Felipe me pergunta se conheço alguma orientação em relação ao protocolo de contenção hospitalar quando o paciente é autista. Ao voltar da anestesia após uma cirurgia no coração, sentir pés e mãos amarrados desencadeou uma crise que o levou a ser agressivo com familiares e médicos. “Talvez se tivessem me amarrado pela cintura. Ou fizessem o processo de dessensibilização, mostrando antes como e onde eu seria amarrado... algo que não fosse me falar isso na hora da sedação, enquanto pedem para eu assinar uma autorização para esse protocolo de contenção... e eu lá sei o que é isso? Assinei e tombei”.
Já existem estudos desenvolvidos por dentistas, por exemplo, sobre abordagens clínicas e técnicas de manejo em pacientes autistas, já que no consultório os pacientes podem apresentar mudanças comportamentais geradas pelos estímulos do ambiente. Passos importantes já foram dados mesmo que ainda haja o que fazer. Sempre vai ter como melhorar.
No dia 18 de junho foi celebrado o Dia do Orgulho Autista, e minha caixa postal lotou de mensagens. Descobri um levantamento do Google Trends que indica que nos últimos doze meses o Brasil foi o 4º do mundo com mais interesse de busca pelo assunto “Autismo”, o número um na América Latina. Conheci Fractais, podcast que trata de temas ligados às neurodivergências, do psiquiatra Alexandre Valverde, diagnosticado aos 42 anos de idade. E a publicação no Brasil do celebrado Humano à Sua Maneira, livro de Barry Prizant, médico estadunidense que defende a maneira como o autista experimenta o mundo, procurando entender as causas emocionais ligadas ao comportamento como forma de oferecer também ferramentas para o desenvolvimento.
Na fila preferencial do supermercado, a mãe de uma amiga, leitora dessa coluna, viveu uma situação estranha e pediu pra filha vir falar comigo: duas jovens em seus uniformes escolares estavam ali, e quando ela se aproximou e disse que a fila era para necessidades especiais, uma saiu de fininho e a outra berrou, eu sou autista. Bem, ser autista te dá direito à fila. Nada te dá direito de ser mal-educada com os outros. Agora, quando essa pergunta chegou, compreendi que o assunto se capilariza a cada dia, e com isso novas questões vem à tona.
Em 2017, ano do meu diagnóstico, nem esses conteúdos ou essa discussão eram acessíveis a quem estivesse fora da comunidade. O material disponível vinha de sites, blogs e associações ligadas ao tema, gente que vive o autismo no cotidiano. Se alguém me dissesse que em 2023 uma pessoa estamparia a coluna Direto da Fonte, nesse mesmo jornal, falando sobre sua descoberta do diagnóstico e como isso impactou sua vida e negócios, eu não acreditaria.
Do estigma de “naif” que todo autista carrega, abraço a parte que acredita e batalha pelo papel da comunicação como ferramenta de transformação social. A informação que permite acesso ao assunto à mais gente, e como isso pode impactar positivamente a qualidade de vida. A informação que leva a uma comunidade que tem se abraçado e atua na esfera das políticas públicas, questão central diante da desigualdade do Brasil.
É essa crença, que dá para existir e construir um país melhor, que faz com que eu apresente aqui assuntos diversos, que para alguns parece não se relacionar com autismo. Talvez perceber a ligação seja um segundo momento – primeiro há de se entender que há uma outra forma de estruturação e lógica de pensamento. O modo de pensar de uma mulher um autista nível um de suporte, que já foi chamada de Asperger, e que ainda fala com alguns amigos sobre “a vida com aspargos”.
Se a consciência do espectro transformou a maneira como me relaciono com o mundo, escrever esta coluna também. Aprendi mais sobre o autismo, o movimento e tantas questões que o cercam. Refleti sobre como fazer para o respeito pela neurodivergência ser uma história de todos. Realizei a adolescente que entrou na faculdade de jornalismo e que sonhava com a redação de jornal. Aos meus editores Daniel e Adriana, meu respeito e agradecimento pela troca. À você, leitor, agradeço a companhia, a leitura, e peço a generosidade de olhar para a vida sem esquecer do que experimentamos e discutimos aqui, juntos. A coluna se encerra nesta edição, o caminho continua. Literalmente.
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