A maioria das pessoas sabe que o que e quanto você come tem um papel importante na saúde. Mas os cientistas estão descobrindo que quando você come também pode fazer a diferença.
Estudos mostram que, para uma saúde ideal, é melhor consumir a maior parte das calorias no início do dia e não mais tarde – por exemplo, tomando um café da manhã farto, um almoço modesto e um jantar restrito.
Esse padrão de alimentação se alinha com nossos ritmos circadianos, o relógio inato de 24 horas que rege muitos aspectos de nossa saúde, desde nossas flutuações hormonais diárias e temperaturas corporais até nossos ciclos de sono e vigília.
Devido à maneira como nosso relógio interno funciona, nossos corpos estão preparados para digerir e metabolizar os alimentos no início do dia. À medida que o dia avança, nosso metabolismo se torna menos eficiente. Estudos mostram que uma refeição consumida às 9h pode ter efeitos metabólicos muito diferentes do que a mesma refeição consumida às 21h.
Esse campo de pesquisa emergente, conhecido como crononutrição, representa uma mudança de paradigma em como os pesquisadores de nutrição pensam a alimentação e a saúde. Em vez de se concentrar apenas em nutrientes e calorias, os cientistas estão cada vez mais observando o horário das refeições e descobrindo que isso pode ter efeitos marcantes no peso, no apetite, no risco de doenças crônicas e na capacidade do corpo de queimar e armazenar gordura.
“É uma coisa para que ninguém na nutrição tinha olhado até recentemente – sempre era o que você está comendo e qual é o conteúdo energético da sua comida, os carboidratos, proteínas e gorduras”, disse Marta Garaulet, professora de fisiologia e nutrição na Universidade de Murcia, na Espanha, que estuda o horário das refeições e seus efeitos na obesidade e no metabolismo.
No mundo agitado de hoje, é comum que as pessoas pulem o café da manhã e comam demais à noite, após um longo dia de trabalho. Os pesquisadores dizem que, sempre que possível, seria melhor fazer o contrário – ou pelo menos espaçar o jantar algumas horas antes da hora de dormir.
Marta Garaulet descobriu em sua pesquisa que, mesmo em sua terra natal, a Espanha, famosa por sua cultura de comer tarde, as pessoas que normalmente fazem um almoço robusto ao meio-dia e um jantar leve desenvolvem menos problemas metabólicos do que as pessoas que consomem muitas calorias à noite.
“Na Espanha, nossa principal refeição é no meio do dia, das 14h às 15h”, disse ela. “Nós comemos 35 a 40 por cento de nossas calorias no meio do dia. E, mesmo que jantemos tarde, não comemos muito.”
Saiba mais
Saúde metabólica
Quando você come suas refeições é apenas um dos muitos fatores dietéticos que podem influenciar sua saúde metabólica. E para algumas pessoas, como os trabalhadores noturnos, é impossível não consumir refeições tarde da noite.
Mas, para aquelas pessoas cujos horários permitem, a pesquisa sugere que pode ser benéfico fazer sua maior refeição do dia pela manhã ou à tarde, em vez de à noite.
Em um novo estudo publicado na Obesity Reviews, os cientistas analisaram dados de nove ensaios clínicos rigorosos envolvendo 485 adultos. Eles descobriram que as pessoas que foram designadas a seguir dietas nas quais consumiam a maior parte das calorias no início do dia perdiam mais peso do que as pessoas que faziam o contrário. Elas também tiveram melhorias maiores no açúcar do sangue, nos níveis de colesterol e na sensibilidade à insulina, um marcador de risco de diabete.
Em outro estudo publicado no Cell Metabolism em outubro, os cientistas recrutaram um grupo de adultos e examinaram o que acontecia quando eles seguiam uma dieta mais diurna por seis dias. A programação incluía café da manhã às 8h, almoço ao meio-dia e jantar às 16h.
Em uma ocasião separada, eles fizeram os mesmos participantes seguirem um cronograma de alimentação mais tardio, com cada refeição adiada em quatro horas por um período de seis dias. O estudo foi pequeno, mas rigidamente controlado, envolvendo 16 pessoas que foram monitoradas de perto e mantiveram um horário estrito de sono e vigília em um ambiente de laboratório.
Os pesquisadores descobriram que, apesar de comerem os mesmos alimentos e manterem os mesmos níveis de atividade física, os participantes se sentiam significativamente mais famintos quando seguiam o horário de comer mais tarde.
Uma olhada em seus níveis hormonais mostrou o porquê: comer mais tarde fez com que seus níveis de grelina, um hormônio que aumenta o apetite, aumentassem, ao mesmo tempo em que suprimiam seus níveis de leptina, um hormônio que causa saciedade.
