Passar numa ótima faculdade, ter um emprego estável e com bom salário. Comprar um apartamento antes dos 30 anos, ser bonito, ser magro, um homem viril, ter dois filhos, ser uma mãe perfeita, ter um carro novo, viajar bastante – e ainda posar feliz nas redes sociais e ter muitos “likes”, claro.
Por influência da sociedade em que vivemos, as metas e exigências que determinamos para nós mesmos se sobrepõem e podem ser opressoras, a ponto de ameaçarem o nosso bem-estar emocional: trazem exaustão, perda de individualidade, sofrimento emocional com sintomas como ansiedade e pânico, com possibilidade de evoluir para transtornos psicológicos. E, com o fim do ano se aproximando, essas pressões podem crescer ainda mais.
“Ao longo da vida, várias vozes reforçam mensagens de cobrança social. Chega um momento em que você não precisa mais escutar isso, pois você já internalizou a mensagem”, diz o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, autor do livro Exaustão no Topo da Montanha. Segundo ele, os corpos e as mentes de muitas pessoas estão hoje exauridos por conta dessa autocobrança por produtividade, fruto daquilo que ouvimos desde que somos crianças. “Na sociedade do desempenho, descrita pelo filósofo Byung-Chul Han, para ter uma vida boa é preciso ser produtivo no trabalho, ter um corpo perfeito, sucesso nas redes sociais, entre outras coisas. Você é empresário de si mesmo, o dono da sua produtividade, o algoz e a vítima.”
Queixas de sobrecarga física e emocional por conta da autocobrança como reflexo da expectativa social em relação ao trabalho, à estética e às relações amorosas são comuns no consultório da psicoterapeuta Melina Danza. “Sentimentos como insegurança, medo, depreciação, estagnação, agressividade, tristeza e raiva passam a se manifestar como sintoma do colapso entre duas realidades: o que é esperado de uma pessoa e o que ela consegue de fato realizar.”
A busca por reconhecimento social
Buscar reconhecimento social não é reflexo de insegurança, mas uma necessidade básica para a saúde psíquica desde que nascemos, explica Melina. Por outro lado, é preciso tomar cuidado para não se tornar refém do julgamento alheio, além de cuidar para que a sociedade seja mais empática. Enquanto a psicoterapia pode ajudar no aspecto individual para aliviar a pressão social, é preciso estabelecer diálogo em núcleos sociais, como escolas, para trabalhar a empatia, capacidade de se colocar no lugar do outro – e, assim, evitar situações opressoras. “Há uma dificuldade de se colocar no lugar do outro, percebendo que ele pode ser diferente de nós mesmos.”
Há uma dificuldade de se colocar no lugar do outro, percebendo que ele pode ser diferente de nós mesmos
Melina Danza, psicoterapeuta
Os jovens são o público mais vulnerável à pressão social, pois buscam o reconhecimento como um apoio para a identidade, na visão da psicoterapeuta Melina. “Eles estão em um momento de transição, sofrem exigências de comportamentos para que tenham um ‘futuro promissor’, a garantia para serem aceitos na sociedade”, acrescenta.
A estudante Natálya Aldeia, de 22 anos, recebe, no seu canal no Instagram Papo de Vestibulando, pedidos de ajuda de vestibulandos que não sabem como lidar com pais que cobram excessivamente a aprovação. “A pressão colocada sobre os estudantes é desproporcional e absurda”, diz. Apesar de contar com a compreensão e apoio dos seus pais, Natálya admite que a pressão social e a autocobrança a atrapalharam e a levaram a desenvolver um transtorno de ansiedade e início de crise de pânico, diagnosticados por seu psiquiatra.
A estudante não se esquece do mal-estar que sofreu em 2017, quando fazia uma das provas de vestibular. “Eu queria tanto ir bem que fiquei com dores no estômago, enjoo. Fiz a prova horrivelmente e fui direto para o hospital tomar soro na veia”, lembra. Natálya se sente hoje mais equilibrada e lamenta ter demorado tanto para aprender a administrar as emoções. “Hoje entendo que cada um tem o seu tempo. Só eu sei que dou o meu melhor todos os dias para alcançar a tão sonhada vaga. Foi difícil essa virada de chave, mas foi a melhor coisa que me aconteceu.”
Aos pais de vestibulandos, a psicóloga Paula Pimenta recomenda estabelecer um bom diálogo com o filho para compreender o seu estado emocional e os desafios enfrentados. “Demonstrar confiança, ser empático às possíveis frustrações e oferecer ajuda para buscar saídas mostra que você está dando apoio”, avalia. No seu trabalho no Anglo Vestibulares, ela atende alunos que procuram orientação nos estudos, na escolha profissional ou querem falar sobre suas emoções.
