O último dia do congresso da Associação Americana de Diabetes (ADA), 26 de junho, reservou uma surpresa aos médicos participantes. Foram divulgados os resultados de fase 2 de um estudo que avaliou o impacto de um novo medicamento injetável, a retatrutida, da farmacêutica Eli Lilly, em 338 indivíduos com sobrepeso ou obesidade. Após um ano de tratamento, os pesquisadores constataram uma perda média de peso de 24,2%. Os resultados foram publicados no The New England Journal of Medicine.
“Esses medicamentos estão mudando o paradigma em termos de percentual de peso eliminado”, afirma o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, que acompanhou a apresentação dos dados. Ele se refere ao time formado ainda por semaglutida (ou Ozempic) e a tirzepatida.
Mas a retatrutida dá um passo além. De acordo com o médico, o diferencial da nova molécula é que ela age em três hormônios diferentes: GLP-1, GIP e glucagon. Na prática, significa que aumenta a saciedade, diminui a fome e ainda turbina o gasto metabólico basal – ou seja, ajuda na queima de calorias. Daí porque os resultados na perda de peso se mostram mais expressivos em comparação aos demais remédios que atuam contra a obesidade.
Outro desfecho importante visto nesse grupo foi uma melhora na esteatose hepática, a popular gordura no fígado, que pode ser pano de fundo para diversas complicações na saúde, como cirrose e até câncer. Em alguns casos, a redução nesses índices chegou a 82%.
Mas o especialista faz questão de ressaltar que, “embora os resultados sejam extraordinários, estamos falando de estudos de fase 2″. Isto é, a quantidade de participantes é considerada pequena. “Só na fase 3 teremos dados mais confiáveis sobre a segurança. De qualquer forma, podemos dizer que a retatrutida passou pelas primeiras barreiras nesse aspecto”, comenta. Até o momento, o efeito colateral mais importante foi a náusea – nada muito diferente daquilo registrado com o uso da semaglutida.
Cabe destacar que as pesquisas de fase 3 já estão em andamento.
Impactos contra o diabetes
A retatrutida também foi avaliada entre pacientes com diabetes do tipo 2 – e os dados se mostraram igualmente animadores até aqui. Eles foram publicados no The Lancet. Nesse caso, 281 pacientes foram acompanhados durante 36 semanas. Os pesquisadores notaram, então, uma perda média de 17% no peso dos participantes. “Olhando o gráfico, percebemos que se trata de uma queda livre, que não atingiu um platô. Ou seja, se o acompanhamento continuasse, talvez a gente visse uma perda de peso mais expressiva ainda”, descreve Couri.
Segundo o especialista, outro efeito importante da retatrutida especialmente para esse grupo é que ela estimula o pâncreas a produzir mais insulina, o hormônio que ajuda a tirar o açúcar de circulação e, portanto, a controlar o diabetes.
“É importante lembrar que, mesmo entre pessoas que não perdem muito peso, esses medicamentos são excepcionais contra o diabetes”, esclarece Couri.
Acesso segue como o grande desafio
Mesmo que os estudos de fase 3 confirmem todo o potencial que a retatrutida representa para o tratamento da obesidade e do diabetes, o endocrinologista da USP de Ribeirão Preto aponta que o acesso ainda será um desafio no Brasil. “Estamos em um país que não tem uma política de tratamento para obesidade. No SUS, fala-se em dieta, exercício e cirurgia bariátrica. Ali, tratamento farmacológico não existe”, critica.
E quem decide comprar o medicamento precisa ajustar o orçamento familiar. No caso do Ozempic, o médico diz que o tratamento sai por volta de R$ 1 mil ao mês. “Isso impacta na adesão, porque é um tratamento crônico. E o maior erro dos pacientes é usar por alguns meses e, depois, parar”. Segundo ele, há estudos indicando que, ao interromper as aplicações, muita gente volta para a situação de base, jogando fora tudo o que foi conquistado até então.
“Tem muito chão ainda até a Anvisa aprovar o medicamento no Brasil. E podemos comemorar os dados preliminares. Mas, na minha cabeça, como médico que está na ponta, é essencial olharmos para esses medicamentos sob as perspectivas de acesso e engajamento”, avalia.
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