Covid-19: Nº de crianças de até dois anos hospitalizadas este ano é 21% maior do que em 2021

Levando em conta todas as faixas etárias, houve queda de 82% nas internações pelo vírus; alta na faixa etária mais nova expõe necessidade de ampliar cobertura vacinal

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Foto do author Fabiana Cambricoli
Foto do author Leon Ferrari
Atualização:

O número de crianças de até 2 anos internadas por covid-19 no País em 2022 já superou em 21,3% o total registrado no ano passado, contrariando a tendência de queda de hospitalizações nos demais grupos populacionais. A faixa etária dos bebês foi a única que ainda não teve acesso integral à vacina.

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Embora o imunizante da Pfizer tenha sido aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em setembro para a população a partir de 6 meses de idade, o Ministério da Saúde só liberou o uso do produto dois meses depois e restrito a crianças com comorbidades, decisão criticada por especialistas e sociedades médicas. Entre as comorbidades, estão diabete, hipertensão etc.

De janeiro até o início de dezembro, 11.144 bebês foram hospitalizados com covid, segundo dados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), do Ministério da Saúde, tabulados pelo Estadão. Em todo o ano passado, foram 9.181 registros. Já o total de hospitalizações no País, se considerados todos os grupos etários, caiu 82,6% - de 1,2 milhão em 2021 para 211,5 mil este ano.

O porcentual de internações na faixa do zero aos 2 anos, embora ainda seja minoritário, vem crescendo. Nos dois primeiros anos da pandemia, as hospitalizações de bebês por covid representaram menos de 1% do total. Neste ano, já superam os 5%.

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As faixas etárias de zero a 2 anos e de 3 a 4 anos foram as únicas que tiveram aumento de hospitalizações no período analisado. No segundo grupo, a alta foi de 13,2%. Do total de crianças de 2 anos ou menos hospitalizadas pela doença, só 18,6% tinham algum fator de risco registrado no sistema do ministério, o que reforça a necessidade de imunização também para crianças sem comorbidades.

Especialistas destacam que o aumento nas internações de crianças é reflexo do alto volume de casos em 2022, puxado principalmente pela variante Ômicron no início do ano, mas também da baixa taxa de vacinação infantil, visto que, nas demais faixas etárias, houve queda nas hospitalizações.

“Tivemos um ‘boom’ de casos pela Ômicron e picos muito mais elevados do que pelas outras variantes. Proporcionalmente, vemos mais crianças, que, ao contrário dos adultos, não estão protegidas por vacina, doentes e internadas. Ao passo que nos adultos, apesar do aumento importante de casos, não tivemos esse aumento de internações, por conta da vacinação”, resume Marcelo Otsuka, infectologista e vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

“As crianças estiveram alijadas desse processo de imunização no início e, mesmo agora, quando teoricamente poderíamos expandir o benefício às crianças, as coberturas estão muito aquém”, complementa Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Só 37,18% dos pequenos de 3 a 11 anos estão totalmente imunizados (ciclo primário, de duas doses). Na população com 12 anos ou mais, por outro lado, a taxa é de 80,18%.

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Crianças de 5 a 11 anos começaram a receber o imunizante contra a covid-19 em janeiro de 2022. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Causas

Para os médicos, há algumas explicações para a baixa taxa de vacinação infantil. Além da campanha ter começado depois dos adultos (crianças de 5 a 11 anos só começaram a receber imunizante em janeiro; os pequenos a partir de 3 anos só no segundo semestre), há hesitação vacinal dos pais causada por uma onda de desinformação, que questiona – sem evidências científicas – a segurança das injeções pediátricas e que criou um senso comum de que a covid não era grave para os pequenos.

Outros empecilhos são problemas na oferta desigual de imunizante (uma em cada cinco cidades brasileiras relatou falta de doses para vacinar crianças) e alguns posicionamentos do Ministério da Saúde, avaliam eles.