A pressão dos processos seletivos
O desafio emocional de quem disputa uma vaga na faculdade tem semelhanças com o enfrentado pelos estudantes que se dedicam aos concursos públicos. Após quase dois anos de uma rotina puxada de estudos, que conciliava com o trabalho em uma empresa mais os cuidados do filho pequeno, Natasha Rocha Nogueira de Sá, de 33 anos, conseguiu passar em 2013 em um concurso público para o Tribunal Regional do Trabalho (TRT 15).
Apesar da conquista, percebeu que estava com a saúde mental abalada. Começou a fazer psicoterapia e procurou um psiquiatra, que diagnosticou a tricotilomania, transtorno caracterizado pelo impulso de arrancar os próprios fios de cabelo. “Demorei demais para perceber que estava sofrendo com a ansiedade e o estresse”, admite.
Para Natasha, a ansiedade decorria da pressão social e da cobrança interna por sucesso no concurso. “Sentia muita pressão familiar, já que meu marido tinha passado no concurso”, conta. Começou um blog, Bitolei, para falar sobre a rotina de estudos, mas o que era para ser um desabafo trouxe mais pressão. Quanto mais pessoas a seguiam, mas ela se sentia na obrigação de passar no concurso. “Estava expondo a minha vida a muita gente, não queria ter o sentimento de derrota.”
Essa pressão pode desestabilizar emocionalmente o estudante e até trazer transtornos mentais, segundo a psicóloga Gabriele Issa. “Há um impacto na autoestima e na confiança para a prova e para os estudos”, diz a especialista em apoio a quem presta concursos públicos.
Homens viris e mulheres caseiras: a pressão dos papéis de gênero
Além das pressões sociais por desempenho, as pessoas enfrentam cobranças baseadas em papéis sociais, apontam os especialistas consultados pelo Estadão. Alguns dos mais emblemáticos recaem sobre as mulheres. “Elas ocuparam novas posições na sociedade, mas com isso acumularam funções. As pressões para se casar e ter filhos continuam, mas também é preciso ser bem-sucedida, ter vida social, lazer, ter um corpo padrão”, observa a psicanalista Manuela Xavier.
As pressões para a mulher casar e ter filhos continuam, mas também é preciso ser bem-sucedida, ter vida social, lazer, ter um corpo padrão
Manuela Xavier, psicanalista
A empresária Simone Alves, de 35 anos, que preferiu usar um pseudônimo por medo de ser prejudicada profissionalmente, conta que é cobrada com frequência por clientes, amigos e familiares para emagrecer. Já evitou sair em fotos por receio de ser julgada por estar, segundo ela, 15 kg acima do peso ideal. Como a ginástica e a alimentação regrada não resolvem, ela recorre às medicações. “Já chorei muito por causa disso, pois ninguém quer se sentir feia, né?” Ao mesmo tempo, ela não tem alívio no trabalho, pois gerencia um restaurante com muitos funcionários e se cobra para que tudo funcione bem. “Isso me traz um prejuízo emocional gigante, fico muito ansiosa.”
Quando uma mulher entra em sofrimento emocional por conta das pressões, o problema não é individual, na visão da psicanalista Manuela Xavier. “Existe uma estrutura social machista que leva as mulheres a sentirem que estão falhando. Mesmo a mulher consciente dessa realidade acaba por sentir culpa”, constata. O resultado ela vê no consultório: mulheres com ansiedade, estafa e depressão. “Mesmo que seja a CEO da empresa, na festa de fim de ano vão falar sobre a aparência dela, perguntar dos filhos. Se for mulher, sucesso profissional não basta.”
Existe uma estrutura social machista que leva as mulheres a sentirem que estão falhando
Manuela Xavier, psicanalista
Mãe de duas crianças, a publicitária Ana Carla Germinare, de 42 anos, se desdobrava para atender às expectativas para ser uma “mãe perfeita”. Abriu mão do seu trabalho para se dedicar integralmente aos filhos, mas as pressões sociais só aumentaram. “Quando não tinha filhos e me dedicava apenas à vida profissional, as cobranças eram mais leves”, recorda. Para Ana, absorver essas críticas fez mal ao corpo e à mente – e as crises de pânico surgiram. “Achei que estava tendo um enfarte, fui parar no hospital. O medo tomou conta de mim”, recorda-se. Ela decidiu então procurar ajuda. Aderiu a um “combo” de bem-estar, que incluía shiatsu, psicoterapia, acupuntura, oração, meditação e ioga. “Hoje me sinto bem. Me acolho e tenho coragem de dizer não ao que não condiz com o que eu acredito.”
