THE WASHINGTON POST – Um novo estudo, publicado recentemente na Plos One, mostrou que quase 85% dos 219 profissionais de saúde entrevistados relataram cutucar o nariz com frequências variadas – mensalmente, semanalmente ou diariamente. Desses, por volta de 17% contraíram o coronavírus, em comparação com cerca de 6% daqueles que disseram não ter o hábito. O risco era relativamente o mesmo para todos os “cutucadores” de nariz, disseram os pesquisadores, independentemente da frequência com que mexiam nessa parte do corpo.
Em 2020, os pesquisadores estudaram o aumento do risco de contrair o coronavírus entre os profissionais de saúde e queriam saber o que poderia ter levado a isso. Nesse estudo recente, eles decidiram observar comportamentos que conflitam com as diretrizes de saúde – usar barba, roer unhas e cutucar o nariz.
“Foi muito engraçado investigar”, disse Jonne J. Sikkens, especialista em medicina interna e epidemiologista clínico do Amsterdam University Medical Center, que liderou o estudo. Em uma nota mais séria, ele disse: “Foi surpreendente como isso pode afetar a transmissão”.
As descobertas não provam que aqueles que enfiam os dedos nas narinas têm maior probabilidade de contrair o coronavírus, mas que “precisamos estar mais atentos a isso no local de trabalho para evitar fazê-lo”, disse Sikkens.
Por dentro do nariz
Nosso nariz suga o ar e os micro-organismos que flutuam ali, o que faz dele um dos principais pontos de entrada de bactérias e vírus. Os cantos escuros e úmidos das cavidades nasais são um ambiente ideal para germes, como o coronavírus.
O coronavírus é transmitido principalmente por gotículas respiratórias e partículas inaladas. O vírus também pode pousar em superfícies ou rostos. Por isso, tocar nos olhos, na boca ou no nariz depois de encostar em partes do rosto ou em superfícies contaminadas aumenta o risco de introduzi-lo no corpo, dizem os especialistas.
“Faz sentido que tocar o nariz com as mãos – porque nossas mãos tocam tantas superfícies – seja uma forma de mover agentes infecciosos de uma superfície para outra, e de uma pessoa para outra”, disse Stuart Ray, professor de medicina em da divisão de doenças infecciosas da Universidade Johns Hopkins, que não participou do estudo.
A mucosa que reveste nossas cavidades nasais, no entanto, oferece proteção. A membrana é pegajosa, permitindo prender os patógenos para que o sistema imunológico possa atacá-los antes que comecem a se replicar, dizem os especialistas. Quando esse revestimento protetor é danificado, por exemplo, por cutucar o nariz, suas habilidades são comprometidas.
“Se você arranhar sua mucosa, o material que está preso nesse muco tem acesso à corrente sanguínea”, disse Ray.
Um estudo descobriu que os cutucadores de nariz eram significativamente mais propensos do que os não cutucadores a transportar infecção por estafilococos em suas passagens nasais.
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Por que é difícil parar de mexer no nariz
As pessoas tocam seus rostos por vários motivos, como para se comunicar e se acalmar. Algumas dessas ações podem ser involuntárias, como esfregar a testa, ou aprendidas, como roer as unhas, disse Zach Sikora, psicólogo clínico licenciado do Northwestern Medicine Regional Medical Group.
Durante a pandemia, pesquisas mostraram que até estudantes de medicina e odontologia tocavam o rosto. Um estudo mostrou que um grupo de estudantes de medicina tocou o rosto, em média, 23 vezes por hora – e 44% desses toques envolviam contato com olhos, boca ou nariz.
“Os humanos precisam se acalmar”, disse Joe Navarro, especialista em comunicação não-verbal e linguagem corporal e autor de “What Every Body is Saying”. “Não podemos simplesmente dizer ao cérebro para se acalmar; temos que fazê-lo fisicamente. Começa no útero com o auto-toque, com a sucção do dedo. E quando nos tornamos adultos, tocamos muito o nariz”.
O trigêmeo, ou quinto nervo craniano, transporta sinais sensoriais da face, incluindo mandíbula, pálpebras e nariz, até o tronco cerebral, permitindo que as pessoas sintam toque, temperatura e dor. Estimular o nervo pode ajudar a se acalmar, disse Navarro.
“Muitas pessoas que estão estressadas mordem o lábio, fecham os olhos com força ou tocam o nariz – a ponta do nariz, em particular”, disse ele.
Para conter a propagação da doença, médicos sugerem que as pessoas tentem manter as mãos longe do rosto. No entanto, pode ser difícil quebrar hábitos, e alguns recomendam que membros da família e amigos íntimos chamem discretamente a atenção para isso.
Tente substituir o toque no rosto por comportamentos menos arriscados – massageie a nuca, esfregue as mãos ou carregue uma bugiganga, como uma pedrinha ou uma chave, para mexer.
Ou implemente barreiras, como luvas ou máscaras, para dissuadir o toque no rosto.
“Se eu usar uma máscara, não poderei enfiar o dedo no nariz ou roer as unhas, que é o meu problema”, disse Scott C. Roberts, professor assistente de doenças infecciosas na Yale School of Medicine. “Mas é preciso descobrir o que funciona para cada um”.
Para aqueles que não podem deixar de tocar o rosto, os especialistas aconselham tomar precauções para reduzir o risco de contrair e transmitir doenças. Lave as mãos com frequência ou, em caso de emergência, use um gel desinfetante para as mãos para mantê-las limpas, principalmente na estação de resfriados e gripe.
Difícil isolar comportamentos
O estudo não mostra definitivamente que cutucar o nariz aumenta o risco de contrair o coronavírus. Com tais estudos, dizem os especialistas, é difícil isolar os comportamentos. Por exemplo: não se sabe se aqueles que negaram cutucar o nariz e permaneceram mais saudáveis eram mais cuidadosos em geral – ou seja, mais propensos a usar máscaras, lavar as mãos e se distanciar dos outros.
“Isso traz uma ideia interessante, mas não tenho certeza se podemos dizer definitivamente que esse é um fator de risco tão importante para pegar covid-19″, disse Jorge Salinas, epidemiologista hospitalar da Universidade de Stanford, que não participou do estudo.
Os pesquisadores também analisaram outros fatores de risco potenciais. Cerca de 33% dos entrevistados relataram roer as unhas e 31% dos homens disseram ter barba, o que pode interferir no ajuste adequado da máscara. Não houve associação significativa entre esses fatores e a incidência de covid, disseram os pesquisadores.
Por outro lado, usar óculos pode ter um pequeno efeito protetor, mas é uma evidência menos robusta, disse Ayesha Lavell, coautora do estudo e residente em medicina interna do Centro Médico da Universidade de Amsterdã.
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