Como escolher um residencial de idosos? Especialistas ensinam o que considerar

Cumprimento de regras e estabelecimento de acordos individuais aumentam a segurança e o conforto do familiar

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Elas não se chamam mais asilos, e muitas abandonaram a expressão casa de repouso. Algumas até mantiveram o “lar” no nome fantasia. Mas o mais comum, nos tempos atuais, é que se autodenominem residencial geriátrico ou residencial sênior. Oficialmente, são todas ILPIs, ou seja, Instituições de Longa Permanência para Idosos, e é diante dessa moradia que muitas famílias se veem cheias de dúvidas quando cogitam ali internar um parente ou quando o próprio parente faz essa opção por si.

De pronto, a recomendação é identificar o grau de dependência do idoso. “Precisa saber se esse cliente é totalmente independente (grau 1), semidependente (grau 2) ou totalmente dependente (grau 3) para as atividades básicas da vida diária, que são banhar-se, vestir-se, alimentar-se, tomar seu medicamento, fazer a higiene pessoal depois de uma micção ou evacuação”, diz Wilson Jacob Filho, professor titular de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Cliente é a denominação que esse geriatra gosta de usar quando se refere ao potencial morador de um residencial. Jacob Filho quer, dessa forma, propor a inserção da opinião do idoso, na medida do possível, em relação ao contrato que está por vir. Paciente lhe parece passivo demais.

É importante entender o grau de dependência dos moradores da instituição para que o idoso possa interagir e não se sinta deslocado Foto: WavebreakMediaMicro/Adobe Stock

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Considerando, pois, o grau de dependência do cliente em relação a essas tarefas – um geriatra ou outro médico da família pode ajudar nessa classificação, se for o caso –, faz-se um primeiro filtro. Algumas ILPIs não aceitam pessoas que precisam ser cuidadas de forma integral. Na outra ponta, um idoso pode se sentir deslocado e sozinho se for o único absolutamente autônomo num grupo de acamados ou com demência avançada.

Estabelecido esse match em relação ao tipo de serviço requerido e o oferecido, os familiares passariam então a observar outros pontos diante das opções à mão. Estar à mão, aliás, é questão fundamental porque institucionalizar um idoso a quilômetros de distância inviabiliza acompanhar o tratamento que ele está recebendo e suas reações ao serviço. “O ideal seria procurar um lugar mais próximo do domicílio da família porque isso facilitaria na hora de dar suporte ao parente e na hora das visitas”, afirma a psiquiatra Rita Cecília Reis Ferreira, coordenadora da Arteterepia do Programa Terceira Idade (Proter) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.

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Quanto às visitas, é importantíssimo observar se há horários rígidos ou flexíveis. Estabelecer no contrato apenas duas horas por dia, duas vezes por semana, e o mesmo horário fixo nos sábados, domingos e feriados não parece bom indício. “O familiar precisa dizer ‘Eu tenho interesse em hospedar meu pai aqui, mas essa cláusula de horários rígidos não pode vigorar no nosso contrato porque eu quero vir em qualquer dia, a qualquer hora’”, destaca Jacob Filho.

Um aviso prévio da visita pode ser combinado, mesmo porque as instituições têm uma rotina de limpeza e atividades que também é importante o familiar conhecer e entender. Como ressalva o geriatra, o aviso prévio favorece que o cliente seja “maquiado”, ou seja, colocado numa condição totalmente diferente daquela em que estaria normalmente, mas é bem possível que o familiar perceba os cabelos ainda úmidos e uma pele recém-hidratada com creme depois de uma higiene forjada em função da visita. A idoneidade, de lado a lado, é condição sine qua non para manter o contrato.

Outro ponto a observar com lupa é a infraestrutura do local. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 502, de 27 de maio de 2021, traz uma série de exigências específicas nesse sentido, com metragens mínimas de cômodos, áreas de circulação, rampas de acesso, portas e peitoris. Está lá, também, que os pisos externos e internos, incluindo os de rampas e escadas, precisam ser de fácil limpeza e conservação, uniformes e com mecanismo antiderrapante.

Os banheiros, local clássico de quedas, não podem ter desníveis em forma de degrau nem revestimento que produza brilho e reflexo. E os dormitórios devem abrigar no máximo quatro pessoas, com área para a guarda de roupas e pertences do residente, e serem dotados de luz de vigília e campainha de alarme. O familiar pode e deve conhecer os leitos disponíveis para os idosos a fim de checar condições de arejamento, luminosidade e higiene. Mesmo diante das incontinências naturais, o cheiro de urina não deve estar presente.

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Sumiço de roupas

Roupas são um capítulo à parte. Vale perguntar se a lavanderia é própria ou terceirizada e como é feita a identificação e separação das vestimentas do idoso. Em plataformas online que permitem aos consumidores registrarem reclamações sobre empresas e serviços, comumente se encontra a indignação de parentes frente ao desaparecimento de roupas nas quais constava inclusive o nome do idoso, estivesse ele bordado ou marcado com caneta à prova d’água.

Encontrar o parente com a blusa e a calça de outrem, quando não com uma sandália que ele nunca gostou de usar, pode mostrar que há mais por baixo dos panos. “Roupas trocadas são sinal de negligência”, afirma Rita. “O paciente tem direito aos próprios pertences, é uma questão de dignidade, de respeito, faz parte do direito do morador.” Ela lembra que, se a responsabilidade é colocada sobre a lavandeira terceirizada, que a instituição mude de lavanderia, mas o problema não pode ser visto como coisa menor.

