O carnaval deste ano é o que ocorre com o coronavírus em situação mais controlada desde que a pandemia foi decretada, há quase três anos. Especialistas em saúde não descartam eventual alta de casos, mas dizem que o aumento de ocorrências graves e mortes é mais improvável do que em edições anteriores. Reforçam também alguns cuidados para os foliões, como atualizar o esquema vacinal e evitar contato com pessoas com sintomas gripais.
O Brasil teve neste domingo, 12, o primeiro dia com zero mortes por covid notificadas desde o início da pandemia, segundo dados reunidos pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). A marca não significa, necessariamente, a ausência de vítimas naquele dia, mas pode representar uma nova desaceleração da doença do País. A média móvel de óbitos (45) é a menor desde novembro do ano passado, assim como a de casos (9,1 mil).
“Com certeza teremos mais casos (de covid no carnaval), mas não dá para ter certeza se teremos mais óbitos e mais pacientes internados em UTI (unidade de terapia intensiva)”, diz o médico infectologista Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo. Ele afirma que esse diagnóstico ocorre principalmente por conta do avanço da vacinação no País.
“As vacinas, de uma certa forma, protegem muito dos casos graves”, diz o médico, que reforça alguns cuidados para quem vai pular o carnaval deste ano. “O ideal é ficar atento e ter cuidado, nesta época de festas, com aglomerações. Principalmente em relação ao contato com pessoas que tenham sintomas respiratórios, já que esses são os que vão transmitir mais.”
“A expectativa é que a gente não tenha uma grande repercussão (na pandemia) em relação ao carnaval”, diz a médica infectologista Raquel Stucchi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela relembra que boletim recente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou que a maioria dos Estados seguem com queda ou estabilização de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag).
Conforme o balanço, divulgado na semana passada, das 27 unidades federativas, apenas Acre, Amazonas, Espírito Santo e Pernambuco apresentam crescimento na tendência de longo prazo. No período recente, a prevalência entre os casos como resultado positivo para vírus respiratórios foi de 1,3% para influenza A; 1,1% para influenza B; 24,8% para vírus sincicial respiratório (VSR); e 61,7% para Sars-CoV-2. A covid representa 91% dos óbitos, seguida pelo VSR, com 5%.
Segundo Raquel, eventos como o carnaval costumam gerar preocupação, mas há alguns fatores que podem frear quadros graves. “Quase a totalidade das pessoas presentes nas festividades de carnaval e em aglomerações são pessoas que devem ter tomado possivelmente duas doses da vacina, no mínimo, e que estão na faixa etária de jovem adulto. São pessoas que normalmente não têm nenhuma comorbidade importante e para quem o risco de quadros grave de covid é muito pequeno.”
Para evitar o surgimento de novas cepas, ela reforça a necessidade de monitorar os casos: “É importante que se mantenha no País a capacidade de diagnóstico, tanto do teste quanto do sequenciamento do vírus, para se ter uma ideia de qual é o vírus que está circulando entre nós.”
Em boletim publicado na última semana, o Instituto Todos pela Saúde (ITpS) apontou que tanto a taxa de a positividade dos testes de covid-19, que está em 15%, quanto do vírus sincicial respiratório (18%) apresentaram leve tendência de alta no início deste mês. As análises foram feitas com base em 928 mil testes realizados pelos laboratórios parceiros Dasa, DB Molecular, HLAGyn e Sabin.
Conforme o instituto, a taxa de positividade para VSR caiu para 7% em meados de janeiro após o surto observado no fim do ano, mas voltou a subir. Crianças de 0 a 4 anos são as principais infectadas pelo vírus. Em relação ao SARS-CoV-2, a taxa de positividade começou elevada neste início de ano (24%), caiu mais de dez pontos percentuais e teve leve aumento na última semana.
Menos casos graves
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o médico infectologista Renato Kfouri diz que o momento atual é “incomparável” em relação a ondas anteriores, como a da variante Ômicron, no começo do ano passado. “À medida que a gente vai acumulando indivíduos vacinados e infectados, a imunidade populacional suscita cada vez menos casos, em especial cada vez menos casos graves”, afirma.
Em meio a isso, Kfouri não acredita que o carnaval deste ano possa acarretar em uma nova onda. “Aglomerações a gente tem todo dia, com carnaval, sem carnaval, com futebol, com Copa do Mundo”, diz o infectologista. Ele também afirma ser improvável grandes impactos no Brasil da recente piora da pandemia na China. “O que faz uma nova onda é uma combinação de situações (como baixos índices de vacinação).”
Segundo especialistas, o avanço da imunização (incluindo com as doses de reforço) é a melhor maneira de evitar o agravamento da doença, sobretudo entre os grupos mais vulneráveis, como idosos, pacientes imunocomprometidos e grávidas. A imunização no Brasil com as vacinas bivalentes da Pfizer, que protegem contra a variante Ômicron, começa no próximo dia 27. “Com isso a gente protege ainda mais”, diz Kfouri, que relembra que as subvariantes da cepa tornaram-se predominantes no País.
“A gente deve completar o esquema vacinal de todos, considerado o esquema mínimo necessário. No cenário da Ômicron, é de três doses, inclusive para bebês a partir dos seis meses de idade”, afirma. “Aqueles que não respondem às vacinas, os sabidamente imunossuprimidos, precisam de outras alternativas complementares, como os antivirais e anticorpos monoclonais.”
Em dezembro do ano passado, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a venda do medicamento molnupiravir em farmácias e hospitais privados do País. O antiviral da fabricante MSD é usado no tratamento contra a covid-19. Em novembro, o Paxlovid, fármaco da Pfizer também usado para tratar a doença, teve a venda liberada pela agência sanitária para farmácias e hospitais particulares do País.
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