Com as redes sociais, estamos perdendo a nuance e nos tornando mais rígidos, alerta psicoterapeuta

Para a britânica Philippa Perry, se quisermos nos dar bem uns com os outros, precisamos ser adaptáveis e flexíveis; veja dicas

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE

Foto do author Leon Ferrari
Atualização:
Foto: Léo Souza/Estadão
Entrevista comPhilippa Perrypsicoterapeuta e escritora

Para a psicoterapeuta britânica Philippa Perry, a sociedade está perdendo a nuance, algo que ela acredita ser fundamental para criar e manter boas relações. E a culpa seria das redes sociais.

“Estamos ficando mais rígidos. Para nos darmos bem uns com os outros, precisamos ser adaptáveis e flexíveis”, argumenta Philippa na segunda parte da entrevista ao Estadão confira aqui a primeira metade, sobre a importância de gostar dos filhos além de amá-los e de criar limites com gentileza.

Flexibilidade é um ponto central do conceito de sanidade que ela defende no livro “Como manter a mente sã” (Companhia das Letras), publicado em 2012. A psicoterapeuta acredita que a sanidade reside num amplo caminho entre a rigidez e um estado completo de caos.

Pela primeira vez no País, Philippa recebeu a reportagem na The School of Life Brasil, na Vila Madalena, em São Paulo. À convite do braço brasileiro da organização educacional internacional — da qual é embaixadora —, ela veio para palestrar na 6ª edição do G.A.T.E. Academy - Global Access Through Education, que ocorreu na quinta-feira, 28, promovido pelo STB, consultoria em educação internacional, em parceria com o JK Iguatemi.

Publicidade

Também autora de “O livro que você gostaria que todas as pessoas que você ama lessem (e talvez algumas que você não ame)” (Companhia das Letras) e de uma coluna sobre relacionamentos no The Guardian, ela ensinou como identificar quando estamos nos extremos e falou sobre o perdão e outras questões que podem nos atrapalhar na missão de nutrir bons relacionamentos.

Confira a entrevista:

Você costuma falar que os extremos nunca são um bom lugar para estar…

As redes sociais, que, com seus vídeos curtos de 1 minuto ou trechos de 10 segundos, estão levando as pessoas a extremos cada vez maiores. George Bush (ex-presidente dos Estados Unidos) disse a fatal frase: “Se você não está conosco, está contra nós”. E eu pensei: “Isso vai causar tanto problema”. Porque você pode estar um pouco com alguém ou pode dizer “sim, sou simpático a essa visão, mas sou mais dessa visão aqui”. Não é necessariamente preto no branco.

Estamos perdendo nuances na sociedade, e culpo as redes sociais por isso. Estamos indo para extremos maiores, com menos espaço para manobras e menos flexibilidade. Estamos ficando mais rígidos. Para nos darmos bem uns com os outros, precisamos ser adaptáveis e flexíveis. E quanto mais rígidos nos tornamos em nossas visões, pior fica.

Publicidade

Antigamente, todos tínhamos nas nossas famílias alguém chamado “uncle John” (tio João, em uma tradução livre), que tinha opiniões extremas e fascistas e, ainda assim, gostávamos dele por outros motivos. Podíamos permitir que ele tivesse suas opiniões excêntricas sobre as coisas e ele não fazia muito mal porque, naqueles dias, ele não podia se encontrar com outros “uncles John” pela internet. Mas agora todos eles podem se encontrar na internet. Eles não precisam mais de suas famílias, porque têm esse grupo de extremistas para acompanhar.

Ainda está no começo, mas, no momento, acho que as redes sociais estão meio que arruinando a sociedade, pelo menos até aprendermos a lidar com isso.

'Sanidade é o caminho entre o caos e a rigidez', defende Philippa Foto: Léo Souza/Estadão

Flexibilidade está no centro do conceito que você criou para sanidade…

O DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) tem todas as suas 500 ou 600 definições de loucura e nenhuma de sanidade. Somos realmente muito bons em definir o que é loucura, mas não somos bons em definir o que é sanidade. Então eu tentei.

Se você olhar para todas essas definições no DSM, verá que em metade delas (a loucura) é causada por ser caótico e a outra metade por ser rígido.

