O sono e os exercícios trabalham juntos como engrenagens de uma mesma máquina: quando uma funciona bem, a outra também. Um sono de qualidade favorece a recuperação e o desempenho atlético, enquanto os exercícios liberam substâncias químicas úteis para o cérebro, reduzem o estresse e podem ajudar você adormecer mais rápido.
Mas, para quem sofre de insônia, as regras são diferentes: até mesmo um mínimo desalinhamento pode tirar as engrenagens da sincronia. Se os benefícios andam de mãos dadas, o mesmo ocorre com as desvantagens: o exercício pode estressar o corpo, assim como a privação de sono. Exercitar-se com muita frequência ou com muita intensidade no final do dia pode ser um tiro pela culatra, dificultando o adormecimento ou a constância do sono.
Embora a maioria das pessoas não precise se preocupar muito com a maneira como sua rotina de exercícios possa afetar seu sono, quem sofre de insônia – insatisfação crônica com a qualidade ou quantidade do sono por pelo menos três noites por semana ao longo de três meses — é mais sensível.
“Pessoas com insônia tendem a ter um sistema de estresse hiperativo. Os estressores costumam ter uma resposta um pouco exagerada no corpo”, diz Christopher Kline, professor associado de saúde e desenvolvimento humano na Universidade de Pittsburgh. Pessoas com insônia muitas vezes não se recuperam tão bem das demandas físicas do exercício, acrescenta ele.
Mas há maneiras de se exercitar regularmente sem piorar os problemas de sono.
Por que os exercícios às vezes levam a um sono ruim
Quando você termina um treino exaustivo, acha que vai cair no sono assim que puser a cabeça no travesseiro. Mas “não é assim que funciona”, informa Kelly Baron, psicóloga clínica e diretora do programa de medicina comportamental do sono na Universidade de Utah.
Ela continua: “Claro, às vezes você pode se sentir muito cansado fisicamente depois dos exercícios, mas isso não significa que você necessariamente vá dormir melhor”.
Os benefícios indutores do sono geralmente vêm de atividades aeróbicas moderadas, como caminhar, correr ou andar de bicicleta. Mas exercícios de alta intensidade, como uma meia maratona ou uma sessão de HIIT vigorosa, podem ter o efeito oposto: sono ruim, especialmente dificuldade para adormecer.
“Trabalho com atletas de elite há anos”, conta Kevin Morgan, ex-diretor da unidade de pesquisa clínica do sono da Universidade de Loughborough, na Inglaterra. “Se houvesse uma relação simples entre atividade vigorosa, gasto de energia e sono, eles dormiriam como bebês. Mas não dormem. Eles dormem muito mal”.
Os exercícios elevam temporariamente a frequência cardíaca, a pressão arterial e a temperatura corporal, fatores que são contraproducentes ao sono. Outra possível causa é a elevação do cortisol, o hormônio do estresse do corpo. Enquanto a maioria dos exercícios reduz o cortisol, exercícios aeróbicos prolongados ou de alta intensidade podem aumentá-lo.
Além disso, dores musculares e espasmos mioclônicos – espasmos repentinos dos músculos sobrecarregados – podem deixar o corpo inquieto, lembra Morgan. “Treinar dói”, acrescentou ele.
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Quanto (e quando) também faz diferença
Não há dúvida de que os exercícios são geralmente bons para o sono. “Pessoas que se exercitam por uma hora obtêm um benefício maior do que aquelas que se exercitam por 30 minutos”, informa Kelly. Mas cuidado para não exagerar. “Mais é melhor – até certo ponto”, acrescenta ela.
O sono perturbado é um dos principais sintomas do overtraining [ou excesso de treino], quando sua carga de treino é maior do que sua capacidade de recuperação, conta Kline. Por exemplo, mais de seis sessões intensas por semana podem levar à dificuldade para adormecer, de acordo com um estudo de 2021. Outro estudo descobriu que níveis muito altos ou muito baixos de exercícios aumentam o risco de insônia para alguns indivíduos, especialmente para aqueles cuja principal atividade física vem de empregos exigentes.
Embora o frequentador médio de academia não corra risco de overtraining, uma grande mudança no regime de exercícios – como se preparar para uma maratona ou aulas diárias de bootcamp – pode agravar a insônia, esclarece Cheri D. Mah, médica do sono e palestrante do Stanford Sleep Medicine Center. “É preciso avaliar a intensidade, a frequência e o nível do exercício”, disse ela.
O horário também faz diferença. Um estudo de 2022 descobriu que qualquer atividade física depois das 20h fazia com que as pessoas dormissem menos, enquanto outro estudo mostra que exercícios intensos que terminam uma hora antes de dormir podem atrapalhar o sono. Treinos noturnos não afetam negativamente toda e qualquer pessoa com insônia, pondera Kline, mas pessoas com o transtorno correm maior risco do que pessoas sem problemas de sono.
Como adaptar os exercícios para dormir melhor
Embora os pesquisadores não tenham determinado definitivamente a rotina de exercícios ideal para melhorar o sono, uma meta-análise de 2024 sugeriu exercícios aeróbicos moderados combinados com treinamento de força leve, práticas que trabalham mente-corpo (como ioga ou tai chi) e tratamento tradicional para insônia.
Kline também recomenda que pessoas com insônia se exercitem no mesmo horário todos os dias. “A rotina é a guardiã do bom sono”, concorda Morgan. “Ela mantém o ritmo circadiano”.
Também é importante tomar cuidado com a intensidade e o horário, prestar atenção à dor e ao desconforto e encontrar o equilíbrio certo. Se o exercício noturno deixa você agitado, mude para as manhãs ou as tardes.
Se a noite for seu único tempo livre, tente sessões mais curtas e diminua a intensidade.
Acima de tudo, encontre um ritmo. Pode levar semanas e meses para que um hábito de exercício se traduza em sono melhor, e os efeitos de curto prazo podem ser bem pequenos, alerta Kelly. Depois que você estabelece uma rotina que funciona, as engrenagens começam a girar: você vai dormir melhor depois da atividade física e seus treinos vão parecer mais fáceis. Como diz Morgan, “os exercícios são uma dádiva com efeitos duradouros”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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