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Nutrição, exercício e comportamento

Opinião | Carbofobia: Quem tem medo de carboidratos? É realmente necessário cortar esse nutriente da rotina?

Entenda por que o receio de consumir alimentos que são fontes de carboidratos está confundindo as pessoas

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Foto do author Desire Coelho

Você já olhou para uma fatia de pão quentinho e pensou: “Queria comer, mas carboidrato engorda”? Se a resposta for “sim”, saiba que você não está sozinho. O medo dos carboidratos é uma das maiores angústias dos pacientes hoje em dia. Afinal, pode ou não comer carboidrato? E aqui vai um spoiler: claro que pode, mas existem alguns pontos importantes a serem considerados.

Ao lado do arroz, o pão é um dos grandes símbolos de carboidratos na alimentação.  Foto: WS Studio/Adobe Stock

O que são carboidratos?

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São nutrientes presentes nos alimentos que, em sua maioria, fornecem energia de forma rápida.

Existem diferentes tipos, mas, geralmente, quanto mais simples o carboidrato, mais rápida é sua absorção pelo corpo. Isso pode ser uma vantagem nos esportes, porém, no dia a dia, é possível que tenha algumas repercussões, principalmente em relação à saciedade.

Alimentos ricos em carboidratos tendem a ter um baixo poder de saciedade. Logo, se a qualidade da refeição não for bem organizada, contemplando outros nutrientes, como fontes de proteínas e fibras, você pode ter fome rapidamente – cronicamente, isso pode gerar prejuízos à sua saúde.

Alimentação rica em carboidratos e saúde

Talvez você já tenha visto manchetes que relacionam o consumo excessivo de carboidratos ao ganho de peso, à obesidade e às doenças crônicas – e essa informação está correta. Contudo, aqui existe uma palavra-chave que os posts contra os carboidratos nas redes sociais normalmente ignoram: exagero. Para que ocorra o ganho de peso, é preciso que haja um excesso de energia disponível. Se não houver abuso, o corpo não vai “armazenar gordura extra”.

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Um estudo mostrou que, quando os carboidratos representavam mais de 77% da dieta das pessoas, o risco de morte podia subir em até 28% em comparação a indivíduos com dietas nas quais o nutriente fornecia 46% das calorias. Preocupante, certo? Porém, analisando com cuidado os dados do estudo, vemos que, na faixa entre 46% e 77%, outros grupos analisados não apresentaram qualquer diferença em termos de risco cardiovascular ou morte – e comer abaixo desses níveis tampouco se mostrou vantajoso.

Segundo esses dados, uma dieta considerada low-carb, que fornece apenas cerca de 25% de carboidratos, teria o mesmo efeito que uma com quantidade moderada de carboidratos. Com base nesses dados, já podemos começar a questionar o extremismo e terrorismo alimentar que vivemos.

“Cortei carboidratos e perdi 3 quilos na primeira semana”

Mas, se você já fez uma dieta restrita em carboidratos, provavelmente experimentou uma perda rápida de peso – o que tende a gerar empolgação. Mas o que talvez você não saiba é que essa perda de peso inicial não é de gordura, mas, sim, de água e massa magra.

Quando cortamos carboidratos, o corpo passa a usar suas reservas internas, o glicogênio, que, para formar sua estrutura molecular, requer bastante água. Por isso, nos primeiros dias de uma dieta sem carboidratos (ou com uma quantidade muito baixa do nutriente), o corpo passa a eliminar esse líquido que acompanha o glicogênio – inclusive, as idas ao banheiro aumentam. Se a pessoa mantiver a restrição e entrar em déficit calórico, ela até pode começar a eliminar peso, mas não se engane: essa perda inicial não é um emagrecimento verdadeiro.

A dieta cetogênica, uma das mais populares, parte desse princípio. Nela, o consumo de carboidratos por dia deve ficar abaixo de 50 gramas, algo como duas porções de frutas por dia. Esse baixo consumo faz com que o corpo utilize gordura como fonte de energia e produza corpos cetônicos (daí o nome cetogênica).

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No entanto, aqui existe outra confusão. O fato de o corpo usar primordialmente gordura como fonte de energia não significa necessariamente emagrecimento: vai depender do quanto a pessoa come no dia.

De qualquer forma, as chances de emagrecer são grandes, porque essa é uma dieta baseada em alimentos fontes de gorduras e proteínas, que apresentam alto poder de saciedade. Desse modo, depois de comer um bife com bacon, por exemplo, a pessoa fica muitas horas sem fome. Em conjunto, esses dois fatores ocasionam, em longo prazo, um déficit calórico e, consequentemente, perda de peso e emagrecimento.

Contudo, outro ponto relevante é que, quando comparada aos padrões habituais, essa dieta é extremamente restritiva e a monotonia na alimentação acaba diminuindo a aderência.

Carboidratos e exercício

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Se você é uma pessoa ativa, seus músculos adoram carboidratos! Um corpo “funcional”, com músculos ativos, sabe lidar melhor com esse nutriente. Ele usa o glicogênio armazenado para gerar energia, o que melhora sua performance. No entanto, se você consome muitos carboidratos e tem um estilo de vida sedentário, seu corpo pode ter dificuldade em processar esse excesso.

Um estudo mostrou que pessoas que andavam cerca de 10 mil passos por dia viram sua tolerância à glicose cair 17% em apenas duas semanas ao adotarem um comportamento mais sedentário (cerca de 1.500 passos). Portanto, manter-se ativo é um fator fundamental para uma boa relação com os carboidratos.

Não comemos carboidratos, comemos comida

Macarrão também é fonte de carboidratos. Foto: Comugnero Silvana/Adobe Stock

A verdade é que você não come carboidrato, você come uma deliciosa batata assada, um prato de macarrão, um pedaço de uma suculenta melancia... Ou seja, alimentos com toda a sua complexidade de sabor, aromas, texturas e nutrientes. Reduzir toda essa riqueza a um único nutriente torna a discussão rasa e sem sentido.

Os estudos que avaliam os nutrientes de modo isolado são fundamentais para a ciência tentar entender mecanismos específicos, mas extrapolar esses dados para o dia a dia é um erro.

Conforme a ciência vai evoluindo, descobrimos até mesmo que o conceito de índice glicêmico – que avalia a velocidade com que o carboidrato cai na circulação e altera os níveis de glicemia – não é tão relevante assim. Afinal, cada pessoa responde de um modo diferente ao mesmo alimento, e o que causa um “pico de glicose” em um indivíduo pode não causar em outro.

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Por isso, a individualização é o guia central quando pensamos em alimentação. Não existe uma fórmula única para a saúde perfeita. Se você ama alimentos ricos em carboidratos e os consome de forma equilibrada, está tudo bem. Agora, se a dieta cetogênica cabe na sua vida e te faz feliz, também está tudo bem.

O importante é descobrir o que funciona para o seu organismo e estilo de vida. Que maravilha é estarmos em sintonia com nosso corpo e podermos decidir o que faz sentido para nós, independente de modismos e comparações, não é mesmo?

Então, da próxima vez que você olhar para uma fatia de pão com medo, lembre-se: o carboidrato não é um vilão. O que pode nos fazer mal é a desinformação e nosso estilo de vida como um todo.

Opinião por Desire Coelho

Nutricionista e bacharel em esporte, doutora e mestre em Ciências pela USP, especialista em transtornos alimentares e em análise do comportamento. É autora do livro “Por que não consigo emagrecer?” e coautora do livro “A Dieta Ideal”

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