Publicidade

Rígido é quando você toma uma decisão sobre quem você é com base em algo que aconteceu no passado. Então você não é flexível no presente. Ser caótico é como ser uma semente de grama soprada pelo vento. Parece que você não tem um volante para te conduzir, para te levar pela vida.

Eu diria que a sanidade é o caminho entre o caos e a rigidez. Afastar-se dos extremos e encontrar o meio-termo. É um caminho amplo.

Qual o estado de sanidade da sociedade quando pensamos na polarização atual?

Não acho que estamos tão polarizados. Acho apenas que estamos nos tornando mais polarizados, e precisamos manter isso sob controle. Precisamos observar isso.

Acho que você consegue perceber quando está indo em direção a uma visão extremista e polarizada, quando se percebe ficando rígido nessa visão e sente uma carga emocional enorme. Você se torna muito inflexível, muito rígido em relação a isso. Se eu me sentir assim sobre qualquer coisa, preciso me questionar: o que é essa visão rígida? Por que ela é tão inflexível? É assim que você pode perceber isso.

Publicidade

Se eu disser que o céu está um pouco branco na parte de baixo e vai ficando azul na parte de cima, você não vai discutir comigo, porque pode ver isso. Quando algo é um fato real, não sentimos essa carga emocional. Se eu disser que o mar é molhado, você não sente muita carga emocional sobre isso. Mas, se eu disser que gatos são melhores que cachorros: “Não, não são. Cachorros são melhores que gatos!”. Esse é o tipo de coisa com a qual realmente nos irritamos, e muitos dos conceitos sobre os quais todos estão se irritando na sociedade são um pouco como “gatos são melhores que cachorros” ou “cachorros são melhores que gatos”, em vez de algo como “o mar é molhado”.

Então, quando algo não está gravado em pedra, precisamos ser mais flexíveis. Dito isso, gatos são melhores que cachorros (risadas).

Certa vez, você disse que o relacionamento que criamos nas nossas próprias cabeças com uma pessoa pode sabotar esse laço na vida real. Por que fazemos isso? Como evitar?

Publicidade

Às vezes, não temos um relacionamento com a pessoa à nossa frente, mas presumimos muito sobre ela, e assim começamos a criar um relacionamento em nossas cabeças.

Por exemplo, podemos ter ouvido que o funcionário responsável por permissões de construção é um verdadeiro monstro e que ele nunca aprova nada. Na sua cabeça, você pode começar a transformar esse homem em uma espécie de inimigo por causa dos rumores ou do que pensou, do que ouviu, criando um relacionamento com alguém que talvez você nem tenha conhecido ainda.

'O perdão é importante porque, se você conseguir deixar o ressentimento ir embora, ele não vai te consumir tanto', diz Philippa Foto: Léo Souza/Estadão

Eventualmente, você pode acabar conhecendo esse cavalheiro e dizendo: “Quero construir uma extensão na minha casa”. E ele pode responder: “Sim, isso parece perfeitamente ok para mim”. E você pensa: “Perdi todo esse tempo ficando com raiva de alguém que nem tinha conhecido”.

Fazemos isso também em nossos relacionamentos pessoais. Talvez façamos isso como uma forma de autoproteção, mas não funciona. Apenas verifique. Pergunte à pessoa. Não presuma que eles não querem vir, não querem jogar ou que vão jogar mal. Acho que isso exige um pouco de coragem, porque já fizemos uma suposição e queremos estar certos. Às vezes, preferimos estar certos e sofrer do que admitir “eu estava errado sobre isso” e seguir em frente.

Publicidade

Alerta de spoiler, mas você termina seu livro mais recente com a mensagem “perdoe seus próprios erros e os erros dos outros”. Por que o perdão é tão importante?

Às vezes, é realmente difícil perdoar. E não estou dizendo que você tem que perdoar se algo terrível foi feito contra você. Você não pode forçar o perdão. Você pode pensar: “Quero perdoar meus pais por todas as vezes que me bateram porque não conheciam outra forma de me educar”, mas talvez seu corpo não esteja pronto para isso, e você não pode forçar.

O perdão é importante porque, se você conseguir deixar o ressentimento ir embora, ele não vai te consumir tanto. Às vezes, quando permanecemos com raiva, quem mais sofre somos nós mesmos, pois nós é quem somos consumidos por ela.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.