Contra o coronavírus, Estados planejam atendimento domiciliar e suspensão de cirurgias

Medida é considerada 'extrema', mas está em planos de contingência para o caso de agravamento da crise; governadores do Sudeste vão pedir ajuda federal. São Paulo tem dois casos confirmados da doença e País tem outros 252 suspeitos

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SÃO PAULO - A chegada ao País do novo coronavírus, que teve seu segundo caso confirmado em São Paulo neste sábado, 29, colocou a estrutura de saúde brasileira no nível “perigo iminente”, um estágio abaixo do limite para a declaração de emergência por circulação por contaminação interna da doença no País. Com 252 pacientes sob investigação em 15 Estados, mais o Distrito Federal, as secretarias estaduais de Saúde se preparam para enfrentar um eventual agravamento do quadro, planejando atendimento domiciliar e até a suspensão de tratamentos e cirurgias agendadas para a liberação eventual de leitos na rede hospitalar.

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“Esse cancelamento de procedimentos eletivos é uma possibilidade extrema, sempre cogitada quando há muitos casos de urgência, seja dentro de uma situação de emergência de saúde pública ou não”, explica o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Alberto Beltrame, secretário de Saúde do Pará. “Isso só ocorrerá se houver uma sobrecarga de casos graves, coisa que, neste momento, não há como estimar. Neste momento não há motivação para este tipo de medida.”

Com a maior concentração de casos suspeitos no País, o Estado de São Paulo tem 136 pacientes em avaliação, de acordo com levantamento disponível no site do Ministério da Saúde. De acordo com o governador João Doria (PSDB), o Estado “vai investir R$ 30 milhões em um programa de prevenção do coronavírus”, dos quais R$ 14 milhões serão destinados a uma campanha de conscientização a ser veiculada em meios de comunicação e redes sociais. A ação será iniciada na próxima semana. “Os R$ 16 milhões restantes serão utilizados para apoio operacional da Secretaria de Estado da Saúde”, informou.

O segundo colocado com maior concentração de casos suspeitos é o Rio Grande do Sul, com 27 pacientes em observação. São pessoas que tiveram viagem para a Europa e, no retorno ao Brasil, apresentaram febre e sintomas respiratórios. Ainda de acordo com as autoridades gaúchas, não há investimento em equipes para atendimento domiciliar.

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Governadores do Sul e Sudeste devem pedir ajuda do Ministério da Saúde para o enfrentamento ao novo coronavírus, como mostrou o Estado neste sábado. De acordo com Beltrame, o pedido seria de R$ 1 bilhão e a ideia é usar o recurso para custear a instalação de leitos de UTI para atendimento de pacientes da nova doença.

Passageiras de voo que partiu da Itália e pousou em Guarulhos optaram pelo uso de máscaras Foto: R?MULO MAGALHÃES/FUTURA PRESS

Custos

Em Minas, porém, que contava 17 pacientes sob suspeita no sábado, as equipes técnicas do setor incluíram em seu Plano de Contingência a criação de times médicos e de enfermagem com até sete profissionais, incluindo um motorista, para atendimento de pacientes contaminados em casa. Pelo plano mineiro, cada uma dessas equipes extras teria um custo semanal de R$ 39 mil. “São necessários um coordenador médico; um coordenador de enfermagem; um médico plantonista por turno de 6 ou 12 horas; um enfermeiro plantonista por turno de 12 horas; um técnico em enfermagem plantonista por turno de 12 horas; um técnico de enfermagem para transporte na ambulância; e um motorista”, prevê o documento mineiro.

De acordo com o material enviado ao Ministério da Saúde, a “constituição de equipe de AD para funcionamento de 12 horas diárias todos os dias da semana” , sem o motorista, ficaria em R$ 30 mil, mais R$ 9,3 mil para remuneração de dois coordenadores, um médico e um enfermeiro. O plano do governo mineiro prevê ainda, no nível 3, com cenário agravado, a criação de um “hospital de campanha”. Para cada 15 leitos extras, segundo o documento, o plano prevê 18 profissionais, 6 deles médicos. Além disso, o documento mineiro estabelece uma lista de materiais como aparelho de pressão arterial, estetoscópio, máscaras N-95, máscaras cirúrgicas, termômetros, luvas, óculos de proteção, lanternas, kits para coleta de amostras, álcool, capotes e sacos plásticos para material infectado, além de formulários e receituários.