Sáfadi acrescenta que, no caso dos bebês, principalmente daqueles com menos de um ano, a “imaturidade imunológica” e “características do trato respiratório” também ajudam a entender a necessidade de hospitalização. “Esse cenário de maior gravidade no bebê do que nos demais grupos etários a gente já observou em diversas outras doenças respiratórias infecciosas”, diz.

O aumento explosivo de infecções não pode ser atribuído apenas a maior transmissibilidade e escape imune da Ômicron e suas subvariantes, segundo o infectologista Francisco de Oliveira Junior, gerente-médico do Hospital Infantil Sabará. Também tem relação com o relaxamento de medidas não farmacológicas, como uso de máscara e distanciamento, conforme diminuía a percepção de risco da população, o que aumentou a exposição ao vírus.

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O hospital paulistano também viu crescimento de internações de crianças por covid este ano. Em 2020, foram registradas 73 hospitalizações de pessoas de zero até 17 anos. No ano passado, foram 112 hospitalizados; e, em 2022, 346.

Sequelas

Já os óbitos de bebês por covid caíram 25% entre 2021 e 2022 (considerando os dados preliminares até o início de dezembro). O número de 2022 ainda deve crescer porque o ano não acabou e os dados das últimas semanas passam por atualizações por causa do atraso no preenchimento de alguns registros. A taxa de queda de óbitos observada até agora entre bebês é menor do que a geral (85,2%).

A redução na letalidade (chance de morrer) tem, possivelmente, a ver com as características das variantes que predominaram este ano. “O mais provável, quando se avalia a história natural das epidemias e pandemias, é que, ao longo do tempo, o vírus fique menos letal, até porque, se tem menos letalidade, tem capacidade de infectar mais gente”, diz o infectologista Francisco de Oliveira Júnior.

No entanto, os especialistas destacam que a carga da doença segue relevante em crianças – o que, para eles, fica provado no alto volume de internações – e alertam para os riscos mesmo para quem sobrevive, seja pela persistência de sintomas após a fase aguda da doença (covid longa) ou pela síndrome inflamatória multissistêmica (SIM-P).

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“A infecção nas crianças é muito menos grave que no adulto, (mas) não significa que a doença não seja grave em crianças”, frisa o infectologista Marcelo Otsuka. Segundo ele, a covid é a “principal causa infecciosa de óbito em criança”.

Para crianças e adolescentes, a infecção traz um risco a mais: a síndrome inflamatória multissistêmica. Embora os casos sejam raros, o Ministério da Saúde alerta que, na maior parte das vezes, “é um quadro grave, que requer hospitalização” e, algumas vezes, “pode ter desfecho fatal”. Na pandemia, foram confirmados 1.940 casos de SIM-P associado à covid, com 133 óbitos.

A síndrome é uma resposta inflamatória tardia e exacerbada, que ocorre após a infecção – em geral, dias ou semanas após a covid. Os sintomas podem incluir febre persistente, sintomas gastrointestinais, conjuntivite bilateral não purulenta,

E há ainda perigos da covid longa. “Com persistência de sintomas respiratórios por tempo prolongado; alterações neurológicas, como de humor, depressão, ansiedade; alteração de sono; cognitivas também, como dificuldade de concentração e perda de memória”, diz Oliveira Júnior.

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No hospital

Para além dos números, pais relatam o drama de ver os filhos internados e o medo de perdê-los, bem como a ânsia de vaciná-los. A visão do filho, Enrico, de apenas 2 meses, sendo transportado do pronto-socorro do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, em uma maca, coberto por uma espécie de caixa de plástico (para evitar contaminar outros pacientes), nunca vai sair da cabeça da auxiliar de cozinha Ariane Silva, de 30 anos. “Não tem cena pior. A sensação é horrível”, lembra.

Com exame positivo para covid, uma febre persistente e secreção no pulmão detectada por raio x, o pequeno teve de ficar internado da noite de sexta-feira, 3, até a quarta, 6. A mãe conta que ele não precisou de oxigênio e a equipe médica conseguiu controlar a febre com soro e analgésico. Agora, fora do hospital, além de atenção redobrada para identificar qualquer sinal de sequela, Ariane conta os dias para poder imunizar o filho. “Se tivesse vacina amanhã, eu iria hoje.”

