Diariamente atendo pessoas que usam corriqueiramente as balanças de bioimpedância, aquelas que, em alguns segundos, fornecem uma série de dados e complexos relatórios de distribuição da gordura corporal. Mas, atenção: eles normalmente são enganosos e devem ser interpretados com cuidado e desconfiança.
Como funcionam as balanças de bioimpedância
Esses equipamentos possuem eletrodos para emitir e receber sinais elétricos, medindo a impedância – a resistência do corpo à passagem da corrente elétrica. Existem diversos modelos de balança e, quanto mais complexo e avançado, maior o número de eletrodos e maior a variedade de frequências de sinal elétrico para tentar estimar a composição corporal. Para ter ideia, alguns aparelhos profissionais chegam a custar mais de 50 mil reais.
O processo tem início com a inserção de dados como idade, estatura e, em algumas versões, o nível de atividade física que a pessoa pratica. Aqui vai um alerta: qualquer centímetro a mais (ou a menos) na altura vai gerar distorção nos dados finais. Depois disso, a balança mede o peso e a tal resistência da passagem da corrente para fazer as demais estimativas. Perceba que estou usando a palavra “estimativa” e não “medição”, pois é isso que esse método faz: ele estima a composição corporal da pessoa.
Dentro do corpo, a corrente elétrica é transportada pela água. Considerando que os diferentes tecidos corporais possuem diferentes percentuais de água, isso é levado em consideração nas estimativas.
Com isso, já é possível entender que o estado de hidratação (ou de retenção hídrica) do indivíduo influencia diretamente no resultado. Na tentativa de diminuir essa variável, os fabricantes indicam um preparo rigoroso a ser feito antes da utilização – assim como é feito nos estudos científicos, numa tentativa de validação do método em relação a outros, mais robustos.
Contudo, no dia a dia, e até mesmo na prática clínica, muitos não seguem as recomendações – o que aumenta a margem de erro e compromete os resultados. O preparo pode variar de um fabricante para o outro, mas, no geral, inclui:
- Manter o estado de hidratação estável (ou seja, suor e temperatura podem influenciar);
- Ficar em pé por pelo menos 5 minutos antes da avaliação;
- Se estiver muito frio, aquecer o corpo por 20 minutos;
- Estar de bexiga vazia (e, preferencialmente, intestino também);
- Não se exercitar ou comer três horas antes da avaliação;
- Não consumir álcool ou cafeína em excesso nas 24 horas antes do teste;
- Não tomar banho ou usar sauna antes do teste.
Se você já fez teste de bioimpedância para estimar sua composição corporal, quantas vezes você respeitou esse protocolo?
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Analisando os dados gerados pela balança
Algumas marcas oferecem estimativas de massa magra, massa gorda e estado de hidratação, enquanto outras fornecem mais dados, como taxa metabólica basal (quantidade mínima que a pessoa gasta de energia por dia), densidade óssea, idade metabólica e quantidade de gordura em diferentes partes do corpo.
Por mais que esses cálculos pareçam muito tecnológicos, a bioimpedância não consegue avaliar com precisão a gordura por região. Investigando melhor sobre as evidências acerca de tal promessa, verifiquei que elas são poucas (encontrei duas), rasas e não se sustentam.
Outro ponto importante é que tem muito aparelho de baixa qualidade no mercado. Nesses casos, o erro da avaliação é grande e provavelmente deixará a pessoa mais confusa com relação ao seu corpo.
O que fazer com os dados?
Apesar de alguns modelos trazerem valores de referência para homens e mulheres, esses dados não têm necessariamente relação com saúde. Afinal, quando falamos de gordura corporal, existe um fator tão importante quanto a sua quantidade: a localização.
Sabemos que a gordura acumulada embaixo da pele, chamada subcutânea, possui baixa relação com doenças ou risco de morte. Já a gordura abdominal, especialmente a intra-abdominal ou visceral, tem uma alta relação com mortalidade e é, portanto, mais preocupante. Desse modo, se o receio é com a saúde, uma simples medida de circunferência abdominal, feita com fita métrica, já é suficiente.
Certa vez, uma médica me procurou preocupada após o exame de bioimpedância apontar excesso dessa gordura visceral, fator de risco para doenças crônicas. No entanto, a avaliação não podia estar mais equivocada. As balanças utilizam fórmulas baseadas principalmente em populações americanas e europeias, cujos padrões corporais frequentemente diferem do corpo típico de uma mulher latina, caracterizado por quadris largos e coxas volumosas.
Assim, a fórmula superestimou significativamente a gordura visceral dela, gerando uma preocupação desnecessária. Expliquei as limitações e possíveis erros de interpretação do aparelho, e ela me relatou que as mulheres da família tinham esse mesmo padrão corporal e que ela estava feliz com ele. Os exames laboratoriais indicavam que sua saúde estava ótima, e ela seguiu feliz com seu belo corpo violão.
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Afinal, é útil ou não?
Desde que respeitadas as orientações dos fabricantes, a bioimpedância pode ser útil como um acompanhamento, ou seja, uma análise de tendência do que pode estar acontecendo com o corpo. Mas lembrando sempre que ela é uma estimativa cheia de limitações.
Muitas vezes, o que vejo são pessoas que usam essas balanças todos os dias, e isso não faz sentido. Lembre-se de que peso é diferente de gordura corporal. Nosso peso varia dentro do mesmo dia e durante a semana. Já alterações na gordura demandam tempo, são mudanças de longo prazo. Se você gosta de ter parâmetros de comparação e não tem qualquer sentimento negativo relacionado a isso, não fica angustiado ou triste com oscilações, sugiro que faça o acompanhamento uma vez por semana, não mais que isso – e sempre nas mesmas condições.
Fazer esse tipo de avaliação em qualquer aparelho, sem o devido preparo ou conhecimento, pode trazer consequências negativas, como relacionamento ruim com o corpo e também com a comida. Pessoas que têm ou já tiveram transtorno alimentar ou transtorno obsessivo compulsivo devem ficar longe dessas ferramentas de controle.
A tecnologia traz inovações, mas toda vez que formos utilizar uma ferramenta precisamos ter em mente suas limitações e, sempre que necessário, buscar a opinião de um bom profissional. Lembrando que os números não são sinônimos de saúde: são apenas indicativos que precisam ser olhados com cuidado e, acima de tudo, com carinho. Afinal, é do seu corpo e da sua saúde física e emocional que estamos tratando.
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