Como seguir amamentando após o fim da licença-maternidade? Veja dicas

Somente 271 empresas no Brasil têm sala para extração do leite; nesta Semana Mundial de Aleitamento Materno, ideia é promover o debate sobre esse assunto

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Por Gabriela Malta

AGÊNCIA EINSTEIN – “Até quando esse bebê vai mamar?” e “seu leite não serve mais para nada”. Essas foram algumas das frases que a técnica em ressonância magnética Grasiele Maciel, 36 anos, ouviu ao voltar a trabalhar e seguir amamentando a filha Marina, que, na época, tinha apenas cinco meses de vida. Como ela ficava por volta de 12 horas fora de casa se dividindo em dois trabalhos, enfrentou muita dificuldade – e preconceitos – para fazer a ordenha do leite que era servido para sua filha na sua ausência.

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Ela recorda que não tinha colegas de trabalho nem amigas que amamentavam e, por isso, buscou orientação como uma consultora da amamentação. “Sabia que seria um perrengue, mas eu queria insistir. Decidi procurar ajuda com uma consultora e consegui”, conta Maciel, que amamentou a filha até dois anos e cinco meses.

Assim como ela, muitas mulheres enfrentam dificuldades para seguir amamentando após o fim da curta licença-maternidade. Enquanto a indicação é iniciar a introdução alimentar apenas após o sexto mês do bebê, as mães precisam retornar ao trabalho quando seus filhos ainda estão em aleitamento materno exclusivo.

É sobre esse importante assunto que será tratado na Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM) deste ano, que acontece entre 1 e 7 de agosto. Com o slogan “Possibilitando a amamentação: fazendo a diferença para mães e pais que trabalham”, a ideia é promover debates sobre trabalho e parentalidade, a importância da licença remunerada e a necessidade do suporte no local de trabalho para a mulher que amamenta. Atualmente, segundo o Ministério da Saúde, apenas 271 empresas têm sala de amamentação para que as funcionárias possam fazer a coleta e armazenamento do leite.

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“Antes de mim, ninguém tinha feito isso antes, nem no hospital nem na clínica em que trabalhava, então não tinha local apropriado para tirar o leite e para guardar. Usava um pequeno espaço no frigobar. Depois de mim, algumas mulheres se engajaram a fazer igual, então fui suporte e apoio para muitas mulheres, e isso me motivava”, conta a mãe de Marina.

Extração do leite no banheiro

Assim como ela, a assistente administrativa Renata, que pediu para não ter seu nome completo divulgado, teve que improvisar a extração do leite no banheiro ou no corredor do trabalho. Ela conta que voltou a trabalhar quando seu filho tinha apenas cinco meses e só tomava leite materno. “Saio de casa às 6h30 e volto às 18h. Desde a gestação, sabia que queria seguir amamentando e, se não fosse possível fazer a ordenha, eu não continuaria trabalhando”, conta.

Para Renata, informação e persistência foram essenciais durante o processo. “Eu não sabia se meus patrões iriam aceitar eu me ausentar durante alguns momentos para extrair o leite. Minha rotina era extrair o leite três ou quatro vezes por dia, todos os dias. Fazia uma ordenha de madrugada e outras três durante o trabalho. Se minha chefe estava disponível para me cobrir durante minha ausência, eu ia ao banheiro e tirava lá o leite. Se eu estivesse sozinha, eu tirava no corredor onde ninguém me via. Se chegasse alguém para atender, eu parava, colocava a minha roupa certinha e ia atender como se nada tivesse acontecendo”, diz.

O uso do banheiro não é aconselhável e, por questões de higiene, o leite deveria ser descartado. Deveria ser feita apenas uma extração de alívio para evitar ductos entupidos e mastite (inflamação nas mamas) da lactante. “A recomendação é desprezar esse leite, mas diante da falta de opções nas empresas, alguns pediatras permitem desde que a lactante tome alguns cuidados importantes de higiene”, explica Gabriela Bonente, pediatra e intensivista pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein.

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Outra dificuldade, conta a assistente administrativa, foi também sobre como armazenar o leite. “A gente não tem geladeira no escritório, então eu tive que improvisar com caixas térmicas. Durante 13 meses, extrai leite para meu filho e carreguei três caixas de isopor. Umas ficavam no escritório e a outra eu trazia uma para casa com o leite extraído”, recorda.

