Como os sonhos mudam à medida que envelhecemos?

Embora seja difícil de analisar o conteúdo dos sonhos, os cientistas concordam que vários temas surgem com frequência desde a infância e ao longo de diferentes estágios da vida

PUBLICIDADE

Por Marlene Cimons (The Washington Post)

Desde que se aposentou em 2020, o médico Paul Volberding frequentemente tem o mesmo sonho: ele está de volta ao Hospital Geral de São Francisco nos anos 80, cuidando de pacientes com Aids e perdendo muitos deles. É estressante, assim como era em sua vida acordada.

PUBLICIDADE

“Eu não trabalho lá há muitos anos e nunca senti que queria voltar”, conta Volberding, 74, que era professor de medicina na Universidade da Califórnia em São Francisco. “Mas essa parte da minha carreira foi tão intensa. Eu estava tão envolvido nela, e o que eu estava fazendo era tão importante. Eu acho que isso ficou gravado nos meus neurônios”.

Antes da aposentadoria, Volberding nunca teve sonhos sobre trabalho. Eles começaram nos últimos anos e são marcadamente distintos dos sonhos que ele tinha quando jovem adulto. “Quando eu estava na casa dos 40, sonhava mais com relacionamentos e intimidade”, lembra. “Desde que envelheci, meus sonhos mudaram. Às vezes, sonho que estou dirigindo em uma estrada longa e não sei onde estou. Ou chego ao aeroporto e percebo que não fiz as malas, ou que perdi meu voo.”

É um dos mistérios que os cientistas do sono ainda ponderam. Os sonhos mudam à medida que envelhecemos? Se sim, como e por quê?

Publicidade

Mudanças que ocorrem em diferentes fases da vida interferem no conteúdo dos sonhos Foto: foxysgraphic/Adobe Stock

Pesquisas sugerem que sim, e os especialistas dizem que provavelmente é por causa das mudanças que ocorrem ao longo da vida, incluindo em empregos, relacionamentos, traumas, até mesmo a morte. Os sonhos frequentemente refletem essas mudanças de maneira que podem ser perturbadores ou agradáveis. Eles também podem incluir memórias antigas que os idosos revivem enquanto dormem, como sonhar que você está de volta a um antigo trabalho muito depois de tê-lo deixado.

Sonhar “é um produto da idade”, diz Joseph De Koninck, professor emérito na Escola de Psicologia da Universidade de Ottawa, que estuda sonhos há mais de 50 anos. “É temporada aberta para a mente. Se você prestar atenção neles, pode aprender sobre si mesmo. Os sonhos apoiam a ideia de que são a continuidade da nossa vida acordada.”

Os temas dos sonhos ao longo da vida

Embora o conteúdo dos sonhos possa ser difícil de analisar porque as pessoas frequentemente esquecem o que sonharam, os cientistas concordam que vários temas constantes frequentemente emergem, começando na infância e através de diferentes estágios da vida.

Crianças tipicamente têm mais animais em seus sonhos do que adultos, informa Kelly Bulkeley, um pesquisador de sonhos, autor e fundador do Banco de Dados de Sono e Sonho. “Provavelmente porque eles têm animais de estimação ou eles se relacionam com histórias que leram sobre animais, como Ursinho Pooh”. Animais em sonhos frequentemente simbolizam nossos instintos e impulsos, e as crianças muitas vezes se sentem mais em sintonia com animais.

Publicidade

Crianças também têm mais pesadelos, “o que vai contra a ideia de infância como sendo feliz e despreocupada e inocente”, acrescenta. “As crianças estão cientes de quão pequenas são em um mundo de caminhões grandes. Seu maior medo é o abandono, a perda do cuidado dos pais. Um sonho recorrente da infância é ser sequestrado.”

Os temas dos sonhos mudam na adolescência. Os sonhos de adolescentes e jovens adultos frequentemente são “mais quentes”, observa Bulkeley, significando “mais sexo e agressão, interações sociais mais intensas, e então tendem a esfriar um pouco à medida que envelhecemos”.

À medida que envelhecemos, a frequência de sonhos eróticos e sobre esportes diminui, comenta Michael Schredl, diretor de pesquisa do Laboratório de Sono no Instituto Central de Saúde Mental em Mannheim, Alemanha. Enquanto os estudantes são mais propensos a sonhar sobre amigos, os idosos sonham mais frequentemente sobre parentes, diz ele. Pessoas mais velhas também têm menos pesadelos, conta. Mas sonhos sobre pessoas que morreram aumentam.

Pessoas mais velhas ainda relatam sonhos de estarem perdidas em um ambiente estranho, ou de procurarem seu carro em uma cidade estrangeira, conta Schredl. “E há um número substancial de sonhos relacionados ao trabalho em pessoas aposentadas, frequentemente com um tom negativo, como estar de volta ao antigo emprego, se ele era estressante.”

Publicidade

Reconectar-se com entes queridos falecidos é um cenário recorrente. “Uma grande mudança à medida que envelhecemos é que a morte se torna um tema maior”, explica Bulkeley. “Pessoas mais velhas têm mais sonhos sobre morte e visitação de pessoas que morreram. Se você deseja algo com força suficiente, seus sonhos podem criar isso para você.”

Bulkeley acredita que os sonhos “exploram o deslizamento entre nossas identidades públicas e nossos eu’s pessoais”, diz ele, observando que o trabalho, para a maioria das pessoas, faz parte de sua identidade. “Talvez estejamos tentando amarrar pontas soltas. Sonhar sobre questões não resolvidas pendentes pode ser uma maneira de fazer algo sobre elas. Embora às vezes possa ser doloroso, é pela causa do nosso crescimento e integridade.”

Como os sonhos das mulheres mudam à medida que elas envelhecem

Monique Lortie-Lussier, professora adjunta aposentada de psicologia social na Universidade de Ottawa, diz que sua pesquisa sobre sonhos focou em mulheres. Ela descobriu que os sonhos delas se tornam mais agradáveis quando são mais velhas, sem tantos conflitos familiares ou no local de trabalho.

“Os sonhos que coletei de mulheres muito mais velhas são diferentes dos que coletei daquelas na casa dos 30 e 40 anos”, conta. “Em mulheres com mais de 65 anos, as emoções são geralmente positivas, com interações sociais agradáveis. Há pouca agressão.”

Publicidade

Lortie-Lussier, 95, não escreve mais artigos acadêmicos, mas ainda sonha com eles, estressando-se sobre onde deve submetê-los e quais revistas os publicarão. “Acho que ainda sou uma realizadora”, diz.

Ela conta que ocasionalmente sonha com seu falecido marido, que estava sofrendo de demência quando morreu, há 15 anos. Quando ela sonha com ele, no entanto, ele está saudável. “Eu nunca sonho com ele como uma pessoa doente”, fala. “Ele não tem demência, e eu fico tão feliz em estar com ele novamente. São sonhos bastante agradáveis.”

Ela tem quatro filhos, 11 netos e dois bisnetos, mas “eu sonho muito pouco com meus entes mais queridos”, diz. “Eles são a parte da minha vida que eu aproveito. Deve ser porque estou contente o suficiente com suas vidas reais, então não preciso sonhar com eles.”

Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.