O Brasil terá uma média de 704 mil novos casos de câncer entre 2023 e 2025, de acordo com as mais recentes estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca), uma alta em relação às projeções do triênio imediatamente anterior (2020 a 2022), quando se previam 625 mil novos casos por ano. Ao mesmo tempo, o País também tem se beneficiado das estatísticas globais de queda de mortalidade, propiciada pelos avanços tecnológicos nos campos de prevenção, diagnóstico e tratamentos inovadores.
Em artigo assinado por pesquisadores do Inca publicado na revista científica Frontiers of Oncology no início do ano, foi feita uma previsão de que a taxa de mortalidade por câncer prematuro no Brasil cairá 12% entre os homens no período de 2026 a 2030, em comparação com os dados entre 2011 e 2015. Entre as mulheres, a redução esperada é de 4,6%.
Embora positiva, essa estimativa de recuo no País fica aquém da meta de redução em um terço na mortalidade prematura (pessoas entre 30 e 69 anos) por doenças crônicas não transmissíveis, exposta nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Além da disparidade por sexo, o estudo também captou diferenças regionais, fruto de históricas desigualdades econômicas e sociais. Outra diferenciação está nos tipos de câncer. É esperada, por exemplo, uma queda sensível na mortalidade por câncer de pulmão, refletindo esforços governamentais de longo prazo para reduzir o consumo de tabaco. Mas é projetada uma alta nos casos de câncer colorretal, provavelmente por conta da transição epidemiológica e de hábitos e comportamentos de consumo.
Fatores determinantes
Quando se analisa a alta da incidência de casos de câncer no Brasil e no mundo, as explicações são variadas, muitas delas relacionadas às mudanças nos padrões de vida. Roberto Gil, diretor-geral do Inca, cita entre elas o aumento do perfil demográfico do Brasil, ou seja, o envelhecimento da população. “O câncer está diretamente relacionado à idade. Quanto mais você vive, mais acumula mutações genéticas e maior a probabilidade de desenvolver câncer.”
Ele lista ainda fatores como a elevação das concentrações urbanas – que favorecem o contato com agentes cancerígenos, sejam físicos ou químicos –, maior exposição ao sol, sedentarismo e consumo em larga escala de alimentos com conservantes e ultraprocessados. “A obesidade é um fato, com um aumento significativo. Temos mais de 20% da população obesa e em torno de 50% com sobrepeso. E isso traz também consequência de aumento de incidência de vários tipos de câncer, o principal é o colorretal.”
Novas terapias
Mas, se a vida moderna elevou os fatores de risco, também houve aumento nos avanços tecnológicos em prevenção, diagnóstico e tratamentos da doença, com abordagens cada vez menos invasivas e mais personalizadas, precisas e ágeis.
Esses avanços são consideráveis, segundo Victor Piana, diretor-geral do A.C.Camargo Cancer Center, hospital que atende 90 mil pessoas todos os anos e é referência nacional no combate ao câncer. “Nós substituímos a cirurgia aberta pela laparoscópica e depois pela cirurgia robótica, trocamos a quimioterapia convencional por imunoterapia e terapia-alvo, que dão muito menos efeitos adversos do que a quimioterapia convencional do passado.”
Até a radioterapia, um dos tratamentos mais antigos em oncologia, tem sofrido transformações radicais nas últimas décadas. “Antes era feita numa região do corpo com um desenho de formas geométricas, como quadrado e triângulo, e hoje ela é desenhada geograficamente no ponto exato do tumor”, explica Piana.
Com essa evolução, mudou todo o padrão conhecido da terapia porque se tornou possível aplicar doses mais altas exatamente na área do corpo que precisa receber o tratamento.
“Como não vai irradiar tecidos normais, em vez de dividir a dose em 30 sessões, pode dar cinco ou seis sessões, bem concentradas em cima do tumor. Um tratamento de câncer de mama, que levava meses para fazer, agora se consegue fazer em poucos dias. E com menos toxicidade”, afirma Piana.
