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Como o nosso intestino afeta a vontade para fazer exercício físico?

Comunidades de bactérias, vírus e fungos que vivem no intestino de pessoas fisicamente ativas podem ser bem diferentes daqueles de pessoas que raramente se exercitam, sugerem estudos

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Por Gretchen Reynolds
Atualização:

Seu intestino pode ajudar você a ter motivação para se exercitar. Ou pode convencer você a pular o treino.

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A direção que você toma parece ser influenciada pela sua dieta e pela saúde do seu microbioma, nome dado às comunidades de bactérias, vírus e fungos que vivem no intestino.

Novos estudos intrigantes com camundongos mostram que a composição do microbioma de um animal influencia o quanto ele deseja se exercitar, em parte enviando sinais para o cérebro do animal. Mude o microbioma de um camundongo e você mudará a vontade de se movimentar.

Embora os novos estudos envolvam animais, eles ampliam e estendem pesquisas recentes em humanos que mostram que os microbiomas de pessoas ativas podem ser bem diferentes daqueles de pessoas que raramente se exercitam. As descobertas levantam a possibilidade de que, dependendo de como alteramos nossos micróbios internos, podemos fazer mais exercícios – ou então evitá-los.

A saúde intestinal afeta a saúde geral

A importância do microbioma para nossa saúde é quase indiscutível. Foi demonstrado que o estado de nossas entranhas afeta nosso coração, cintura, sono, humor e riscos para uma variedade de doenças, como diabetes e alguns tipos de câncer.

Os microbiomas também são bastante maleáveis. A quantidade e os tipos de bactérias intestinais aumentam e diminuem dependendo de como vivemos, incluindo se e como nos exercitamos. Um estudo do ano passado descobriu que os intestinos dos esquiadores cross-country de elite continham menos tipos de bactérias após uma temporada cansativa do que os microbiomas de não atletas saudáveis, mas mais das cepas remanescentes encontradas nos atletas estavam associadas à saúde metabólica.

Embora saibamos que o exercício pode influenciar a saúde do microbioma, é muito menos claro se os efeitos funcionam no sentido contrário: se o microbioma pode influenciar o exercício. Curiosamente, as pessoas e os ratos de laboratório que tomam antibióticos não se exercitam muito, mas a razão pode ser que eles provavelmente estavam se sentindo mal antes de iniciar os medicamentos, o que desencoraja a atividade física.

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Se você der antibiótico a um rato de laboratório...

Então, cientistas da Universidade da Califórnia em Riverside decidiram eliminar os microbiomas de camundongos que adoravam correr e ver como eles reagiriam. Os camundongos da UC-Riverside faziam parte de um experimento em andamento no qual camundongos fêmeas, que corriam mais do que suas companheiras de laboratório, foram cruzadas com camundongos machos de hábitos parecidos. Ao longo de várias gerações, os cientistas desenvolveram uma linhagem de camundongos supercorredores. Esses animais corriam voluntariamente cerca de três vezes mais do que outros camundongos. Eles também desenvolveram microbiomas diferentes.

Agora, para um estudo publicado no ano passado na Behavioural Processes, os cientistas deram a alguns desses ratos maratonistas antibióticos de amplo espectro, para matar a maioria de suas bactérias intestinais. Os animais continuaram a comer e viver de maneira inalterada, indicando que os antibióticos não os adoeciam.

Mas, quando os pesquisadores deram aos animais livre acesso às rodas de corrida, a quilometragem dos ratos maratonistas caiu drasticamente. Eles percorreram em média 21% menos distância todos os dias, números que mal se recuperaram durante os 12 dias subsequentes do estudo.

O novo experimento destacou que o microbioma parecia estar influenciando a vontade de correr dos animais atléticos, disse Theodore Garland, biólogo evolutivo da UC-Riverside, cujo laboratório desenvolveu os ratos de maratona e que supervisionou o novo estudo.

