O bom profissional de saúde deve dominar não apenas conhecimentos técnicos, mas também habilidades emocionais. Segundo especialistas, empatia, capacidade de comunicação e respeito ao contexto de vida do paciente são características cada vez mais cobradas em locais de trabalho e devem acompanhar o embasamento teórico-científico.
Para Milton de Arruda Martins, professor de clínica médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), os trabalhadores da saúde precisam demonstrar cidadania e sensibilidade cultural para lidar com diferentes realidades. Em seu entendimento, o pensamento crítico, a criatividade para solucionar problemas e a capacidade de trabalho em equipe também são elementos que devem ser considerados. “São valores que fazem parte da formação do profissional do século 21″, defende.
Nesse sentido, a pandemia forçou aprendizados dolorosos e antecipou cenários, como o uso em larga escala de tecnologias móveis. Muitos atendimentos presenciais deram lugar às teleconsultas médicas, e as videochamadas adentraram os espaços hospitalares.
Esse impulso de aprendizado mundial extrapola, agora, o contexto de emergência sanitária. “A telemedicina vai avançar muito no País, mas é claro que não substitui o toque e o contato pessoal. Podemos obter vantagens. Por exemplo, pacientes que moram longe de serviços de saúde e querem somente mostrar um resultado (de exame) médico podem se beneficiar”, avalia Martins.
A médica geriatra e especialista em cuidados paliativos e suporte ao luto Ana Claudia Arantes, autora do livro A Morte É um Dia que Vale a Pena Viver, fez uso de vídeos para incluir as famílias no processo de cuidado a pacientes internados por conta do coronavírus.
Para ela, profissionais com noções de cuidados paliativos – conjunto de práticas multidisciplinares que visa a prevenir e aliviar o sofrimento de pessoas com risco de vida – manejaram com mais habilidade a comunicação durante a pandemia, como condução de notícias tristes, controle da dor e conversa diária com familiares.
Por isso, Arantes defende o ensino nas universidades de métodos da área, que não deve estar atrelada a uma visão de morte inevitável. Sua vivência médica durante a pandemia mostrou, inclusive, o contrário: nas enfermarias que tinham cuidado paliativo, a chance de alta era até maior que a de uma UTI convencional. “Isso mostra o cuidado paliativo não como uma alternativa da ausência do que fazer, mas um caminho sólido de suporte qualificado, que reúne evidências técnicas”, avalia a médica.
Prognóstico
No processo de envelhecimento da população brasileira, as habilidades empáticas serão ainda mais necessárias. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um quarto da população brasileira terá mais de 65 anos em 2060. Dados recentes indicam que a parcela de pessoas com mais de 60 anos saltou de 11,3% para 14,7%, de 2012 a 2021, indo de 22,3 milhões para 31,2 milhões de pessoas.
O sistema de saúde precisa se adaptar à realidade, assim como o ensino dos profissionais de saúde. Elisa Costa, do Conselho Consultivo Pleno da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), afirma que a atenção de saúde a essa população precisa ser multidisciplinar.
“Os futuros trabalhadores necessitam de formação básica sobre envelhecimento. Acredito que 80% das faculdades brasileiras, hoje em dia, já fazem isso”, diz Costa. “O período a partir dos 60 anos é muito longo e extremamente heterogêneo; esqueçamos a idade cronológica e olhemos o indivíduo, colocando seus valores e preferências em primeiro lugar.”
Para Ana Claudia Arantes, a comunicação dos especialistas com a pessoa idosa ainda é falha, ao infantilizá-la. “O idoso pode ter o corpo frágil, mas ele tem percepção e capacidade de discernimento. Precisamos trazê-lo para a autoridade da própria vida, com profissionais minimamente capacitados”, observa.
Numa avaliação complementar, Milton de Arruda Martins pondera que as pessoas idosas já estão entre as mais afetadas pelas mudanças climáticas – como a pandemia foi causada por um desequilíbrio entre ações humanas e natureza, motor que também acelera a crise do clima, o profissional de saúde não pode se alienar. “Ele precisa ser um agente de defesa do desenvolvimento sustentável.”