Tecnologia e inovação
O aumento na expectativa de vida e a evolução dos tratamentos estão diretamente ligados à inovação acelerada dos equipamentos usados para a detecção precoce da doença. A GE HealthCare, empresa que se tornou independente do conglomerado GE no ano passado, investe anualmente mais de US$ 1 bilhão em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novas soluções.
“Temos como diagnosticar de uma forma acurada e essa tecnologia tem tudo a ver com o que mais as pessoas estão precisando agora. Essa linha de cuidado à oncologia demanda muita transformação”, diz o CEO e presidente da companhia, Rafael Palombini.
Entre as muitas inovações introduzidas nos últimos anos, Palombini cita a tecnologia de mamografia Serena Bright, que consegue fazer uma biópsia que demorava um intervalo de 90 minutos em apenas 15 minutos.
Os equipamentos da GE HealthCare também já estão inseridos em conceitos de inteligência artificial (IA), ou deep learning, dotados de softwares que geram dados estatísticos para apoiar a prevenção e o diagnóstico da doença.
Boa parte dos avanços nos tratamentos hoje se deve muito ao mapeamento do genoma humano, no começo dos anos 2000. Ele permitiu que pesquisadores fizessem a correlação entre mutações no DNA e predisposição ao câncer. Com o passar do tempo, o sequenciamento genético passou a ser um dos maiores aliados da oncologia.
Hoje já existe no Brasil um equipamento rápido de sequenciamento genético, o Genexus, de Sequenciamento de Nova Geração (NGS, na sigla em inglês). Beatriz Pinto, gerente comercial de Ciências Clínicas LatAm da Thermo Fisher Scientific, explica que, quanto mais personalizado, mais cedo é possível fazer o diagnóstico molecular e melhores são as chances de o paciente ter êxito no tratamento.
“Diagnósticos precisam ser feitos de forma acurada. A linha de cuidados ligada à oncologia demanda muita transformação”
Rafael Palombini, CEO e presidente da GE HealthCare
“Substituímos a cirurgia aberta pela laparoscópica e depois pela cirurgia robótica, a quimioterapia convencional por imunoterapia e terapia-alvo, que dão menos efeitos adversos”
Victor Piana, diretor-geral do A.C.Camargo Cancer Center
Por uma vida feliz e produtiva
Os avanços promovidos por pesquisas, tecnologia e inovação na área oncológica fizeram prolongar, também, a sobrevida dos pacientes, e com isso a dedicação pela humanização e a valorização da sua jornada.
“O paciente oncológico muitas vezes ressignifica sua vida. Ele não quer se aposentar, pelo contrário, espera reencontrar uma vida feliz e produtiva. Nós temos muitos exemplos de pacientes que avaliam que se tornaram pessoas melhores depois do câncer”, diz Victor Piana, diretor-geral do A.C.Camargo Cancer Center.
Acolhimento e prevenção
Uma das dimensões dessa abordagem está no ambiente do trabalho do paciente. O A.C.Camargo tem um núcleo dedicado à reintegração desses profissionais. “Antes falávamos em reabilitação e hoje falamos em pré-habilitação. O foco é em como preparar o paciente para passar melhor pelo tratamento, interferindo o menos possível nas suas atividades.”
É preciso também deixar as empresas aptas para a nova realidade do profissional, pois colegas e gestores não sabem como lidar com a situação. Com frequência, a pessoa com câncer perde o protagonismo dentro da empresa, não sendo demitida por compaixão, mas sem chance de promoção. “É um equívoco, pois a grande maioria dos indivíduos com câncer hoje tem condição de trabalhar em alta performance depois do tratamento”, diz Piana.
O programa do hospital tem ajudado dezenas de empresas, preparando departamentos de recursos humanos e gestores para orientar sobre qual o impacto do câncer na vida dos colaboradores em tratamento e como pode ser maximizada a performance deles. Campanhas de prevenção e rastreamento para diagnóstico precoce também estão inseridas no programa.
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