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A preocupação com a presença do novo vírus cresceu também na Bahia, com nove casos suspeitos e quatro descartados. No início de fevereiro, durante a reunião do Conass em Brasília, que tratou dos planos de contingência, o secretário de Saúde, Fábio Vilas-Boas, defendeu que o repasse de recursos adicionais aos estados fosse na casa dos R$ 600 milhões para a intensificação do plano de emergência de vigilância sanitária no País.

Planejamento

“Como todo Plano de Contingência, são traçados vários cenários e temos de pensar em tudo, desde uma situação mais leve até situações mais críticas”, explica o presidente do Conass, comentando as medidas previstas nos planos estaduais. De acordo com Beltrame, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, “já adiantou a intenção de colocar mil UTIs extras no sistema, ou seja, mil conjuntos de equipamentos para reforçar o sistema, em caso de necessidade”.

Beltrame voltou a destacar que, embora o País não esteja vivendo uma situação de epidemia, o governo federal garantiu que repassaria os recursos necessários para o custeio. “O ministro não disse quanto. Mas estamos confiantes. Tenho dito que o Brasil tem uma vantagem em relação a maior parte dos demais países. Temos o SUS (Sistema Único de Saúde). Isso nos dá a articulação necessária entre todos os gestores para enfrentar uma situação de Emergência em Saúde Pública. Nos reunimos regularmente uma vez por mês. O SUS tem outra vantagem - gratuidade e universalidade do atendimento. Isso vale para todos. Atende a todos. Envolve inclusive a rede privada, que adota os mesmo critérios de vigilância, prevenção e eventual tratamento dos casos”, argumenta.

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Vigilância

Beltrame conta que, no Pará, onde é secretário de Saúde, foi criado um comitê técnico, em 28 de janeiro. “Estamos trabalhando integradamente há um mês, preparando o sistema para dar respostas rápidas, eficientes e eficazes para uma eventual epidemia”, afirma. Ele lembra que além do aeroporto de Belém, “o Estado tem um porto importante, em Barcarena, por onde chegam navios para buscar minério”.

O secretário afirma ainda que há um acordo com a Vigilância Sanitária para que, na chegada dos navios, uma equipe vá a bordo para obter o diário da embarcação e ter acesso ao relatório médico da tripulação. “Assim, podemos preparar atendimento sem a necessidade de impedir qualquer desembarque. Não há restrição, mas acompanhamos tudo”, diz.

Beltrame recorda que, em seu Estado, foram identificados um homem e uma mulher, que chegaram da Itália e viajaram no mesmo voo do primeiro paciente de São Paulo com o coronavírus. “Estão sendo monitorados, por telefone, estão bem, sem sintomas, em casa”, revela.

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Cirurgias

No Rio de Janeiro, as autoridades também desenharam um mapa da situação de cada uma das unidades hospitalares, número de leitos, localização e situação, classificando as situações por Nível Zero, 1, 2, 3 (contingência máxima). No caso de um agravamento rápido do quadro, instituições de saúde como o Hospital Anchieta contam com 60 leitos em fase de contratação. Nos Hospitais Municipal Ronaldo Gazolla, dos Servidores do Estado, Hospital da Lagoa e Hospital Alberto Torres, segundo o Plano de Contingência, pode haver “suspensão de cirurgias” programadas.

Na sexta-feira, 28, o secretário de Saúde do Rio, Edmar Santos, anunciou que o governo fluminense vai inaugurar, dentro de 30 ou 40 dias, um hospital com 75 leitos que poderão ser dedicados exclusivamente às vítimas do Covid-19. Ele não detalhou, no entanto, onde será a nova unidade. O Rio é o terceiro Estado em número de casos suspeitos, são 19.

O mapeamento do sistema ocorre também no Ceará. O Estado tem 145 hospitais com 1.475 respiradores e ventiladores, sendo 1.337 aparelhos em uso. A maior concentração de leitos e equipamentos está nas 44 unidades da capital, Fortaleza, mas o Estado tem uma rede com capacidade de 53 centros médicos nos quais há 110 leitos para isolamento de pacientes, 93 deles no SUS.

