em que foi estruturado”.
Em 2019, foi criado um posto de conciliação de saúde suplementar no Cejusc central da capital, no Fórum João Mendes Júnior, que resultava de um acordo com a Abramge. O posto mirava somente casos em que já existia processo em andamento. A iniciativa também recebeu críticas por um suposto desequilíbrio de forças na conciliação. Na época, especialistas e entidades de defesa do consumidor pediam também maior participação de representantes dos clientes.
Procurado, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) afirmou que, até o momento, não foi comunicado sobre o lançamento da iniciativa e relembrou que, “em oportunidades passadas, compartilhou preocupações sobre medidas semelhantes, justamente porque representantes de consumidores não foram consultados sobre a implementação de um programa como esse”.
O Idec afirmou que “os pontos de maior preocupação dizem respeito ao espaço que as operadoras ocuparão no Poder Judiciário e como os pedidos de urgência serão decididos”. “O Idec entende que, na prática, qualquer conflito de interesse deve ser coibido e que a análise de pleitos urgentes não pode ser prejudicada”, disse o instituto, em nota.
Questionada sobre as iniciativas anteriores, a desembargadora Maria Lúcia Pizotti afirmou que também não considerava os formatos anteriores adequados e disse que a iniciativa atual é diferente. “O NAT [...] havia uma impressão de que havia um certo vínculo (com as operadoras) porque ele servia para fazer perícias em caso de liminares, mas essas perícias eram pagas pelas empresas de saúde, então discutiu-se que havia uma aparente falta de neutralidade, então aquela iniciativa se encerrou.”
Sobre o posto de conciliação da Abramge, a desembargadora diz também ser contra o modelo por ser um projeto firmado com uma única associação. “Todas as parcerias do tribunal devem ser com divulgação ampla, geral e irrestrita, por isso todas as parcerias foram feitas com a assinatura de Termo de Compromisso Público, que são precedidos de uma publicidade ampla, publicação de portaria, dando oportunidade a todas as empresas”, afirmou. A desembargadora disse que a mediação de conflitos será feita por um conciliador neutro, mas não informou se pretende convidar órgãos de defesa do consumidor para contribuir de alguma forma com a iniciativa.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.