Seu intestino pode ajudar você a ter motivação para se exercitar. Ou pode convencer você a pular o treino. A direção que você toma parece ser influenciada pela sua dieta e pela saúde do seu microbioma, nome dado às comunidades de bactérias, vírus e fungos que vivem no intestino. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Como o intestino fala com o cérebro

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Mas o estudo de Garland não analisou como os microbiomas afetam a motivação para o exercício. Para isso, precisamos dos resultados de outro estudo ambicioso, publicado em dezembro na Nature, que analisou as entranhas e cérebros de camundongos.

No estudo, cientistas da Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia e de outras instituições reuniram oito tipos de camundongos, que naturalmente percorriam diferentes distâncias diárias, e começaram a genotipá-los e verificar milhares de moléculas liberadas em seu intestino, sangue e cérebro antes e durante o exercício.

Eles também deram antibióticos a alguns camundongos, criaram outros para não terem microbiomas desde o nascimento, deixaram-nos correr ou descansar, coletaram mais tecidos, transplantaram amostras fecais de camundongos felizes com microbiomas robustos para camundongos sem bactérias intestinais – e vice-versa – e continuaram reunindo amostras genéticas e de tecidos.

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No final, eles tinham mais de 2,1 milhões de pontos de dados sobre seus ratos.

O que eles descobriram nesses dados foi um link de comunicação direto do intestino para o cérebro, ativado pelo exercício. Eles descobriram que essa comunicação começava com a liberação de certas moléculas no intestino durante o exercício, que então estimulavam nervos especializados que conectam o intestino e o mesencéfalo.

Uma vez ativados, esses nervos enviavam sinais solicitando a liberação no cérebro de dopamina extra, o neuroquímico mais associado a recompensa e motivação. Os cientistas também descobriram que quanto maior a quantidade de várias cepas específicas de bactérias nos intestinos dos animais, mais dopamina seus cérebros produziam e mais os ratos corriam.

Nossos microbiomas podem afetar a motivação?

Em suma, os animais geravam um “barato de corredor”, originário de seu microbioma, que os encorajava a se exercitar, disse Christoph Thaiss, professor assistente de microbiologia na Penn Medicine e autor sênior do estudo.

Quando os cientistas interromperam qualquer etapa no link de comunicação, matando bactérias intestinais com antibióticos ou bloqueando quimicamente a atividade nervosa ou a liberação de dopamina, os animais afetados começaram a correr menos.

“Eles perderam o interesse” pelo exercício, disse Thaiss.

Ele e seus coautores especulam que o envolvimento do intestino no comportamento de exercício pode ter evoluído muito tempo atrás, em resposta à disponibilidade de alimentos. Animais que vagavam e exploravam com frequência – ou seja, que se exercitavam regularmente – encontravam mais comida, sobreviviam e se reproduziam, transmitindo as ligações intestino-cérebro que encorajam o exercício.

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O que esta pesquisa significa para nós ainda é um tanto teórico. Não somos ratos, embora compartilhemos a maior parte dos mesmos nervos e processos do mesencéfalo. Portanto, “é bastante plausível” que nossa motivação para o exercício – ou falta de motivação – dependa, pelo menos em parte, da composição de nossas bactérias intestinais, disse Garland.

Podemos aumentar nosso interesse em exercícios tomando probióticos ou mudando nossas dietas ou ajustando nossa flora intestinal? “Provavelmente, sim”, disse Thaiss. Mas os cientistas primeiro precisam identificar os tipos precisos de bactérias intestinais envolvidas na motivação para o exercício nas pessoas, supondo que existam, disse ele. E isso que pode levar anos.

Enquanto isso, os estudos com ratos sugerem que o exercício pode ser seu melhor motivador. Quando nos exercitamos, refazemos nosso microbioma, e nosso intestino renovado pode, ao que parece, reforçar nosso desejo de nos exercitar. Ou seja, o primeiro passo é dar alguns primeiros passos. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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