E se as mães sofrem pressão social, autocobrança e culpa, a situação não é mais fácil para as mulheres que decidem não ter filhos (ou não podem tê-los). “Algumas podem se sentir inadequadas, incapazes, por não corresponderem ao que imaginam que se espera delas”, diz Helena Montagnini, psicóloga da clínica Huntington Medicina Reprodutiva. No seu dia a dia, ela atende mulheres que buscam ajuda médica para ter filhos. “Seja por problemas de infertilidade ou por ausência de um par amoroso, elas sentem a pressão social por ainda não terem tido filhos.”
O homem que foge do padrão social vigente também é submetido a uma pressão para se adequar ao papel tradicional. Essa é a percepção do músico Rodrigo Y Castro, de 45 anos, que diz tentar se “desconstruir” para fugir do padrão do “homem-provedor”. “Busco assumir o cuidado e o afeto como pai, mas sempre me deparo com comentários de que não tenho condições de fazer tarefas que são atribuídas à mãe da criança.”
Castro é visto como estranho por aqueles que o reconheciam melhor na versão anterior de sua masculinidade, percebe o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, que conduz o grupo terapêutico para homens do qual o músico participa. O psicólogo afirma que muitos se sentem fracassados na vida. “Os homens são cobrados para acumular coisas: títulos, méritos, conquistas. Essa masculinidade é tóxica porque não abre possibilidade para topos e vales, mas apenas o lugar da vitória.”
Com a proximidade das festas de fim de ano, há quem se incomode com as pressões familiares que se intensificam na ocasião. A comparação entre primos, feita no Natal, sempre foi um martírio para a artista visual Aline Piccolo, de 30 anos. “Eram cobranças para escolher uma carreira sólida, ter namorado, me casar e ter filhos. Tudo o que fosse diferente do tradicional não era bem-aceito.”
Até hoje, ela se irrita ao ouvir músicas natalinas e torce o nariz para pratos típicos. Mas, após 6 anos de psicoterapia, ela sente orgulho de ter trilhado o seu caminho – e não o dos outros. “Me sinto bem-sucedida. Finalmente perceberam que não quero o que eles querem e me deixaram em paz.”
FIQUE ATENTO
Como fugir da pressão Fugir ou encarar a pressão dos familiares, amigos e conhecidos? “É uma escolha individual para cada situação, que depende da condição do sujeito de manifestar a sua opinião”, afirma a psicoterapeuta Melina Danza. Os especialistas consultados pelo Estadão alertam que não há caminho certo. Veja a seguir algumas possibilidades para lidar com a pressão social:
- Se alguém fizer alguma crítica ou comentário, não tome para si. As pessoas julgam e comentam de acordo com a sua visão do mundo – elas nem sempre querem atacar os outros.
- Tenha um ombro amigo. Compartilhe os seus sentimentos com pessoas de confiança. E, mesmo quando seus aliados não estejam presentes, lembre-se deles quando você estiver em situações de pressão social. Assim, você se recorda de que não está só.
- Lembre-se de que você não precisa dar satisfação da sua vida para todo mundo. Se fizerem perguntas incômodas, dê uma resposta evasiva e vá fazer outra coisa – ou converse com outra pessoa.
- Seja você. Lembre-se dos seus valores, objetivos e motivações. Cada um tem os seus – e ninguém tem o direito de impor nada disso.
Como não pressionar familiares e amigos “E os namoradinhos?” Se você tem o costume de fazer esse tipo de pergunta invasiva para todo mundo nas reuniões sociais, talvez esteja sendo inconveniente. Veja a seguir algumas dicas para ser uma pessoa acolhedora:
- Seja empático. Ou seja, veja do ponto de vista do outro, não do seu. Não julgue e seja receptivo, para abrir espaço para a pessoa expressar seus pontos de vistas e opiniões.
- Pratique a escuta ativa. Ouça o outro com atenção. Assim você permite que a pessoa alivie a pressão.
- Se quiser cuidar do outro, verdadeiramente, ofereça ajuda. E faça o que puder para colaborar, respeitando os limites e as vontades da pessoa.
- Para ajudar vestibulandos, aspirantes a concurso público ou outros desafios, evite comentários negativos ou contestadores sobre a jornada que eles enfrentam.
- Se o estudante estabelecer limites, respeite-os. Evite convites e insistências se ele tiver criado esse limite, por exemplo. Compreenda que ele está numa fase que considera importante.
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