Consumo de alimentos ultraprocessados eleva o risco de declínio cognitivo e AVC; saiba os motivos

Uma dieta equilibrada é um dos pilares para a manutenção da saúde cerebral; na contramão, consumo excessivo de itens pouco nutritivos prejudica o sistema nervoso

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Foto do author Emanuele Almeida
Atualização:

Um estudo recente, publicado na edição online da revista científica Neurology, da Academia Americana de Neurologia, aponta que o consumo elevado de alimentos ultraprocessados pode aumentar o risco de perda cognitiva e acidente vascular cerebral (AVC), o popular derrame.

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Para o trabalho, os pesquisadores analisaram mais de 30 mil pessoas com 45 anos ou mais e sem histórico de comprometimento cognitivo ou AVC. Elas foram acompanhadas, em média, por 11 anos. Durante esse período, os participantes preencheram questionários sobre seus hábitos alimentares e, com base nessas informações, os cientistas formaram quatro grupos correspondentes ao percentual de participação dos alimentos ultraprocessados na rotina. Uma parte dos voluntários foi analisada em termos de declínio cognitivo, enquanto a análise da outra parcela focou na ocorrência do derrame.

Os alimentos ultraprocessados, conforme descrito pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, são produtos prontos para consumo, elaborados a partir de uma vasta gama de ingredientes. São alimentos e bebidas que foram submetidos a métodos mais agressivos de alteração do produto in natura, além da adição de substâncias de uso industrial, como aromatizantes, corantes, conservantes, emulsificantes e outros aditivos. Aqui, entram as bebidas lácteas, barrinhas de cereais, macarrão instantâneo, sucos em pó, nuggets de frango, bolachas e biscoitos, por exemplo.

Alimentos ultraprocessados são aqueles prontos para consumo e produzidos com uma vasta gama de ingredientes, entre eles corantes, aromatizantes, emulsificantes e outros aditivos. Foto: anaumenko/Adobe Stock

Ao longo da pesquisa, 768 participantes foram diagnosticados com comprometimento cognitivo e 1.108 sofreram um AVC. Depois de ajustar diversos dados, os pesquisadores concluíram que um aumento de 10% na ingestão de itens ultraprocessados elevava em 16% o risco de perda cognitiva. O maior consumo desses produtos também foi ligado a uma probabilidade 8% mais alta de sofrer um derrame.

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Por outro lado, investir em itens naturais ou minimamente processados representou uma redução de 12% no risco de comprometimento cognitivo.

Cabe destacar que a pesquisa sugere uma associação, ou seja, não chegou a demonstrar uma relação direta de causa e efeito.

Impacto dos ultraprocessados na saúde cerebral

Há alguns mecanismos capazes de explicar a relação entre esse tipo de alimento e os prejuízos no cérebro. De acordo com Maria Fernanda Naufel, pós-doutora em nutrição e membro do Conselho Nacional de Nutrição, o consumo de produtos ultraprocessados prejudica a microbiota intestinal, conhecida como nosso “segundo cérebro”, já que existe uma relação direta entre esses órgãos. Essa via de comunicação é o que se chama de eixo intestino-cérebro.

“Esses produtos [os ultraprocessados] promovem uma disbiose intestinal, ou seja, um desequilíbrio dos micro-organismos que compõem a microbiota, favorecendo o aumento de bactérias que causam doenças”, descreve. O desequilíbrio nessa região intestinal acarreta em diversos problemas que impactam diretamente no desempenho cerebral.

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A nutricionista explica que a prevalência de bactérias patogênicas pode propiciar um estado de inflamação no trato gastrointestinal. “Se essa inflamação local for persistente, pode chegar a inflamar também o sistema nervoso central”, ensina.

Se a situação for constante, ou seja, com substâncias inflamatórias alcançando o cérebro com frequência, sobem os riscos de prejuízos cognitivos e até de transtornos como a ansiedade e a depressão.