“Pensei que estava perdendo a minha filha”, lembra a gerente de loja Elem Dhuly, 24 anos, de Araguaína (TO), sobre o momento em que percebeu que Lauryellem, de 8 meses, não conseguia dormir e, por alguns momentos, parava de respirar. Ela correu para o hospital na madrugada da quarta, onde a bebê continua internada, mas com quadro estável e, agora, desconectada do oxigênio.

A saída de Manu do hospital foi uma "alegria imensa" para os pais, mas também marcada por preocupações de possíveis sequela e do aparecimento da síndrome inflamatória multissistêmica Foto: WILDES BARBOSA/ESTADÃO

De Goiânia, o empresário Daniel Almeida, de 35 anos, também pensou que não teria a filha, Manuela, de 3 anos, de volta, quando, em fevereiro, um exame mostrou grande comprometimento pulmonar, após o teste positivo. “(Quando vi o exame) Veio na mente a minha avó, um monte de gente morrendo. Só veio coisa ruim”, conta. A avó dele, que tinha mais de 80 anos, morreu de covid ainda em 2020, na primeira onda da doença.

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Em casa, os pais já haviam percebido que a pequena – que, segundo Almeida, tem “predisposição para doenças pulmonares”, com crises de bronquite e pneumonia prévias – estava “prostrada” e “só queria dormir”. Manu precisou ficar quatro dias internada no hospital.

Almeida lembra da “alegria imensa” de quando ela recebeu alta. A saída do hospital foi marcada por recepção calorosa da família. Um vídeo da pequena correndo, emocionada, para abraçar a prima Aurora, também de 3 anos, viralizou nas redes sociais.

Tê-la de volta em casa trouxe um misto de sentimentos. A felicidade, de vê-la melhorar cada dia mais, e o medo de sequelas e de que ela desenvolvesse a síndrome inflamatória multissistêmica. Eles seguiram aferindo a oxigenação da criança com frequência e de olho em qualquer sinal que indicasse piora – o que, felizmente, não ocorreu.

Embora tenha mostrado, conforme Almeida, “maturidade” surpreendente para a idade durante o período no hospital, Manu guarda cicatrizes emocionais do período internada. “Foi muito traumatizante para ela”, conta. “Quando saiu do hospital, ela falou assim: ‘Papai, nunca mais quero pegar covid, ficar no hospital, não quero ficar sozinha’.”

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Ativa e comunicativa, quando teve covid, Manu só queria dormir. Foto: Wildes Barbosa/Estadão

Almeida acredita que, se a pequena tivesse sido vacinada, a angústia teria sido evitada. A Coronavac só foi liberada para a faixa etária dos 3 aos 5 anos em julho. Manu ainda não recebeu o imunizante, pois contraiu covid mais duas vezes, em julho e novembro – ambas infecções leves e com poucos sintomas –, e as médicas orientaram que ela esperasse um mês da infecção para receber imunizante.

O pai, que já tem três doses, não vê a hora de que ela seja vacinada. “A gente queria até ir para os Estados Unidos vaciná-la, quando a vacina da Pfizer foi liberada (em junho)”, lembra. “Eu não queria passar pelo que passei. Quero blindar minha filha o máximo que puder.”

O que fazer?

Os especialistas destacam que o País precisa ampliar urgentemente a cobertura vacinal das crianças. “(Sem isso) A tendência é de que, com novas variantes, tenhamos mais casos de infecção pelo coronavírus e, consequentemente, a proporção de crianças infectadas, tendo quadros graves ou até morte, aumentará”, alerta Otsuka.

Sáfadi atesta o perfil de segurança e eficácia dos imunizantes aprovados pela Anvisa. Segundo o infectologista, a vacina reduz não só a chance de hospitalização e morte, mas também de desenvolver a rara síndrome inflamatória.

