Aluno do 4.º ano de Medicina na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Zeus Tristão, de 30 anos, se apresentou como voluntário para fazer a triagem de pacientes com sintomas da covid-19 que procuram o Hospital das Clínicas da universidade. Ele faz parte de um grande número de estudantes no fim do curso das áreas de Saúde que engrossam as fileiras de quem trabalha na guerra contra a pandemia pelo País. “Escolhi fazer Medicina para cuidar do próximo e essa é a razão pela qual estou disponível nessa linha de frente.”
Os alunos se apresentaram como voluntários antes mesmo da convocação feita pelo Ministério da Saúde na semana passada – o órgão lançou edital para chamar estudantes de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia para atuarem na atenção primária durante a pandemia.
Os jovens dizem que, embora não estejam formados, já têm conhecimento para compartilhar. Tristão é do grupo de 35 Expedicionários da Saúde que faz triagem em tendas montadas ao lado do hospital. “Atendimento presencial, levando pessoas com sintomas leves para isolamento em casa e encaminhando os mais graves para consulta médica e hospital. Somos os guardiões que direcionam pacientes ao atendimento de que precisam.”
A faculdade exigiu equipamentos de proteção individual e eles fizeram curso para usá-los. O grupo se reveza em três alunos por turno. Tristão é formado em Direito e optou por Medicina após descobrir um câncer no sistema linfático em 2015. “Faz cinco anos que entrei em remissão, mas a família ainda vê com receio minha decisão de trabalhar com possíveis pacientes de covid-19. Meu pais estiveram comigo no tratamento e estão preocupados, mas já não estou na faixa de risco. Eles entendem que quem escolhe essa profissão é como ser militar com risco de ir à guerra”, diz. “Vejo o paciente e me sinto no lugar dele, parece que é comigo, minha vida em jogo.”
No 6.º ano de Medicina na Unicamp, Isabela Schoenacker também é do grupo. “Me sinto na obrigação de ajudar com o conhecimento que tenho, mesmo ainda não tendo me formado”, diz ela, que não vê a falta de experiência como um empecilho. Mais novo no curso, David Cirigussi, de 25 anos, do 4.º ano, participou da organização de um grupo de alunos da Unicamp que desenvolveu o Telessaúde, de orientações sobre coronavírus por telefone. As pessoas podem tirar dúvidas sobre sintomas, transmissão e prevenção com cerca de 200 voluntários. “Em pouco mais de uma semana fizemos 225 atendimentos em 80% do Estado de São Paulo. Tivemos ligações também de Rio, Distrito Federal e até Amazonas”, diz ele. O trabalho tem supervisão de um professor e suporte da faculdade.
E o benefício do projeto não acaba com o fim da chamada. Os dados coletados servirão para um mapa com as principais demandas da população, o que pode ajudar a direcionar programas preventivos. Um software doado por uma empresa permite tabular as informações. Cirigussi trabalha em casa, em turnos de quatro horas. “Minha mulher também é estudante de Medicina e me dá suporte. Nós conciliamos, já que continuamos estudando a distância.”
Fernanda Cristina dos Santos, aluna do 5.º ano de Enfermagem, também esteve na origem do projeto, que nasceu da necessidade de levar informações confiáveis, em meio a uma onda de fake news. “Embora remoto, é gratificante passar informações com base oficial e científica. E quanto mais a gente dissemina informações corretas, melhor para a população. É desafiador, pois há informações novas a toda hora e é preciso estar sempre se atualizando”, conta.
Alunos de Medicina e Psicologia da PUC-Campinas, sob supervisão de docentes, também ajudam no atendimento via chat, de segunda a sexta, das 9 às 17 horas. A voluntária Ana Luiza Squillace, do 6.º ano de Medicina, diz que informação de qualidade evita idas sem necessidade a postos de saúde. “Contribui para não sobrecarregar os serviços hospitalares.”
Outros Estados
O voluntariado mobiliza também a Universidade Estadual do Rio (Uerj). No 4.º ano de Medicina, Gabriel Bittencourt, de 24 anos, se engajou na Policlínica Piquet Carneiro, zona norte carioca. “Auxiliamos na triagem de casos, com aplicação de testes físicos para verificar se o paciente está com problemas respiratórios. Os casos mais graves são direcionados para o hospital.” Os voluntários atendem também o Hospital Universitário Pedro Ernesto e já têm quase 300 adesões. O grupo já se mobilizou na arrecadação de verba para abrir mais 50 leitos de UTI.
O quartanista de Medicina da Universidade Federal do Paraná Caio Ribeiro, de 23 anos, trabalha desde a semana passada na triagem de pessoas com sintomas da covid-19 que buscam pré-atendimento em um pátio da administração regional em Curitiba. “A gente se sente mais útil e também aprende muito.” O governo estadual também chamou universitários para um serviço de orientação remota.
Bolsa é de R$ 1.045
No edital em que convoca alunos de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia para atuarem na atenção primária durante a pandemia, o governo federal oferece bolsa de R$ 1.045, por 40 horas semanais de trabalho. É possível ter bônus em programas de residência.
O Ministério da Educação, por causa da pandemia, autorizou temporariamente o estágio em hospitais de alunos dos dois últimos anos desses cursos.
Coordenadora do Telessaúde, a professora de Medicina da Unicamp Joana Fróes Bastos explica que os alunos têm treinamento e supervisão técnica. “É preciso deixar claro que é um serviço de orientação, não de consulta, que implicaria a presença de um médico.” Segundo ela, a ajuda virtual a pacientes com sintomas leves evita sobrecarga nos hospitais. “Há também casos em que a pessoa tem sintoma grave e não vai à unidade com medo de se contaminar. Então, é orientada a procurar o serviço médico.”
Muitas vezes, os jovens ficam abalados com a realidade dura do outro lado da linha, como problemas de moradia e alimentação, e a supervisão é importante. “Fazemos apoio direto ao aluno, mas temos também a retaguarda de outros médicos e professores para trabalhar a angústia emocional deles”, diz Joana.
A experiência lá fora
A Itália foi o primeiro país a antecipar a formatura de médicos para reforçar o combate à pandemia. Dez mil estudantes de Medicina no último ano do curso estão recebendo a graduação de forma antecipada, sem exames finais. Os novos graduados estão sendo destacados para casas de idosos, clínicas e serviços de triagem, liberando médicos experientes para os hospitais. Eles ajudam a preencher também as vagas deixadas por 80 médicos que se infectaram e morreram. Na sexta-feira, 30 formandos que tiveram a conclusão antecipada do curso receberam a láurea por videoconferência na Universidade Frederico II, em Nápoles.
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