Pelo menos nove milhões de moradores do Estado de São Paulo estão com a 3ª dose da vacina da covid-19 em atraso, segundo balanço da Secretaria da Saúde paulista. Com a nova alta de casos do vírus na última semana, especialistas têm afirmado que buscar a 3ª e 4ª injeção de reforço é a melhor forma de evitar o avanço acelerado da doença. Também recomendam, principalmente para grupos mais vulneráveis, retomar o uso de máscaras em lugares fechados.
O balanço do governo considera a população a partir dos 12 anos (no total, 38 milhões no Estado), para quem a 3ª dose já foi recomendada. Ainda conforme a pasta, há sete milhões que poderiam tomar a 4ª injeção e ainda não tomaram. Para esse reforço, o Estado considera apto o público com 40 anos ou mais, embora as cidades tivessem autonomia para recomendar o complemento para um grupo mais amplo. A capital, por exemplo, aplica a 4ª dose em todos os adultos.
A nova alta de infecções é associada ao avanço da nova subvariante da Ômicron, a BQ.1. Os cientistas ainda não sabem se essa versão do vírus é mais grave ou transmissível, mas estudos preliminares apontam maior risco de escape à proteção dada pelas vacinas, por isso é essencial buscar o reforço. “Toda vez que se deixa essa hesitação vacinal, essa lacuna de vacina, propicia que o vírus possa ter uma retomada”, disse ao Estadão Regiane de Paula, coordenadora do Plano Estadual de Imunização.
Na capital, embora a 4ª dose esteja disponível há três meses para todos os adultos, 3,7 milhões de paulistanos não buscaram os postos de saúde para receber esse reforço. Já em relação à 3ª injeção, esse passivo é de 2,1 milhões, informou a Secretaria Municipal de Saúde.
Para a médica Raquel Stucchi, da Sociedade Brasileira de Infectologia, considerando que as vacinas bloqueiam pouco o contágio e há uma redução da proteção ao longo do tempo, é preciso “manter cobertura vacinal muito alta, superior a 90%, para ter alguma estabilidade e proteção indireta”.
Os dados da Prefeitura mostram que as lacunas derivam de uma adesão menor entre os mais jovens. Se considerar a 3ª dose, 96% dos paulistanos com mais de 50 anos já se protegeram. Na faixa entre 18 e 49 anos, esse número cai para 77%. Para a 4ª dose, o cenário piora. Só 28% dos adultos com menos de 50 anos garantiu esse reforço, ante 70% no grupo 50+.
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“Não ter a vacinação atualizada é um desastre”, comenta Gonzalo Vecina Neto, ex-secretário municipal de Saúde. “Vacina diminui a mortalidade. A experiência do Estado de São Paulo informa: é 26 vezes menor a probabilidade de morte com vacinação atualizada”, diz.
Na Europa, o espalhamento da BQ.1 motivou uma nova alta de infectados desde setembro. Embora sem a mesma gravidade que outras ondas no passado, as autoridades locais alertaram para a necessidade de manter a pandemia sob controle. “Na Alemanha, por exemplo, as hospitalizações de UTI (por covid) dobraram em questão de quinze, vinte dias”, afirma o coordenador da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt.
Mesmo que não tenha a mesma quantidade de pacientes do que em outras ondas da doença, ele alerta para o risco de uma pressão sobre o sistema de saúde, que já precisa lidar com outras demandas. “O que é uma UTI normal? É uma ocupação sempre meio lá em cima, 85%, 90%. Se tem uma onda que, do nada, aumenta, isso pode complicar os sistemas hospitalares”, completa.
Por que as taxas de imunização estão baixas?
Para especialistas, a baixa procura por vacina de reforço é resultado da soma de alguns fatores. O primeiro é a sensação de tranquilidade, causada pelo arrefecimento da crise sanitária nos últimos meses, com menos infecções e mortes diárias.
“Parece que a busca pela vacina é um pouco reativa. Quando vemos países que estagnaram (a vacinação) e daí tem uma (nova) onda, vemos que a busca pela dose aumenta de novo”, analisa Schrarstzhaupt. Esse comportamento, segundo ele, é perigoso e pode levar a hospitalizações e óbitos evitáveis. “Vacina não é remédio. É preventiva”, argumenta.
