Como deixar de ser sedentário? Abolir o ‘no pain, no gain’ pode ser um dos caminhos

Para especialistas, sentir prazer e pertencimento durante a prática de exercícios é essencial para manter engajamento; veja oito fatores para entender e superar a inatividade física

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Foto do author Leon Ferrari

ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO* — Quando ainda não se falava sobre covid longa, a equipe de Átila Alexandre Trapé, professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EEFERP-USP), convidou alguns pacientes, entre 30 e 69 anos, para testar se treinamento em altitudes elevadas poderiam ser aliados na recuperação das sequelas da infecção pelo coronavírus.

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Tanto pacientes que enfrentaram a altitude durante o exercício quanto aqueles que não tiveram esse desafio (grupo controle) tiveram melhoras nas dimensões físicas e mentais da qualidade de vida, de acordo com estudo publicado na revista científica Healthcare.

“Fizemos a intervenção, observamos uma série de melhoras, mas, depois de oito semanas de treino, quando interrompemos e existiu um incentivo para que eles continuassem a praticar, mesmo com a possibilidade de fazer isso dentro da universidade, 70% das pessoas não continuaram praticando”, contou o professor durante o Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 26 e 29 de junho. “O que aconteceu?”

A verdade é que nos últimos anos ficaram ainda mais sólidas as evidências que associam se movimentar mais com melhores resultados em saúde, que vão de benefícios cardiovasculares, para cognição e até protetivos contra depressão e cânceres. Os profissionais de saúde, inclusive, têm cada vez mais prescrito esse “remédio” dentro dos consultórios, frisando todas essas vantagens.

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Buscar prazer na prática de exercício e fazer atividades em meio à natureza são fatores que ajudam na manutenção do hábito Foto: Yuri Arcurs/Adobe Stock

“Quão efetiva de fato essa recomendação acaba sendo? Aproximadamente 4% dos pacientes seguem”, disse Felipe Barreto Schuch, professor adjunto e coordenador do grupo de pesquisa em exercício físico e saúde mental da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Os dados são de um estudo publicado na JAMA Internal Medicine.

Mais do que nunca, sabemos do benefício de estar em movimento, mas, mesmo assim, uma verdadeira pandemia de inatividade física, termo usado pelo grupo de publicações científicas The Lancet, avança.

Conforme mostrou o Estadão, um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que 31% dos adultos em todo o mundo não atingiram os níveis recomendados de exercício físico em 2022. São 1,8 bilhão de pessoas que se encaixam no grupo de atividade física insuficiente, um número 5% maior do que aquele encontrado pela entidade em 2010.

A prevalência de sedentarismo está crescendo em 103 dos 197 países do estudo (52%). No Brasil, ela é de 40,9% da população, o que coloca o País entre aqueles distantes de atingir a meta de redução em 15% da inatividade física até 2030.

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Para os especialistas, tudo isso indica que precisamos mudar a forma como pensamos e oferecemos o exercício físico. É hora de enterrar de vez o “no pain, no gain” (sem dor, sem ganho), deixar claro que as práticas podem ser tão divertidas e satisfatórias como comportamentos sedentários, tal qual assistir um filme com a família, e focar no “no fun, no gain” ou “no play, no gain” (uma espécie de “sem diversão, sem ganho”).

“Precisamos entender o movimento como uma forma de eu me sentir competente e confiante para interagir com o mundo durante toda a minha vida”, resume Andrea Camaz Deslandes, professora do Instituto de Psiquiatria e coordenadora do Laboratório de Neurociência do Exercício da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

É esse propósito que eles colocam em prática nos projetos de extensão que oferecem para a comunidade fluminense. “A gente se preocupa em fazer com que eles tenham a possibilidade de se sentir mais competentes, com mais autonomia, com mais pertencimento, porque fica muito mais divertido e eles querem fazer sempre.”

Abaixo, o Estadão lista e elucida algumas das noções que, na visão dos especialistas, podem nos ajudar a superar o sedentarismo:

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1. Nem todo comportamento sedentário é vilão

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Primeiro, é preciso deixar claro que entendemos relativamente bem os mecanismos que fazem tanto a atividade (qualquer movimento corporal) quanto o exercício físico (movimentos realizados de forma programada e sistemática) serem aliados da nossa saúde.

Segundo Andrea, quando o músculo contrai, produz miocinas, que vão favorecer uma série de alterações no cérebro. Com isso, nossos neurônios aumentam a produção de neurotransmissores (ajudam a mandar informações para as células) e de fatores neurotróficos (auxiliam no crescimento, sobrevivência e diferenciação dos neurônios), o que ajuda na resposta vascular, metabólica e inclusive de estruturais de circuitos cerebrais. “Tudo isso vai favorecer desde a cognição, a resposta motora até a parte emocional e alterações fisiológicas.”

