Há poucos dias fiquei sabendo de uma pessoa que recebeu a promoção da sua vida - o cargo era cobiçado por muita gente, uma concorrência tremenda. Talvez ela nem fosse a melhor para o cargo, pensava, mas estava animada com a possibilidade de fazer diferença na organização.
Depois de alguns anos na função, no entanto, ela sentiu que a pressão estava ficando muito grande. O desgaste emocional só fazia crescer. Começou a apresentar sintomas. Até que, para surpresa de todos, pediu para sair. A carga estava excessiva, ela sentia que não estava dando conta. Demitiu-se.
Os leitores de um caderno sobre bem-estar não hão de estranhar essa atitude - o respeito à saúde mental, dando atenção ao estado emocional, não é um conceito estranho a quem se interessa pelo tema. Mas aposto que muita gente - quem sabe até a maioria das pessoas - não aceitaria bem essa decisão.
Alguns diriam que a pessoa em questão foi fraca, não aguentou o tranco. São pessoas que acham tal atitude quase um defeito de caráter. Outros afirmariam se tratar de sinal dos tempos: quem crê nisso atribui às gerações mais novas uma postura inadmissível tempos atrás, “no meu tempo”, como dizem. Era uma época em que as pessoas aprendiam a engolir o choro, sem essa história de bem-estar - o negócio era fazer o que precisava ser feito e ponto. Se estava sofrendo, que aguentasse.
Talvez houvesse quem atribuísse tudo à incompetência. “Se fosse boa no que fazia, não teria de dar essas desculpas.” Quem pensa assim afirma que o discurso do bem-estar é um sinal de incapacidade. Ou então, de falta de vontade - a crença de que no fim das contas tudo se resume a preguiça também é bastante disseminada.
A surpresa é que a pessoa em questão, que me inspirou essas reflexões, foi o papa Bento XVI. Eleito papa em 2005, com 78 anos, surpreendeu o mundo após oito anos como o primeiro papa da era moderna - e um dos poucos da história - a renunciar.
Alegando que seu ministério requeria uma força física e mental que ele não tinha mais, concluía não reunir capacidade para seguir como papa. E agora, poucos dias atrás, veio a público uma carta na qual ele afirma que a insônia foi o fator central para a renúncia, tendo drenado sua força ao longo dos anos em que exerceu o papado.
Um papa, octogenário, doutor em Teologia, fluente em seis idiomas, autor de centenas de livros, dificilmente pode ser considerado fraco, preguiçoso, incompetente - ou millennial. Mas, de fato, sua atitude talvez seja um sinal dos tempos: quando finalmente respeitar a saúde mental vem se tornando tão importante como valorizar a saúde física.
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