Correr depois dos 40 anos pode prejudicar as articulações, segundo especialista; entenda

De acordo com o ortopedista Gilberto Luis Camanho, o maior problema ortopédico hoje em dia é o desgaste do joelho. ‘Há uma defasagem grande’, diz

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Foto: WERTHER SANTANA
Entrevista comGilberto Luis CamanhoOrtopedista, professor titular de ortopedia e traumatologia da Universidade de São Paulo, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia, fundador da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho e coordenador dos Serviços de Ortopedia do Hospital do Coração

Não é difícil encontrar estudos que liguem a qualidade de vida de um indivíduo com a prática de esporte ou atividade física. No entanto, sua execução errônea pode ser justamente a razão de acabar com esse bem-estar. Uma das partes do corpo mais propensas a ter problemas complexos – justamente por suportar a maior parte do peso do corpo – é o joelho.

O joelho é uma articulação completamente estável por ser uma conexão de dois ossos e por depender da musculatura em seu entorno para funcionar. Fortalecer essa musculatura é fundamental para evitar problemas relacionados a desgaste, lesões e artrose. Os exercícios de alto impacto, como a corrida e esportes radicais, são os mais prejudiciais. No entanto, aqueles que não geram uma sobrecarga na articulação fazem um benefício indireto na musculatura.

De acordo com o ortopedista Gilberto Luis Camanho, as pessoas não levam os problemas do joelho a sério. “Muita gente usa a corrida para emagrecer e isso acaba com a sua articulação”, declara.

Excesso de peso e histórico familiar com problemas no joelho são questões impeditivas, ou pelo menos de atenção na hora de optar pela corrida.

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Antes de qualquer atividade, independentemente de qual seja, o aquecimento de dez minutos é imprescindível, assim como o alongamento. Assim, você prepara os músculos e as articulações para a atividade que está por vir.

Maratonas são indicadas para todas as pessoas?

Muita gente usa a corrida para emagrecer e isso é uma grande besteira porque ela emagrece, mas acaba com a sua articulação. Quando falamos de maratona, então, é pior ainda, porque é uma prova absolutamente desaconselhável para qualquer pessoa que não tenha uma estrutura de corpo adequada. Pessoas normais, com peso e estruturas normais, fazem no máximo três vezes na vida, porque é um esforço muito grande. Se elas se propõem a fazer a corrida para satisfazer um sonho, causam lesões importantes na cartilagem.

Ou seja, existem condições físicas e genéticas que favorecem a corrida, mas se alguma pessoa quiser correr a maratona, quanto tempo é indicado de treino antes de realizar a prova?

Claro que existem pessoas excepcionais, mas de modo geral o preparo para uma para uma maratona cobre três aspectos. O cardiorrespiratório que é o coração e o pulmão; o motor que são as pernas e o psíquico. Você vai ficar 42 km pensando em quê? Então, na minha opinião, pelo menos um ano para que um corredor habitual corra uma maratona.

Mas e uma corrida esporádica?

Se você fizer alguma coisa dosada de 6km, 8 km, duas ou três vezes por semana, e tiver um perfil de pessoa magra, com musculatura boa, e bom processo respiratório, você vai correr muito, e passar dos 50 anos correndo sem ter problemas.

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De acordo com um novo estudo realizado na Universidade de British Columbia, em Kelowna, no Canadá, a cartilagem do joelho se achata imediatamente após uma corrida, mas depois volta à forma em poucas horas. Isso não ajudaria no fortalecimento do joelho, então?

Na nossa experiência com o mundo esportivo, vemos que a atividade física, especialmente as corridas, destroem as articulações. O fato de fazer um exercício com impacto contínuo e não muito prolongado aumenta a espessura da cartilagem em um primeiro momento, algo que você vê no raio-x. Mas isso piora a nutrição do tecido, o que custa um desgaste precoce maior dessa cartilagem. Ou seja, a mudança de tamanho não significa saúde; significa que ela inflou e que vai ter prejuízo de nutrição, levando depois a lesões condrais. É uma interpretação errônea feita da literatura, que não se aceita. Dizer que uma maratona faz bem é uma coisa muito pouco aceita.

Quais exercícios podem favorecer o joelho?

Os bons exercícios para o joelho são aqueles que não exigem carga, nem impacto. Então, por exemplo, o transport, que você não tira o pé do chão; o esqui, um dos melhores por mover as mãos e os pés em um circuito fechado, e a bicicleta, um ótimo exercício para desenvolver a musculatura sem provocar impacto no joelho.

Existe diferença entre exercícios indicados para os mais velhos e mais novos?

A cartilagem existe no membro inferior para amortecimento de carga. Um sistema espetacular, com um líquido ou um gel no qual as células vão formando uma trama, então é como se fosse uma tela que absorve a carga. Quanto mais jovem, maior a quantidade de líquido e melhor a função de absorção de carga. Com o passar dos anos, a nossa capacidade de reter essa água no organismo vai se perdendo, você vê isso nitidamente na pele. Na fase mais jovem, a corrida é um exercício excelente. Mas à medida que os anos vão passando, acima dos 40 anos, e principalmente mulheres quando entram na menopausa, existe um momento em que a cartilagem perde a sua capacidade de absorção de carga.

Caso eu tenha um histórico familiar com problema nos joelhos, há alguma maneira de preservá-los?

Existe um componente genético, sem dúvida nenhuma, não só nos joelhos, mas em todas as articulações. Então, se há uma tendência familiar a ter um desgaste no joelho mais precoce, existe a parte de impacto. Faça bicicleta, faça transport, exercícios na água porque isso significa que essa cartilagem é menos capaz de absorver carga.

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Outros exercícios, como por exemplo um futebol de final de semana, uma trilha, também podem ter um impacto forte ou, como são ocasionais, não precisam de tanta preocupação?

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Os exercícios, de forma geral, são altamente saudáveis desde que dosados, especialmente para o aparelho cardiorrespiratório, porque não adianta nada você ter uma boa articulação e morrer. A caminhada é sempre um bom exercício - e muito mais interessante do que a corrida. Ali você vai ter tempo para transferência da carga. Ou seja, você dá um passo, pisa com o calcanhar, transfere para o joelho, do joelho para o quadril e assim vai.

Qual a maior preocupação dos médicos hoje em relação aos joelhos?

Hoje em dia, estamos vivendo muito mais. Antes, a gente via uma senhora de 60 anos e ela estava sentada na cadeira fazendo tricô. Hoje, há provas para pessoas de 60 anos. As pessoas foram muito longe e não houve tempo, filogeneticamente, de as articulações se adaptarem a isso. Então, a artrose precoce é um símbolo da progressão. Existe uma defasagem muito grande entre a evolução de atividade física e a possibilidade de acompanhamento da cartilagem, que especificamente gasta mais. O osso também sofre, mas menos do que a cartilagem.

Quais os sinais de alerta de que o joelho não está bem?

As articulações não podem inchar nem aquecer. É um sinal importante. Mas de modo geral, se você tiver dor após a atividade física, ou seja, uma dor limitante, que você chega a mancar, ela não está sendo feita de forma adequada. Ou quando você tem dor durante a atividade física.

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