Hoje, com o filho com um ano e oito meses de idade, ela segue amamentando quando está em casa, mas não precisa mais extrair leite. “No começo, ele bebia muito leite. Depois, com o tempo, foi diminuindo a quantidade de potes que ele tomava, porque ele começou a introdução alimentar e tal. Mas a gente continua a amamentação em livre demanda quando estou em casa. E foi muito gratificante, meu bebê quase não ficou doente. Vamos colher os benefícios desse esforço por muito tempo ainda”, diz.

Como seguir amamentando após a volta ao trabalho?

A enfermeira especializada em lactação, Olga Carpi, explica que o planejamento é essencial para as mães seguirem amamentando durante o trabalho. Ela diz que é preciso saber por quanto tempo a mãe vai ficar fora de casa, onde a criança vai ficar nesse período, se é possível voltar para amamentar na hora do almoço, etc.

“Uma vez que ela consegue mapear como vai ser esse período, ela precisa iniciar um processo de super estímulo da sua mama. Quanto mais essa mulher estimular a mama, drenando o leite, mais leite o corpo dela vai produzir, que vai formar o estoque de leite para a criança consumir na sua ausência. É o que eu chamo de rotina de extração”, diz.

Esse estímulo para produção extra de leite pode ser feito enquanto a criança está mamando, ou seja, enquanto a criança mama em uma mama, a bomba de leite extrai leite da outra, ou a mãe pode fazer a ordenha após a mamada. Quando a criança termina de mamar, a bomba segue extraindo leite ali.

Amamentar o bebê e, ao mesmo tempo, extrair leite, é uma estratégia capaz de aumentar a produção do alimento. Foto: Freepik

“Recomendo para as mulheres, desde que não tenham nenhuma condição fisiológica de baixa produção de leite, que entre 30 e 40 dias antes de voltarem ao trabalho, escolham alguns horários ao longo do dia para fazer esse estímulo, como se fosse uma academia”, explica Carpi.

O leite deve ser armazenado em recipientes com boa vedação, como potes de vidro e tampas de plástico. A enfermeira explica que existem também sacos plásticos próprios para armazenamento de leite materno, mas eles não podem ser reutilizados como os potes de vidro, o que acaba sendo mais caro para a lactante e mais nocivo ao meio ambiente.

Segundo o Ministério da Saúde, o leite humano pode ser armazenado na geladeira por até doze horas e, no congelador, por até 15 dias. Carpi explica que outros países adotam outros protocolos de armazenamento, que podem ser adotados pelas famílias em conjunto com orientação profissional.

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Para ser ofertado à criança, o leite deve ser descongelado em ambiente de geladeira e não no micro-ondas. E, para ser aquecido, deve ser usado sempre o banho-maria. “O micro-ondas pode alterar estruturas importantes do leite materno, como propriedades imunológicas”, explica a pediatra do Einstein.

Formas seguras de servir o leite materno

Preferencialmente, o leite materno deve ser oferecido para a criança em copos abertos, xícaras ou colheres. “A gente vê muita gente utilizando copo de shot (doses) porque tem a boca pequena e é mais fácil encostar no lábio do bebê, mas pode ser feito com qualquer xícara ou copo aberto”, explica Carpi. Em alguns casos, o bebê vai se adaptar melhor com copos do tipo 360.

As especialistas em lactação recomendam evitar o uso de mamadeiras, pois, por possuírem bicos que invadem a gengiva do bebê, podem modificar o padrão de sucção na mama e o bebê desaprende a mamar no seio. Carpi explica que nem sempre o bebê vai se adaptar rapidamente às novas formas de oferta do leite materno e, por isso, é preciso ‘treinar’ o bebê para receber o leite materno de outras formas. “Ofereça no mesmo dispositivo duas ou três vezes por dia, quando o bebê não estiver com muita fome nem muito cansado”, recomenda Carpi.

É preciso ter paciência para que essa aceitação ocorra e que toda a rede de apoio esteja engajada. O filho da professora de arte, produtora cultural e atriz Mari Sena, 37 anos, entrou na escolinha quando tinha apenas quatro meses e mamava exclusivamente no peito.

