Como funcionam as vacinas de mRNA contra câncer anunciadas pela Rússia?

Imunizante personalizado promete ensinar o sistema imunológico a reconhecer e combater tumores

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Por Layla Shasta
Atualização:

O Ministério da Saúde da Rússia anunciou nesta semana o desenvolvimento de uma vacina contra o câncer. A previsão é de que o imunizante, criado em colaboração com centros de pesquisa, comece a ser distribuído de forma gratuita no início de 2025.

Conforme o anúncio, o imunizante utiliza tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), a mesma usada em algumas vacinas contra o coronavírus.

Vacinas estimulam a ação do sistema imunológico contra diversas ameaças  Foto: BillionPhotos.com/Adobe Stock

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Segundo o Centro Nacional de Pesquisa Médica do país, o imunizante adota uma abordagem personalizada. “Com base na análise genética do tumor de cada paciente, uma vacina única é criada para ‘ensinar’ o sistema imunológico a reconhecer células cancerígenas”, diz a nota da instituição.

Significa que essas vacinas não previnem a doença, mas ajudam o corpo a combatê-la, de acordo com cada tipo de tumor presente no paciente.

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De acordo com o oncologista Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas e presidente do Instituto Oncoclínicas, embora as vacinas possam funcionar para diversos tumores, é provável que comecem sendo testadas em tipos mais sensíveis ao sistema imunológico, como melanoma, câncer de rim e alguns tumores no pulmão.

A tecnologia já é conhecida há algum tempo no meio científico. Rodolfo Ferreira Marques, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), relembra que empresas como a BioNTech e a Moderna também têm projetos para vacinas contra o câncer, ainda não licenciadas. O próprio ICB, inclusive, já realizou terapia com vacinas de RNA mensageiro para eliminar tumores causados por vírus HPV em animais.

“O que realmente chama atenção no caso da Rússia é o fato de o sistema público de saúde fornecer esse tratamento gratuitamente”, comenta.

As vacinas de mRNA

O uso do RNA mensageiro é estudado desde meados da década de 60. No início, ele foi considerado no combate a infecções como ebola e malária, mas posteriormente passou a ser estudado como ferramenta para combater doenças como o câncer.

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Segundo Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a essência dessa tecnologia é fornecer uma “receita” para as células aprenderem a se defender de ameaças ao organismo.

Para compreender como isso funciona, é necessário falar um pouco sobre genética. Dentro das células, temos o RNA mensageiro (ou mRNA), que age como um “garoto de recados” ao transportar as instruções contidas no DNA até os ribossomos, pequenas “fábricas” celulares responsáveis pela produção de proteínas.

As proteínas desempenham papéis vitais no corpo, incluindo a formação de anticorpos que combatem infecções, e a tecnologia das vacinas de mRNA parte dessa função. Ela entrega uma “receita pronta” para que as células produzam proteínas específicas que treinam o sistema imunológico a reconhecer e combater ameaças.

Como a tecnologia funciona contra o câncer?

O câncer é caracterizado pelo crescimento descontrolado de células em alguma parte do corpo. Essas células cancerígenas também produzem proteínas específicas, os antígenos, que podem ser reconhecidas pelo sistema imunológico e são o alvo das vacinas de mRNA.

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Marques explica que o processo com os imunizantes começa com uma análise detalhada do câncer de cada paciente. Isso é essencial porque as características dos tumores variam de pessoa para pessoa. Por exemplo, dois pacientes com câncer de pulmão podem ter tumores com propriedades bastante diferentes. Daí por que a abordagem é chamada de “personalizada”.

Com base nessa análise, os cientistas identificam os antígenos que o tumor está produzindo e que podem ser alvo do sistema imunológico. A partir daí, é desenvolvida uma sequência de mRNA, uma receita personalizada para “ensinar” o sistema a reconhecer e atacar as células malignas.

Essa abordagem permite que a vacina de mRNA treine o organismo a combater o tipo específico de tumor presente no paciente, potencializando as chances de uma resposta imunológica eficaz contra o câncer.

“Diferente de uma quimioterapia ou de uma droga-alvo, a vacina de RNA mensageiro, assim como a imunoterapia, não age diretamente sobre o tumor, mas sobre o sistema imunológico, fazendo com que ele reconheça e destrua as células malignas”, resume Ferreira.

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Por que não existia ainda?

Antes da pandemia, as vacinas de RNA eram estudadas, mas o processo era lento devido à falta de investimento e parcerias. A urgência da covid-19 acelerou os estudos, e o sucesso das vacinas deu credibilidade à tecnologia, permitindo sua expansão para outras doenças.

Agora, além do câncer, Kfouri menciona que trombose e acidente vascular cerebral (AVC) poderiam ser tratados com vacinas que induzem a produção de proteínas terapêuticas. Ele também cita diabetes, Alzheimer e outras condições cujos tratamentos poderiam ser aperfeiçoados com essa abordagem.

Em relação ao desenvolvimento russo, Marques critica a falta de transparência. Ele comenta que não foram divulgados os resultados dos ensaios clínicos e os detalhes sobre o plano de produção. “Essas informações são essenciais para garantir que tudo esteja pronto.”

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Ele relembra que, durante a pandemia, o governo russo também anunciou uma vacina e divulgou somente informações superficiais. Ainda assim, o pesquisador considera que talvez a tecnologia esteja preparada para circular na Rússia em 2025, diante do rápido avanço desde a pandemia.

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