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Além de liberar a vacina Pfizer Baby (destinada a bebês a partir de 6 meses) para crianças sem comorbidade, os especialistas defendem que haja mais esforço de divulgação da importância da vacinação, para combater a onda de desinformação, e busca ativa. Eles também avaliam que a imunização poderia ocorrer em horários mais “flexíveis” e “amigáveis”, considerando que é preciso que os pais ou responsáveis acompanhem os pequenos nas unidades de saúde.

“Nos países que conseguem atingir grau de vacinação adequado, a vacinação é feita na escola”, afirma Otsuka. “No Brasil, no passado, isso já aconteceu. Temos (hoje) uma conduta muito passiva para estímulo da vacinação das crianças. E isso não é só em relação ao coronavírus, são diversas infecções.”

Francisco de Oliveira acrescenta que a população precisa entender que a pandemia não acabou e que vamos, por algum tempo, conviver com ela. “Terão outras ondas. Alguns epidemiologistas acham que essa flutuação de ter novas ondas a cada três, quatro meses é o que vai acontecer, mas por enquanto carece de tempo de observação”, diz.

Dentro desses períodos de maior circulação do vírus, destaca, será preciso adotar outras medidas, como uso de máscara. “Principalmente quando a gente olha para populações de mais alto risco. Pessoas que têm comorbidades, idosos e não vacinados.”

Sáfadi defende também ser preciso combater desigualdades com reforço do SUS, com foco em saúde preventiva, da família e atenção primária. Ele destaca que as letalidades da covid e da síndrome inflamatória multissistêmica são mais do que oito vezes maiores no Brasil do que nos Estados Unidos, por exemplo. “A razão disso está enraizada no fato de sermos um país cheio de iniquidade e de acesso restrito das crianças ao hospital, que chegam tarde, chegam menos e são tratadas de forma diferente das de lá.”

Percalços na vacinação

Embora os médicos destaquem que a vacinação é o principal caminho para evitar desfechos graves da covid em crianças, a imunização dos mais novos no Brasil foi marcada por uma série de percalços e atrasos.

Em dezembro do ano passado, mesmo com a aprovação da Anvisa, o Ministério da Saúde abriu consulta pública antes de decidir pela inclusão da vacina Pfizer para crianças de 5 até 11 anos no Programa Nacional de Imunizações. Os mais novos, de 3 a 4 anos, só se tornaram elegíveis em julho, quando, após diversos reveses, a Coronavac recebeu sinal positivo da agência reguladora.

Mas, ao longo do ano, houve dificuldade na oferta. No fim de novembro, conforme levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), uma em cada cinco cidades relataram falta de doses para crianças.

Há quase três meses, a Anvisa liberou a Pfizer Baby – aplicada nos EUA desde junho – para bebês a partir de 6 meses. A imunização, no entanto, só começou ao fim da primeira quinzena de novembro, em meio a reclamações dos Estados de atraso do Ministério da Saúde em distribuir doses.

A pasta também só recomendou, em nota técnica, usar a vacina em crianças até três anos incompletos com comorbidades. Marcelo Otsuka fala em postura “inadequada” do ministério, que, na avaliação dele, também é causa da baixa cobertura vacinal.

“No passado, quando tínhamos morte por meningite, ninguém fez consulta pública para que a vacina contra o meningococo fosse instituída. Quando tivemos morte pelo sarampo, ninguém fez pesquisa pública para vacinação. O agravo da covid, por si só, já é o suficiente para que o Ministério da Saúde determine a realização da vacina sem sequer consultas públicas”, destaca.

Ao Estadão, o Ministério da Saúde informou que “acompanha atentamente o cenário epidemiológico da covid-19 no País e o andamento da campanha de vacinação entre todas as faixas etárias”. A pasta diz ter entregue, entre novembro e dezembro, mais de 2 milhões de doses de vacinas para o público infantil a todos os Estados e municípios. “Cabe destacar que as doses são enviadas de acordo com a solicitação de cada Estado e o ritmo de vacinação desta faixa etária”, afirmou, em nota.

Sobre a liberação da Pfizer Baby, apenas disse que, “com o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), a ampliação das doses para as crianças de 6 meses a menores de 3 anos sem comorbidades passou a ser avaliada de forma prioritária pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec)”.

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