O Brasil voltou a registrar nesta quinta-feira, 17, um total de 1.054 mortes pela covid-19 em apenas 24 horas - o País não superava o patamar dos mil registros diários desde setembro. O avanço de infectados, de internações e óbitos pelo novo coronavírus ocorre no momento em que se multiplicam as cenas de ruas, lojas e praias lotadas e só 1/3 da população mantém o isolamento social. Especialistas esperam ainda uma 'explosão' de casos após as festas de fim de ano.
Pesou no balanço de mortes desta quinta o represamento de dados de São Paulo ocorrido na quarta, 16, em que o Estado não computou dados na plataforma do Ministério da Saúde – e registrou 399 óbitos de uma só vez nesta quinta. Mas, nos dois dias anteriores, o total de registros em um dia já havia ficado acima de 900, segundo o consórcio de Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL, que coleta dados das secretarias de saúde.
A alta tem sido puxada por regiões do Sul, como Paraná e Santa Catarina, e do Sudeste, como o Rio, onde gestores veem os hospitais com UTIs perto do limite. A tendência crescente de vítimas vai na contramão do discurso do presidente Jair Bolsonaro, que chegou a citar semana passada que estávamos no “finalzinho” da pandemia.
Já os indicadores de isolamento são verificados diariamente pelo Monitor Estadão/Inloco. Desde o início da pandemia, a maior taxa média de isolamento foi registrada em 22 de março, quando foram adotadas as medidas mais rígidas por governadores e prefeitos: 62,2% dos brasileiros estavam recolhidos em suas casas. Nove meses depois, são 35,8% –metade dos 70% apontados por especialistas como necessários para frear a transmissão do vírus.
Nesta quinta-feira, 17, o Observatório Covid-19 BR, que reúne pesquisadores, publicou nota afirmando que “há uma clara e forte tendência de crescimento de casos, internações e óbitos por covid-19 em quase todo o País, especialmente nos Estados do Sul e Sudeste”. Maria Rita Donalísio, médica epidemiologista da Unicamp e membro do grupo, defende recuar o quanto antes as medidas de flexibilização da quarentena.
“O aumento no número de leitos é muito importante, mas não é suficiente porque não interfere na incidência da doença e no número de casos. É o caso de já pensarmos no fechamento desses locais onde a disseminação é maior, como festas, bares, shows, aglomerações nas praias, viagens etc.”, observa. A pesquisadora aponta que Estados e municípios também precisam de uma ação coordenada para aumentar as testagem. “Não podemos esperar muito do governo federal”, observa.
Dante Senra, cardiologista e intensivista da USP, partilha da mesma ideia. “Toda essa situação é impulsionada por um discurso negacionista de quem deveria liderar a nação”, critica. Senra aponta ainda que, com a chegada do verão, Natal e réveillon, o Brasil caminha para repetir em meados de janeiro o mesmo fenômeno que ocorreu nos Estados Unidos após as celebrações de Ação de Graças, em 26 de novembro.
Ainda na quarta-feira, 16, o País bateu o recorde diário com mais de 240 mil casos e 3,5 mil mortes em apenas 24 horas. “As pessoas, a meu ver, se cansaram da pandemia e têm uma ideia de ‘se não pegou até agora, não pega mais’. O problema é que nos EUA eles já começam a vacinar nas próximas semanas e nós não temos perspectivas disso ainda.”
O grupo Infogripe, da Fiocruz, monitora casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no País. De todos os casos de SRAG registrados este ano, 97,8% foram covid. Há tendência de alta de SRAG em ao menos uma macrorregião de Saúde de 21 Estados, diz Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe.
De acordo com o boletim do Infogripe, todas as regiões do País encontram-se em zona de risco e com ocorrências de casos muito alta. Em capitais como Recife e Porto Alegre, por exemplo, a subnotificação é um efeito já confirmado da demora dos registros hospitalares. “A gente já tem informações que elas estão com esses problemas. Essas, em particular, já podemos bater o martelo [de que há aumento nos casos].”
“Precisamos justamente acompanhar os registros das próximas semanas, para vermos se haverá inserção dos dados antigos e reavaliar as anteriores. Até para não corrermos o risco de baixar a guarda, porque isso pode não ser uma interrupção na cadeia de transmissão", afirma Gomes.
Rio tem vaga por UTI
Especialistas também alertam para o risco de subnotificação. “Quando analisamos apenas casos hospitalizados, isso depende de quanto você já ocupou da oferta. Não significa necessariamente que a transmissão caiu, mas que não há mais leitos para ocupar. A internação depende do total de vagas”, diz Ana Freitas, sanitarista do Hospital Emílio Ribas.
No Rio de Janeiro, por exemplo, pacientes têm relatado problemas para conseguir vaga em UTI nas últimas semanas. No Rio, a ocupação de leitos de UTI do SUS para covid – leitos municipais, estaduais e federais – era de 92% nesta quinta e 195 pessoas esperavam vaga na cidade e na Baixada Fluminense.
Ana Freitas, do Emílio Ribas, destaca a urgência em abrir novos leitos, mas diz que isso não irá resolver o problema da alta de casos e mortes. “Essa medida de ampliação dos leitos tem que ser rápida, porque quando aumenta os casos graves na ponta é porque a transmissão está muito intensa. Mas isso só se reverte se aumentar o distanciamento social, não tem outra balança.”
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