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Antes de voltar ao trabalho, ela começou a fazer as extrações de leite para doação aos bancos de leite humano. Além do desejo de ajudar outras famílias, ela queria se acostumar com a rotina de extração e a usar a bombinha. Ela contou com a compreensão tanto das pessoas que trabalhavam com ela e entendiam a necessidade das pausas quanto dos funcionários da escola do filho.

“Em casa, oferecemos um copinho aberto de plástico. Mas, na escola, era muito demorado e eles foram bem compreensivos, mas não podiam ficar por conta dele. Então testamos o copo 360 e foi a melhor opção porque ele segurava o copo sozinho e não derramava. Mas até chegarmos ali, foi um período de muita ansiedade”, diz.

Para seguir amamentando, as mães trabalhadoras precisam não somente de uma legislação que garanta seus direitos e os de seus filhos, mas também de uma rede de apoio e gestores no trabalho engajados em garantir condições que possibilitem a amamentação.

“Eu sempre digo que, se amamentar é resistência, amamentar trabalhando é revolução”, diz Carpi.

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Benefícios do leite materno

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os bebês sejam alimentados exclusivamente com leite materno até os seis meses de idade. E que, mesmo após a introdução de outros alimentos, sigam sendo amamentados até, pelo menos, os dois anos de idade ou mais.

O leite materno é o melhor alimento para o bebê, por ser totalmente adaptado às suas necessidades nos primeiros anos de vida. Além de conter todos os nutrientes de que a criança precisa, é o único alimento que contém anticorpos e outras substâncias que protegem de infecções comuns, como diarreias e infecções respiratórias.

“A proteína presente no leite materno é de digestão mais fácil e o risco de dar alergia na criança é muito pequeno, diferente do leite de vaca ou da fórmula. Além disso, existem receptores na região do mamilo que entram em contato com a criança e conseguem interpretar as necessidades daquela criança naquele momento”, diz Bonente.

“Esse mecanismo de transmissão entre bebê e mãe ainda é pouco entendido e explicado pelos médicos, mas esses receptores conseguem fazer uma leitura do que o bebê está precisando. Hoje, por exemplo, esse bebê precisa de mais calorias ou de mais água, se ele está doente, se está mamando menos. A produção do leite se adapta a essas diferentes necessidades”, completa.

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“Depois dos primeiros seis meses até o primeiro ano, outros alimentos entram como principais fontes nutricionais, pensando em calorias e nutrientes, mas o leite materno continua sendo importante até, pelo menos, os dois anos de idade da criança. Existem vários estudos que mostram que o leite materno ajuda na imunidade da criança, no desenvolvimento da face, melhora a qualidade da fala e diminui infecções respiratórias”, comenta Bonente.

Direitos trabalhistas da lactante

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante que toda criança tem direito ao aleitamento materno e as mães têm o direito de amamentar seus filhos. Estar no mercado de trabalho, no entanto, não deveria impedir a mulher de amamentar.

O artigo 396 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê que após o retorno da licença maternidade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a dois descansos de meia hora cada um para amamentar o bebê ou fazer a ordenha. Esse direito é garantido até o bebê completar seis meses de vida.

A CLT também prevê que estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 mulheres devem ter local apropriado para funcionárias deixarem seus filhos durante o período de amamentação. A exigência pode ser suprida por meio de creches distritais mantidas diretamente ou mediante convênios, entre outras opções.

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Já o artigo 400 da CLT enumera os locais considerados apropriados à guarda dos filhos das empregadas: “os locais destinados à guarda dos filhos das operárias, durante o período da amamentação, deverão possuir, no mínimo, um berçário, uma saleta de amamentação, uma cozinha dietética e uma instalação sanitária.”

Segundo Ana Lucia Dias, advogada especialista em direito das mães, há um contrassenso na legislação brasileira: “A lei não foi feita para proteger as mulheres e mães. Os artigos 389 e 400 da CLT são aplicados apenas em grandes empresas. Se as empresas e estabelecimentos tiverem 29 funcionárias mulheres acima de 16 anos, ela não precisa oferecer ambiente adequado para amamentação. Além disso, o direito ao aleitamento materno é um direito da criança que é a prioridade absoluta no ordenamento jurídico e precisa ser reconhecido”.

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