Agora, em relação ao comportamento sedentário, embora saibamos que, quando excessivo, está associado a piores desfechos de saúde, não entendemos exatamente o que ele faz com nosso cérebro. Muitas das hipóteses se baseiam nos benefícios do exercício físico, mas eles são duas coisas completamente diferentes e comportamentos não excludentes, frisam sempre os especialistas.

“A atividade física não é necessariamente o extremo do comportamento sedentário”, fala Schuch. “O que entendemos hoje é que eles são fatores de risco independentes e que a combinação dos dois é o que potencializa o efeito protetor da atividade física.”

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Para a saúde mental, nem todo comportamento sedentário é igualmente prejudicial, destaca ele. Um estudo publicado na Exercise and Sport Sciences Reviews aponta que comportamentos sedentários passivos (por exemplo, assistir televisão) parecem aumentar o risco de depressão, enquanto aqueles mentalmente ativos (por exemplo, ler) podem ser protetores.

Outras evidências mostram que pessoas que têm uma atividade laboral que envolve muito esforço não necessariamente são mais saudáveis, segundo Thiago Matias, professor e líder do grupo de pesquisa em Motivação e Movimento Humano (MOTUS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Ou seja, (a atividade física) não é uma questão só mecânica.”

“O comportamento sedentário não é completamente um vilão para as nossas vidas. Precisamos dele para descansar e muitas vezes refletir sobre a vida. Isso se torna um problema quando ele é excessivo e também quando é excessivo em um comportamento cognitivamente passivo”, resume Schuch.

2. Comece devagar

Saltar do comportamento sedentário para uma atividade moderada pode ser um passo grande demais. Segundo Matias, é como se a gente estivesse pulando o degrau das atividades leves. “É muito difícil saltar essa escada.”

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As diretrizes da OMS e outros guias internacionais são claros: para os adultos, ao menos 150 minutos de atividade física moderada por semana. Essa expressão “ao menos” dá uma ideia de que tudo que fica abaixo de 150 é irrelevante, mas o que as pesquisas têm apontado, principalmente para a saúde mental, é que não é bem assim.

De acordo com um estudo publicado no JAMA Psychiatry, adultos que acumularam metade do volume de exercício recomendado tiveram 18% menos risco de depressão do que aqueles que não fizeram nada. Aqueles que atingiram o total de 150 minutos apresentaram um risco 25% menor.

Ainda que as melhores evidências para outros desfechos de saúde sejam mais sólidas para o padrão das diretrizes, novas vem surgindo. “Quarenta minutos de caminhada leve na semana está associada à diminuição em torno de 20% da mortalidade”, fala Trapé, citando um estudo publicado no Canadian Journal of Cardiology. “Pequenos esforços podem trazer grandes benefícios.”

De acordo com os especialistas, atividades leves podem ser passear com o cachorro, ir andando até o trabalho, sair para a feira ou não deixar mais uma garrafa na mesa do trabalho e levantar-se para buscar. Novamente, atividades no momento de lazer parecem ser mais benéficas, mas isso não significa que, em outros momentos, os benefícios serão desprezíveis.

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Isso, é claro, não significa que não devam existir metas. Porém, o ideal é que elas sejam de curto prazo e realistas. Depois de atingidas podem ser aumentadas até atingir a recomendação, mas um degrau por vez. “Qualquer atividade física é melhor do que nenhuma”, repetiram vários dos especialistas durante o Congresso Brain.

3. Sentir, explorar, transformar e conectar

“Uma coisa importante para a gente entender a ação, a atividade física, é entender que ela está atrelada aos atributos emocionais”, fala Thiago Matias. Junto ao professor Joe Piggin, da Universidade de Loughborough, no Reino Unido, ele desenvolveu a Teoria Unificadora da Atividade Física, publicada na revista Quest, da National Association for Kinesiology in Higher Education (NAKHE).

Essa nova maneira de pensar o movimento aponta que a atividade física responde a necessidades humanas muito básicas: sentir, explorar, transformar e conectar. “Todo o esforço do ser humano para ser ativo tem uma orientação primária para que consigamos compreender mais sobre a gente, sobre os outros e o ambiente onde estamos.”

Para ele, os comportamentos sedentários, como sair para beber com os amigos e ver um seriado ao lado da família, têm respondido melhor a essas necessidades. Isso, diz, porque a maneira como representamos e pensamos a atividade física é “meio desalmada”.

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“A gente depositou uma crença grande nos atributos da saúde, justamente porque entendemos que se mexer é bom para ela. E esse passou a ser o discurso para justificar por que precisamos nos mexer, e aí pode estar o problema. Isso é muito distante do que nós necessitamos.”

Ou seja, a atividade física sugerida e escolhida vai ter que ser uma contrapartida melhor do que os comportamentos sedentários. “Tem forró nesse mundo, tem capoeira, tem dança. Coisas que nos mobilizam mesmo quando estamos cansados.”

