Da vergonha pela psoríase à carreira de modelo: a história de Camilla Zanini

Na adolescência, ela escondia as marcas causadas pela psoríase. Mas descobriu que falar sobre o assunto nas redes era uma forma de se aceitar – e de ajudar outras pessoas

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Foto do author Ana Lourenço

Ainda na infância, Camilla Zanini, de 27 anos, notou uma mancha avermelhada em sua pele. Depois de meses indo em dermatologistas e fazendo tratamentos para alergias e dermatites que não davam em nada, finalmente veio o diagnóstico correto: psoríase. O tratamento envolveu de pomadas a imunossupressores. Mas muito além do que era visível para os outros, ela teve de lidar com o sentimentos que a doença traz.

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“Muita gente pensa que eu sou muito estressada, ansiosa, mas qualquer chateação, por menor que seja, cria uma lesão”, conta ela, que hoje divide essas particularidades sobre a doença em sua conta no Instagram. “É maravilhoso ter essa rede, porque quando eu comecei a me expor não tinha ninguém ali. Foi um tiro no escuro. Hoje eu conheço muita gente – é uma parte muito boa disso tudo.

“Eu tinha 10 anos quando surgiu uma lesão bem pequena que pegava um pedacinho do meu couro cabeludo até o começo da testa”, conta a modelo e estudante de medicina Camilla Zanini. Foi assim, do dia para a noite, que ela passou a conviver com a psoríase – doença crônica da pele, não contagiosa, que se caracteriza por manchas avermelhadas cobertas por escamas esbranquiçadas. 

Camila conta nas redes seu dia a dia com a psoríase Foto: Arquivo Pessoal

A doença tem relação direta com o emocional, o que a faz ser cíclica. Ou seja, às vezes as manchas estão muito fortes e outras, mais fraquinhas. Ansiedade e estresse, físico e mental, podem ser fatores desencadeantes. No caso de Camilla, o surgimento das feridas também mexia com o seu psicológico.

Quando foi diagnosticada, já estava na terapia. “Naquela época, eu nem dei tanta importância, porque era uma coisa muito pequenininha”, conta. O problema maior foi na adolescência, quando a doença se espalhou por todo o corpo. Aos 15 anos, seu corpo já havia sido completamente tomado por manchinhas – o que só complicou sobreviver aos hormônios e ao ensino médio. A maneira encontrada por Camilla foi se esconder e ser o mais “invisível possível”.

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“Quando aumentou a mancha na testa, cortei a franja. Depois, deu na perna, e passei a só andar de calça. E então começou no braço, e eu só usava blusa de manga comprida. Só que o detalhe é que eu morava em Mato Grosso e lá era 40 graus na sombra”, diz. “Cheguei a fazer terapia três vezes na semana.” 

Seu principal objetivo nessa época era evitar os olhares de repulsa e perguntas sobre se a doença era contagiosa. “Eu mentia e falava que era alergia. Se eu fosse a um clube, por exemplo, parecia que ninguém mais queria entrar na piscina depois de mim. Era um sentimento muito ruim”, recorda. 

Nos dias bons, porém, ela gostava de ser fotografada por um amigo e até era chamada por marcas para pousar como modelo. No começo, era tudo bem, mas depois de um tempo, passou a escutar que teria de mudar sua pele para poder ser agenciada. “Falavam: ‘Você vai ter de dar um jeito de dar uma amenizada, vai ter de sumir com isso’.” Para alcançar tais expectativas, ela começou a tomar injeções de corticoides, o que trouxe vários efeitos colaterais. 

Além da pele

Não se trata apenas de vaidade: a psoríase também causa dores, explica Camilla. “Eu tenho sorte porque elas não coçam. Mas doem bastante”, lembra. Ela conta que, algumas vezes, as feridas podem sangrar, porque deixam uma espécie de “ralado” sobre a pele. Como a epiderme fica muito fina e sensível, pode se ferir a qualquer momento. 

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Eu tive de aprender a ser forte e hoje fico feliz em ajudar pessoas que estão descobrindo a doença. Essa troca me mudou completamente

Recentemente, Camilla descobriu que também sofre de artrite psoriática, um tipo de artrite crônica que atinge as articulações de pessoas com psoríase. “Meu joelho e tornozelo sempre inchavam demais e eu não sabia o que estava acontecendo.” A reviravolta veio durante a pandemia. “Eu estava tão cansada de me esconder, era tudo tão difícil que decidi falar a verdade no Instagram”, comenta. Deu certo: desde então, ela divide suas questões (e frustrações) com a doença em uma comunidade composta por 13 mil seguidores. 

A conversa com outras pessoas – muitas delas, com os mesmos problemas – a ajudou no processo de autoaceitação, que vinha desde o início da carreira de modelo. “Hoje, eu me aceito 100%, não me escondo mais, mas tem muita gente maldosa. Eu tive de aprender a ser forte e hoje fico feliz em ajudar pessoas que estão descobrindo a doença. Essa troca me mudou completamente.” 

Camila atua como modelo e sonha em fazer fotos sem precisar esconder suas manchas Foto: Arquivo Pessoal

Com a autoestima lá no alto, as manchas até amenizaram, mas Camilla revela ter um ritual para evitar estresse. “Quando acontece alguma coisa que me deixa pilhada, falo para mim mesma: ‘Calma, respira, pensa nas suas filhas, em animais fofinhos. E tento não focar no problema, senão vão ser uns 15 dias para sumir ou para amenizar”, explica ela, que é mãe de Ariella, de 9 anos, e Rebeca, de 5.

Hoje, com as portas da inclusão mais abertas, ela admite estar vendo um progresso na indústria da moda. “Agora meu sonho é tirar fotos e não ver minhas manchas sumirem no Photoshop.” 

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