Vecina, por sua vez, reclama da falta de campanhas. “Neste momento, não temos barulho, não temos convocação. Temos um modelo de vacinação que é campanhista. Sem campanha, sem vacinação”, afirma ele, que já presidiu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Regiane de Paula, da Secretaria Estadual de Saúde, reclama da falta de protagonismo do Ministério da Saúde - uma queixa constante contra o governo Jair Bolsonaro em mais de dois anos e meio de pandemia. “Infelizmente, o Programa Nacional de Imunização está num momento em que não tem protagonismo nenhum, delegando aos Estados, principalmente, o protagonismo”, diz.
O Ministério da Saúde, por sua vez, falou que “reforça constantemente, por meio de campanhas de comunicação e ações divulgadas em todos os canais oficiais do Ministério, a importância de completar o esquema vacinal com a dose de reforço para garantir a máxima proteção contra o vírus”.
Vacina bivalente
Para barrar o avanço das novas variantes, outros países, como Estados Unidos e algumas regiões da Europa, começaram a aplicar uma versão mais atual da vacina contra covid-19. Chamada bivalente, a proteção é fabricada pela Pfizer e é eficiente contra várias cepas de uma vez só: protegem, segundo a empresa, contra as versões BA.1, BA.4 e BA.5 da Ômicron.
Ainda não há previsão para a chegada do imunizante mais protetivo ao país. A Pfizer requisitou o uso emergencial da vacina à Anvisa em outubro. Regiane destaca que municípios e o Estado têm cobrado posicionamento federal sobre a compra do imunizante atualizado.
O Ministério da Saúde afirmou que as vacinas que fornece “são as últimas versões aprovadas pela Anvisa” e que o “atual contrato com os fornecedores contempla a entrega de vacinas com cepas atualizadas”.
Segundo a Anvisa, “estão em andamento análises das novas versões de vacina”. Os processos, diz o órgão, estão em fase final de análise pela área técnica, mas ainda não há data para a deliberação final.
Para a pediatra Isabella Ballalai, no entanto, a necessidade agora é fortalecer a aplicação do reforço com a versão do imunizante disponível no País. “As pessoas não podem esperar pela bivalente. O que precisamos agora é que as pessoas procurem o reforço, principalmente para os mais jovens”, diz.
Outra preocupação é a baixa taxa de imunização de crianças e adolescentes. “O que mais preocupa hoje são nossas crianças e adolescentes. Para eles, sim, a cobertura de duas doses está muitíssimo baixa, com a média de 40%”, alerta ela, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Panorama
Similar à capital paulista, outros grandes centros urbanos também percebem uma baixa adesão à vacinação de reforço contra covid-19. Em Fortaleza, quinta maior cidade do país e segunda maior do Nordeste, apesar da quarta dose ser liberada desde março deste ano para a população geral, cerca de 598 mil fortalezenses procuraram os postos para reforçar a imunização – o que corresponde a 34% da população vacinável.
Ao Norte do Brasil, em Boa Vista, capital de Roraima, a adesão do segundo reforço é de apenas 4,10% da população elegível (pessoas acima de 40 anos). No Rio de Janeiro, até o momento, 1,6 milhão de cariocas ainda não retornaram aos postos para tomar a segunda dose de reforço, o que corresponde a aproximadamente 25% da população. Já em Curitiba, de acordo com a Prefeitura, a taxa de faltosos para doses de reforço está em 32,3%. A cidade não especificou a porcentagem específica para terceira e quarta dose adicional.
Além da vacina
Com o princípio de uma nova onda, os especialistas destacam que é hora de grupos específicos redobrarem os cuidados. Raquel Stucchi considera como pessoas com risco de adoecimento grave quem, por qualquer motivo, não foi vacinado ou tem esquema vacinal incompleto - o que inclui doses de reforço -, além de idosos e imunossuprimidos. “Em ambientes fechados ou em ambiente aberto com muita aglomeração. É importante que eles voltem a usar máscara, preferencialmente a máscara cirúrgica ou a tipo PFF2.”
A infectologista acrescenta que, quem tiver qualquer sintoma respiratório, também deve usar a proteção facial e, sobretudo, buscar testagem, visto que também há circulação do Influenza, vírus da gripe.
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