Oportunidades
O domínio de conhecimento técnico aliado a habilidades emocionais são requisitos para profissionais de saúde que atuam ou pretendem atuar nos setores público ou privado. E os especialistas são unânimes em afirmar que o SUS deve continuar sendo o maior empregador da área.
Ana Carolina Bhering, coordenadora da área de enfermagem do Senac São Paulo, lembra que, além de maior empregador, o SUS também oferta a maior parte dos serviços de saúde. “Não haverá competição, mas associação entre ambos os setores (público e privado).”
Para o setor de enfermagem, Bhering traça um panorama rico em oportunidades. “Hoje, enfermeiros e técnicos em enfermagem podem atuar em consultórios, teleconsultas, atendimento domiciliar, atividades de gestão, ensino e pesquisa. A área de saúde do idoso é uma das mais promissoras para quem empreende.”
Todas essas transformações devem considerar a saúde mental dos profissionais. Para Bhering, o gestor das equipes de saúde precisa incentivar um ambiente acolhedor e sem punições. Quando o profissional de saúde está bem respaldado, executa seu trabalho com segurança e engajamento – e entende que aquele que cuida não pode ocupar o lugar de quem sofre.
“É (preciso) ocupar o lugar de quem cuida, sem se sentir superior, reconhecendo o próprio limite emocional. Se estou de plantão, o que posso fazer por aquela pessoa que está sofrendo naquele momento em que estou disponível? Saber pedir ajuda, buscar terapia e construir uma rede de apoio são algumas estratégias”, diz ela.
Atendimento humanizado
Igualdade. Por mais que o saber da Medicina e de outras áreas da saúde seja especializado, despejar conhecimento sem estabelecer um vínculo mais igualitário não contribui para a prática humanizada. A postura profissional, o tom de voz e a comunicação empática com paciente e familiares devem fazer parte do atendimento. Discursos frios, que utilizam muitos jargões científicos, tendem a afastar.
Sentimento. O profissional deve buscar compreender o paciente, algo que ajuda a estabelecer vínculos de confiança. Principalmente nas consultas mediadas pelo uso da tecnologia, cabe ao especialista se perguntar: qual é a emoção de quem está do outro lado da tela? O paciente está tendo espaço de fala para colocar questões e tirar suas dúvidas? Outro ponto importante é manter um contato visual frequente – um indicativo de que quem atende está presente, interessado e ouvindo tudo atentamente.
Autocuidado. O dia a dia de um hospital ou centro de saúde costuma ser exaustivo para todas as equipes. Por isso, um atendimento humanizado envolve também a saúde mental de quem cuida. Especialistas recomendam que o trabalhador reconheça seus limites individuais e, quando necessário, busque ajuda de gestores, colegas ou de profissionais de saúde mental. O simples ato de conversar com outras pessoas pode enriquecer o exercício da profissão com experiências e olhares diversos.
A importância das ‘soft skills’ na formação médica
As soft skills podem ser traduzidas como habilidades interpessoais. Na prática, são competências adquiridas, como inteligência emocional, empatia, comunicação respeitosa e acolhimento. Ensiná-las é um desafio, e requer treinamento. “Muitos alunos chegam à universidade formatados para o ensino mais técnico e cartesiano. É importante que as ‘soft skills’ perpassem todas as disciplinas”, afirma a médica Karina Patrício, da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu.
Para tanto, os cursos podem oferecer ambientes de simulação de casos clínicos ou contato de vida real com pacientes, diversificando cenários de crise em que diferentes habilidades sejam necessárias. A avaliação também é fundamental para que os alunos possam entender como estão evoluindo. Numa das escolas de medicina mais renomadas do mundo, a de Harvard, as habilidades interpessoais e de comunicação são consideradas eixos formativos.
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