4. Encontre motivação

Alimentar as necessidades humanas básicas pode ajudar a encontrar a motivação para a prática, que vai ser determinante, por exemplo, para o engajamento. Segundo os especialistas, há dois tipos de motivação, a intrínseca e a extrínseca.

Essa última pode ser muito boa para iniciar a prática, pois tem a ver com coisas externas, como um ambiente e um educador físico legais. Mas será necessário mais do que isso para que a pessoa se mantenha motivada. Por isso, é preciso encontrar um motivo intrínseco, que está dentro de você e vai ser diferente para cada pessoa.

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Ao falar sobre motivação, Marco Túlio de Mello, professor do departamento de Esportes, da Faculdade de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), conta sobre o dia que o pai deixou de fumar. Ele havia tido um infarto. Quando o filho chegou ao hospital, encontrou ele fumando. “Falei: ‘pai, vou demorar para casar. Depois, devo demorar um pouco ainda para ter filhos. Quero muito que meu filho conheça o avô dele, e quero muito que meu pai conheça o meu filho. Se o senhor puder esperar, agradeço.’”

5. Busque atividades em grupo

É nesse sentido que buscar movimento em grupo pode ser uma boa pedida. Inclusive, pesquisadores brasileiros convidaram quase cem voluntários para um programa de exercícios de um ano. Eram três sessões por semana de não mais de 90 minutos por dia. Eles puderam escolher o tipo de treino: de força, aeróbico ou concorrente (junção das duas modalidades).

Setenta e três voluntários não completaram o protocolo, e 21 voluntários completaram. Um participante foi considerado um desistente se não compareceu ao treinamento por duas semanas consecutivas ou 36 sessões não consecutivas. Os resultados foram publicados na Frontiers in Psychology.

As pessoas que concluíram o treinamento apresentaram maiores níveis de sociabilidade no Inventário de Motivação para a Prática Regular de Atividade Física e/ou Esportes. Ou seja, viam o treino como uma oportunidade de encontrar pessoas e conversar, por exemplo. Um incremento de um ponto nessa pontuação aumentou a chance de concluir o programa em 10%.

“A sociabilização parece ser algo extremamente interessante como uma estratégia”, falou Marco Túlio de Mello, durante o Brain. Ele é um dos pesquisadores que assinam o estudo.

6. Tente se exercitar em um ambiente natural

O contexto no qual o exercício é feito, em especial o local, importa muito, segundo João Bento Torres Neto, professor das disciplinas de Neurociência do Exercício e Neurociência Aplicada ao Treinamento Esportivo da Universidade Federal do Pará (UFPA). “Fazer exercício físico em ambiente natural aumenta a motivação para repetir.” Ele pode ser tanto um exercício verde, relativo a um espaço arborizado de floresta ou parque, ou azul, como na orla de uma praia.

Segundo ele, isso está associado a uma ativação mais importante do sistema de recompensa do nosso cérebro, que promove uma sensação de bem-estar. “Existe um deslumbramento quando se faz exercício físico em ambiente natural.”

“Descobriu-se que exercitar-se em espaços verdes é uma maneira de reduzir a raiva, a fadiga, a ansiedade e a tristeza auto-relatadas. Pessoas que se exercitavam em espaços verdes apresentaram melhoras no humor e na autoestima, em especial quando há presença de água”, diz um relatório da Agência Europeia do Ambiente.

7. Tente regular o sono

O sono pode ter um papel importante no nível de atividade e exercício físico, embora ainda seja difícil entender o que acontece primeiro. De qualquer forma, tentar regular o sono pode ajudar — assim como se movimentar mais nos auxilia a dormir melhor.

“O comportamento sedentário vai fazer com que haja um arrastamento do ciclo circadiano (nosso relógio biológico), que vai alterar completamente o padrão de sono”, disse Marco Túlio de Mello.

Segundo Monica Levy Andersen, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora do Instituto do Sono, o que está bem estabelecido é que a privação de sono diminui a quantidade de atividade física de uma pessoa. “Eu não subo mais escada, não vou mais à padaria e eu não quero mais levantar para trocar meu canal de televisão. Privação de sono faz inércia. E isso leva a mais problemas de sono.”

8. Políticas públicas

Os especialistas também frisaram no Congresso Brain que não podemos responsabilizar apenas o indivíduo pela inatividade física. É preciso pensar em como derrubar barreiras socioeconômicas que tornam alguns mais vulneráveis à pandemia da falta de movimento.

“Dados da Pesquisa Nacional de Saúde mostram que a prevalência de atividade física na população geral brasileira é de 23%. Para homens brancos, com ensino superior completo, no quartil mais alto de renda, que representam só 3% da população brasileira, é de quase 50%. Enquanto nas mulheres não brancas, com baixa escolaridade e baixa renda, que representam 8% da população, é de 10%”, mostrou Trapé. “As políticas brasileiras transferem muita responsabilidade para o sujeito”, fala Thiago Matias.

*O repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções

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