Ter sido infectado duas ou mais vezes pelo coronavírus e não ter tomado a quarta dose da vacina contra a doença aumentam o risco de covid longa, aponta estudo feito pelo Instituto Todos pela Saúde e pelo Hospital Israelita Albert Einstein divulgado nesta sexta-feira, 6. O trabalho aponta ainda que as mulheres são mais afetadas pelos sintomas persistentes, embora a causa desse fenômeno ainda não esteja clara.
Os resultados foram publicados em artigo em formato pré-print na plataforma medRxiv e ainda passará pela revisão de outros pesquisadores. A pesquisa foi realizada com base na análise de dados de mais de 7 mil profissionais de saúde do Einstein infectados pelo SARS-CoV-2 entre 2020 e 2022. Desse total, 1.933 (27,4%) manifestaram a covid longa ante 5.118 (72,6%) que não desenvolveram a condição.
Segundo Vanderson Sampaio, pesquisador do ITpS e um dos autores do artigo, a definição de covid longa usada no estudo foi a do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos: “São pessoas com infecção prévia pelo coronavírus que continuam com sintomas persistentes da doença por mais de quatro semanas. Entre os sintomas estão febre, congestão nasal, cansaço, fadiga, dor de cabeça, tosse, dificuldades para respirar, entre outros”, explica.
Mais da metade (51,4%) dos participantes do estudo que manifestaram covid longa tiveram três ou mais sintomas persistentes. Outros 33,3% tiveram apenas um sintoma e 14,9% manifestaram dois. Os sintomas mais comuns foram dor de cabeça (53,4%), dores musculares ou nas articulações (46,6%) e congestão nasal (45,1%).
De acordo com o ITpS, o estudo mostrou que a reinfecção aumentou em 27% a chance de sintomas persistentes Entre os participantes da pesquisa que tiveram apenas uma infecção confirmada por covid-19, o índice de covid longa ficou em 25,8%. Já entre aqueles que tiveram duas ou mais infecções, a taxa foi de 38,9%.
“Esse foi o resultado mais impactante porque mostra que as pessoas não podem ter aquele pensamento de que, se pegaram o vírus uma vez, já tem imunidade e estão livres para abandonarem as medidas de proteção. Uma nova infecção pelo vírus aumenta as reações inflamatórias do corpo, eleva o risco de um caso grave e, por consequência, da covid longa”, afirma Sampaio.
Alexandre Marra, pesquisador do Einstein e primeiro autor do estudo, reforça que a reinfecção aumenta o risco de covid longa e que ela pode acontecer inclusive em pessoas que não tiveram a forma grave da doença. “Até um assintomático pode ter covid longa. Então, as pessoas têm que continuar se protegendo e se vacinando e não acharem que, se você pegar a doença uma segunda vez, vai ser mais leve”, afirma.
Quarta dose é fundamental
A pesquisa brasileira aponta ainda que somente o esquema vacinal com quatro doses se mostrou capaz de proteger contra os sintomas persistentes - a quarta dose reduziu em 95% as chances de covid longa em relação ao grupo não vacinado.
De acordo com os dados do estudo, entre os participantes que não receberam nenhuma dose da vacina antes da infecção, o índice de ocorrência de covid longa foi de 36,7%. Entre os que tomaram as duas doses regulares, a taxa caiu para 29%. No grupo que já tinha tomado três doses, foi de 15,5% e, naquele com o esquema vacinal completo de quatro doses, somente 1,5% desenvolveu os sintomas persistentes.
Segundo Sampaio, os números mostram que a proteção contra casos graves e covid longa aumenta a cada dose tomada, mas ressalta que a quarta aplicação é fundamental para garantir a proteção contra o agravamento da doença e contra os quadros prolongados. Ele afirma que os estudos ainda não são conclusivos sobre o tamanho da proteção dada pela terceira dose contra a covid longa e, por isso, a recomendação principal agora é buscar o esquema completo.
“As pessoas com o esquema vacinal completo desenvolvem mais anticorpos, têm melhor resposta imune à infecção, o que as protege de desenvolver formas graves. Com isso, a resposta inflamatória do organismo é reduzida e o risco de covid longa também”, diz Sampaio. De acordo com dados do consórcio de veículos de imprensa, menos de 20% da população brasileira já tomou a quarta dose.
Para Marra, a ciência já demonstrou que é inquestionável a importância da vacinação para proteger contra hospitalizações e morte e, agora, o estudo brasileiro mostra que ela é fundamental também para reduzir o risco de sequelas.
Prevalência maior entre as mulheres
No estudo, a covid longa se mostrou mais prevalente entre as mulheres, resultado já observado em outras pesquisas. De acordo com o ITpS, pessoas do sexo feminino correm 21% mais risco de terem covid longa do que os homens.
Um estudo similar feito pelo instituto em parceria com a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) mostrou tendência semelhante. Na pesquisa, feita com 1.540 profissionais de saúde do Hospital das Clínicas da FMUSP infectados pelo coronavírus, o risco de covid longa foi duas vezes maior entre as mulheres.
Embora isso já tenha sido demonstrado em mais de um estudo, a ciência ainda não tenha clareza sobre as razões. De acordo com os pesquisadores, outros estudos são necessários para avaliar se esse resultado está relacionado a fatores biológicos/genéticos ou comportamentais.
“Sabemos que as mulheres cuidam mais da sua saúde, então será que esse resultado tem a ver com o fato de elas reportarem mais os sintomas da covid longa? Ainda não sabemos, isso precisa ser estudado”, diz Sampaio.
Variantes
O estudo do ITpS e Einstein mostrou ainda que o índice de incidência da covid longa foi menor entre aqueles infectados pelas variantes mais recentes, como a Delta e a Ômicron, em comparação com os indivíduos contaminados pela cepa original de Wuhan e suas derivadas e pela Gama, originada em Manaus e que causou a segunda e mais letal onda da pandemia no País, no primeiro semestre de 2021.
De acordo com os pesquisadores, além da menor letalidade das cepas mais recentes, o principal fator que explica menor ocorrência de covid longa entre os infectados mais recentes é a vacinação. Em 2020 e primeiro semestre de 2021, a vacina ainda estava em desenvolvimento ou era restrita a um grupo pequeno de pessoas e em esquema vacinal primário (sem reforços).
Sampaio alerta, porém, que o fato de as variantes mais recentes representarem, até agora, menor risco de covid longa não significa que as próximas se comportarão da mesma forma. “Isso não é uma verdade absoluta. Temos de observar as novas subvariantes e avaliar se o cenário (de menor gravidade e menos casos de covid longa) se mantém. Temos hoje a subvariante da Ômicron XBB.1.5 já predominante nos Estados Unidos e vista com preocupação por sua capacidade de transmissão”, alerta o pesquisador.
Ele lembra ainda que, além dos riscos individuais da reinfecção, a disseminação sem freio do vírus aumenta o risco de mutações gênicas e do surgimento de variantes que podem escapar à imunidade natural e aos anticorpos conferidos pela vacina. “Veja o que acontece na China hoje (com aumento de casos após retirada da política de covid zero). É uma ilha de mutação gênica viral. Dali vão provavelmente sair novas variantes que vão se espalhar pelo mundo e precisamos nos preparar para o que está por vir”, diz.
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