O estudo descobriu que comer mais tarde fez com que os participantes queimassem menos gordura e menos calorias e forçassem suas células adiposas a armazenar mais gordura.
“Para nossa surpresa, descobrimos que todos os três mecanismos foram alterados de forma consistente na direção que promove o ganho de peso”, disse Frank Scheer, autor sênior do estudo e diretor do Programa de Cronobiologia Médica da Divisão de Distúrbios do Sono e do Ciclo Circadiano no Brigham and Women’s Hospital.
Outros estudos tiveram resultados semelhantes. Em um estudo randomizado na Johns Hopkins, os cientistas descobriram que adultos jovens saudáveis queimavam menos gordura e tinham um aumento de 20% nos níveis de açúcar no sangue quando jantavam às 22h em comparação com quando eles comiam o mesmo jantar às 18h.
“Está claro que o horário das refeições é importante – não apenas o que você come, mas quando você come”, disse Jonathan Jun, professor associado de medicina da Johns Hopkins e autor do estudo. “Comer tarde deixa você menos tolerante à glicose e também faz com que seu corpo queime menos gordura do que se você comesse a mesma comida mais cedo.”
Estratégias
Os cientistas que estudam o horário das refeições dizem que as seguintes estratégias podem ajudar você a otimizar sua saúde:
- Não pule o café da manhã. Marta Garaulet e seus colegas descobriram que pular a refeição matinal aumenta o risco de obesidade. As manhãs são quando nossos corpos estão preparados para metabolizar os alimentos. Se você geralmente não sente fome pela manhã, coma algo leve e, em seguida, faça um almoço farto. “Tente comer a maior parte das calorias durante a manhã ou à tarde, mas não à noite”, disse.
- Os carboidratos da manhã são melhores do que os do final do dia. Se você vai comer doces ou carboidratos simples, como pão, macarrão e doces, é melhor fazê-lo pela manhã ou no início da tarde, quando estamos mais sensíveis à insulina, disse Marta Garaulet.
- Tente jantar no início da noite. Comece movendo seu jantar para pelo menos uma hora antes do normal. Idealmente, você deve jantar duas a três horas antes de ir para a cama.
- Faça do jantar a menor refeição do dia. Mesmo que você não consiga jantar cedo, tente fazer do café da manhã e do almoço as maiores refeições do dia e do jantar, a menor. Se você se acostumou a comer um almoço pequeno e um jantar grandioso, troque a ordem. Você pode fazer do seu jantar uma refeição rica em vegetais para deixá-lo mais leve. “Tente transferir suas calorias para o café da manhã e o almoço”, disse Courtney Peterson, professora associada do departamento de ciências da nutrição da Universidade do Alabama em Birmingham.
- Tente controlar o horário das refeições pelo menos cinco dias por semana. Às vezes não é prático fazer um jantar menor ou mais cedo, e tudo bem. Em estudos, Peterson descobriu que as pessoas que comiam um jantar mais leve cinco dias por semana ainda obtinham benefícios, como melhor controle do açúcar no sangue e menos fadiga diária. “Não pense nisso como tudo ou nada”, disse Peterson. “Talvez em alguns dias você não consiga, porque vai comer fora com a família. Mas, em outros dias, você vai conseguir, e isso é ótimo. É importante que você faça o que é mais prático para você.”
Os cientistas descobriram vários mecanismos que explicam por que comer cedo é melhor para a saúde. Nossos corpos são mais capazes de secretar insulina, um hormônio que controla os níveis de açúcar no sangue, pela manhã.
Também tendemos a ser mais sensíveis à insulina no início do dia, o que significa que nossos músculos são mais capazes de absorver e utilizar a glicose da corrente sanguínea. Mas, conforme o dia avança, ficamos cada vez menos sensíveis à insulina. À noite, as células beta do pâncreas que produzem insulina se tornam mais lentas e menos responsivas às elevações de açúcar no sangue.
Outro fator importante é a lipase sensível a hormônios, uma enzima que libera gordura de nossas células adiposas. Essa enzima é tipicamente mais ativa à noite, então pode fornecer energia ao nosso corpo para manter nossos órgãos funcionando enquanto dormimos.
Mas Marta Garaulet descobriu que comer tarde da noite suprime essa enzima – essencialmente impedindo o corpo de queimar gordura. “Vemos uma grande diferença entre as pessoas que jantam, por exemplo, quatro horas antes de ir para a cama”, disse ela, “e aquelas que jantam cerca de uma hora antes de ir para a cama”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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