“Na microbiota, ocorre a digestão dos nutrientes e a produção de neurotransmissores, como a serotonina. O consumo de ultraprocessados prejudica esses processos, afetando diretamente a qualidade do funcionamento cerebral”, acrescenta Maria Fernanda.

Por isso, Maria Fernanda enfatiza a importância do cuidado com a microbiota intestinal para a prevenção e tratamento de distúrbios neurológicos.

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Uma das medidas mais importantes nesse sentido é justamente focar em uma boa alimentação. Enquanto alimentos fermentados (como lácteos enriquecidos com probióticos) ajudam a povoar a microbiota com bactérias do bem, caprichar no consumo de fibras vindas de hortaliças, grãos, frutas e afins alimenta os micro-organismos que vivem por lá, colaborando para sua multiplicação.

O consumo frequente de ultraprocessados pode levar a um desequilíbrio na microbiota intestinal, o que resulta em repercussões negativas no cérebro. Foto: SewcreamStudio/Adobe Stock

Mas os malefícios dos ultraprocessados não se restringem à modificação da microbiota. Adalberto Studart, neurologista membro da Academia Brasileira de Neurologia, ressalta que esses produtos são ricos em sódio e gorduras, elementos que são os dois principais fatores de risco de doença vascular cerebral. “E casos de AVC podem agravar o declínio cognitiva”, alerta.

Segundo o neurologista, alimentos ultraprocessados aumentam a ocorrência de hipertensão arterial e, consequentemente, causam o espessamento das pequenas artérias cerebrais, dificultando o fluxo sanguíneo. Isso provoca o acúmulo de proteínas no cérebro que deveriam ser eliminadas. Esse é um dos mecanismos que levam, por exemplo, ao Alzheimer.

“Quando há o desenvolvimento de uma doença vascular cerebral, de certa forma você tem alterações celulares no tecido nervoso que dificultam a eliminação dessas proteínas. Então, é mais um motivo pelo qual essas doenças vasculares também pioram doenças degenerativas”, complementa Studart.

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Brasil e os ultraprocessados

No Brasil, cerca de 20% das calorias consumidas pela população entre 2017 e 2018 provêm de alimentos ultraprocessados, de acordo com a pesquisa do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens), baseada nas Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2008 a 2018.

O estudo indicou um aumento de 5,5% no consumo de ultraprocessados no País durante o período analisado, sinalizando uma tendência de crescimento nos próximos anos. A ingestão foi maior entre mulheres do que homens, e as regiões Sul e Sudeste apresentaram a maior prevalência desses alimentos na dieta, com consumidores a partir dos 10 anos de idade.

A pesquisa também mostrou que pessoas brancas com maior renda são as que mais consomem alimentos ultraprocessados. No entanto, os maiores aumentos de consumo foram observados em grupos anteriormente menos expostos a esses itens, como populações de menor renda, negras e indígenas, moradores de áreas rurais e habitantes das regiões Norte e Nordeste.

Para Maria Fernanda, a praticidade e a otimização do tempo são fatores que influenciam o aumento do consumo de ultraprocessados. Ela destaca que esses produtos são hiperpalatáveis, o que os torna ainda mais atraentes. “Hoje, o acesso a esses produtos é mais fácil do que no passado. Bebidas como refrigerantes e alimentos como salgadinhos e bolachas recheadas, que antes eram consumidos ocasionalmente, hoje são comuns desde a infância”, conclui Maria Fernanda.

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Studart complementa dizendo que o consumo de ultraprocessados é mais barato, o que faz diferença sobretudo para famílias de baixa renda, principalmente em grandes centros urbanos. Para ele, produtos altamente processados são a principal fonte de alimentação de crianças e adolescentes que crescem sem entender os malefícios desses alimentos.

O neurologista observa que, em regiões subdesenvolvidas, onde a renda é mais baixa e há grande penetração dos produtos ultraprocessados na rotina familiar, os diagnósticos de demência vêm aumentando exponencialmente. Por outro lado, novos dados indicam a estagnação desses casos em países desenvolvidos.

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