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A orientação para as equipes médicas cearenses é a de que casos graves de infecção sigam para isolamento nos seguintes hospitais: São José de Doenças Infecciosas, de Fortaleza; Hospital Regional Norte, de Sobral; Hospital Regional do Sertão Central, de Quixeramobim; e Hospital Regional do Cariri, em Juazeiro do Norte.

Em Goiás, há cinco casos suspeitos. Já em Mato Grosso, um dos que não registram nem suspeitas da doença, o governo informou, em nota, que a estrutura hospitalar permanece em alerta, com o Hospital Universitário Júlio Müller como referência e com uma unidade de retaguarda, que é o Hospital Estadual Santa Casa.

Especialistas aprovam, mas incentivam também mudança de hábitos

Infectologistas ouvidos pelo Estado disseram que as ações dos planos de contingência dos Estados precisam levar em consideração os erros e acertos da estratégia adotada na China para conter o avanço do vírus. Epicentro da epidemia, algumas decisões adotadas pelas autoridades chinesas podem ter contribuído para a exaustão do sistema de saúde e a sensação de pânico na população.

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Para os especialistas, o atendimento domiciliar previsto por alguns Estados é uma ótima opção para os casos de menor gravidade, poupa recursos financeiros e libera os leitos e recursos médicos para quadros mais graves - incluindo o de outras doenças. “Na China, parece ter havido a intenção de internar todos os casos suspeitos e confirmados e isso levou ao colapso do sistema, sem que conseguissem atender a toda a demanda. E ainda trouxe problemas para outros tratamentos de saúde. Por ser uma situação inédita, pensou-se que essa era a melhor opção”, avalia Francisco de Oliveira Junior, médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Com as informações adquiridas atualmente sobre o impacto do vírus, se sabe que a maior parte das pessoas apresenta sintomas leves e sem complicações, podendo ser tratada em casa. Por isso, os especialistas avaliam como acertada a estratégia de atendimento domiciliar. No entanto, destacam que é preciso pensar em duas etapas para esse formato, com monitoramento ativo e passivo dos pacientes, de acordo com o total de casos confirmados.

Monitoramento ativo é o que tem ocorrido até esse momento no País, com as secretarias de Saúde ligando e visitando as pessoas com suspeita de terem contraído o coronavírus. Também é o que tem ocorrido com os dois casos confirmados da doença, de viajantes de São Paulo que contraíram o vírus na Itália  - ambos são acompanhados.

“Ligar periodicamente, perguntando se a pessoa melhorou ou piorou, perguntar sobre a temperatura e se houve algum novo sintoma, é muito eficaz. Mas pode não ser viável e sustentável se o número de contaminados foi muito alto”, diz Oliveira Junior. Nesse caso, segundo ele, pode ser criada uma central de atendimento para orientar a população e colher informações sobre o estado de saúde delas.

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O infectologista Jean Gorinchteyn lembra que o atendimento domiciliar também pode aproveitar a estrutura e a experiência das equipes já existentes do programa de Saúde da Família. “É possível utilizar as equipes que já estão implementadas em determinadas cidades ou regiões dos grandes centros. Assim, as pessoas evitam grandes deslocamentos para os hospitais sem ficar negligenciadas.”

Outro ponto que os especialistas destacam dos planos de contingência são as campanhas de prevenção. Para os infectologistas, elas são uma das ações mais importantes no controle do coronavírus e também de outras doenças. “Temos uma oportunidade importante de introduzir novos hábitos à população e assim prevenir outros tipos de doença no futuro”, diz Oliveira Júnior.

Para Gorinchteyn, no entanto, é importante que as campanhas não foquem apenas em ações educativas e propagandas, mas também em um esforço mais ativo para induzir a mudança de hábitos na população. “Seria interessante se ônibus e vagões do metrô tivessem dispensadores de álcool em gel nas portas. É uma prática importante para um ambiente de grande aglomeração e baixa circulação de ar. Na época do H1N1, práticas parecidas foram adotadas por restaurantes e lanchonetes e perduram até hoje e viraram rotina para muitas pessoas.” / COLABOROU ISABELA PALHARES