Número de cuidadores deve ser proporcional ao grau de dependência dos clientes Foto: wavebreak3/Adobe Stock

A alimentação é, definitivamente, coisa maior. A possibilidade de individualizá-la em alguns momentos deve ser postulada na hora de assinar o contrato com a ILPI, não só por uma questão de saúde, considerando que alguns clientes podem ter restrição de açúcar e/ou sal, por exemplo, mas por uma questão de gosto e bem-estar do residente. É possível, por exemplo, negociar um prato específico, simples de preparar, em algum dia da semana? A carne bem passada poderia ser servida ao ponto para aquele cliente? Ou mesmo um copo colorido daria vez a um copo transparente, porque o idoso assim prefere?

“Se a instituição não personaliza, podemos incentivá-la a personalizar, para que o serviço fique ainda melhor”, diz Jacob filho. A máxima “aqui todo mundo tem tratamento igual” deve ser vista, neste momento, com desconfiança, porque um tratamento pasteurizado desconsidera as especificidades dos moradores.

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Equipe multidisciplinar

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Na equipe, uma nutricionista é bem-vinda, a fim de não apenas elaborar um cardápio equilibrado e considerar preferências alimentares, como também observar a armazenagem e as boas práticas de manipulação dos alimentos e monitorar a situação nutricional dos clientes (é sinal de alerta o idoso perder peso, caso isso não esteja programado com seu médico). Pela resolução da Anvisa, a ILPI deve oferecer, no mínimo, seis refeições diárias.

Conta pontos também a presença diária de um enfermeiro e a semanal de um fisioterapeuta, um terapeuta ocupacional, um fonoaudiólogo e um geriatra. O número de cuidadores, pela RDC 502, deve ser proporcional ao grau de dependência dos clientes. Para aqueles de grau 1, seriam 20 idosos para cada cuidador. Para os de grau 2, 10 idosos por cuidador. Para os de grau 3, de máxima dependência, 6 idosos por cuidador.

Para as famílias que podem pagar, um cuidador contratado à parte pode proporcionar maior tranquilidade, desde que esse cuidador não entre em choque com a rotina da casa.

Equipe deve ser multidisciplinar e, preferencialmente, contar com enfermeiros, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo e geriatra Foto: wavebreak3/Adobe Stock

Rita destaca a figura de um psicólogo para tratar do emocional dessa clientela: “Esse profissional vai fazer uma supervisão, conversar com a pessoa, saber o que está sentindo, porque ela pode estar emocionalmente fragilizada diante da mudança”.

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Dentro desse espectro de cuidado, importa perguntar ao gestor da ILPI quais atividades recreativas, de lazer e culturais estão previstas na programação semanal e se elas variam para contemplar da melhor forma possível todo o público. A maior parte das vagas em ILPIs é ocupada por mulheres, e daí advêm recreações que normalmente agradam mais ao público feminino, como artesanato, feitura de pães, pintura, dança de roda. Algumas famílias inclusive reclamam da dificuldade em encontrar vagas para homens, já que são poucas as disponíveis e, além disso, elas só costumam abrir com o falecimento do titular daquele momento. A existência de um espaço ecumênico é outro detalhe a observar, ainda mais se o cliente for religioso.

Naira Dutra Lemos, coordenadora da residência multiprofissional do Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente do departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), levanta outro ponto estrutural nessa conversa: a segurança. “É muito comum idosos demenciados tentarem fugir da instituição”, diz. Então, é importante verificar como é feito esse controle e dar preferência, se possível, a ILPIs localizadas em ruas menos movimentadas. A título de registro, em 2019, havia 2,46 milhões de pessoas com 60 anos ou mais vivendo com demência no Brasil e esse número deve dobrar até 2039.

Não que uma pessoa com demência venha necessariamente a morar numa ILPI, mas tamanho contingente parece impelir a contrapartida de mais instituições do gênero, algo que já parece defasado, como mostrou o Estadão nesta semana.

Segundo pesquisa do Ipea, cerca de 50% das instituições declaram ser filantrópicas e conveniadas. Públicas, não passam de 10 nas capitais, de acordo com Naira. As de fins lucrativos completam esse cenário, com valores de mensalidade muitos díspares, de cerca de R$ 1,5 mil a aproximadamente R$ 20 mil, segundo a SBGG. Ainda segundo a entidade, o que encarece esse tipo de serviço são os profissionais, uma vez que uma instituição de longa permanência exige equipe multiprofissional. Mas não necessariamente a simplicidade significa baixa qualidade.

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Por outro lado, mais oferta requer ainda mais cuidado quanto a certificações, e nenhuma instituição pode ser dispensada do alvará sanitário e do comprovante de vistoria do Corpo de Bombeiros, afora manual de normas, rotinas e procedimentos, contratos de terceirização de prestação de serviços (como o da lavanderia) e o livro de registro de informações sobre o idoso, onde estão discriminados o grau de dependência e os direitos previdenciários, por exemplo.

Ao fim do checklist, mas não menos fundamental, é importante perguntar ao cliente o que achou da ILPI em questão. “A decisão de ir para a instituição tem de passar pelo idoso”, afirma Naira. Ainda que demenciado, ele tem voz, vez e nome próprio. Nem “vozinho” nem “vozinha” cabem nesse tratamento. E, ainda que tudo já esteja acertado, há o direito de mudar de opinião.

Uma vez instalado na nova moradia, que foi estudada e esquadrinhada, os especialistas reforçam que o idoso deve ser visitado com frequência. “Há filhos que se desobrigam de ir à instituição porque o parente está sendo muito bem cuidado e porque, além de tudo, ele não os reconhece mais”, diz Jacob Filho. “Mas não importa que ele não saiba quem você é. Importa que você sabe quem ele é.”

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