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Nutrição, exercício e comportamento

Opinião | Existe um novo tipo de fome; entenda o que isso representa para a saúde

Comemos por motivos fisiológicos e também em busca de prazer; agora, a ciência começa a definir um terceiro tipo de fome: a da microbiota

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Foto do author Desire Coelho
Atualização:

Já parou para pensar por que você come? A resposta talvez venha de imediato: porque nosso corpo precisa de energia. Mas não é só por isso. Comemos por motivos que vão além da necessidade fisiológica. Imagine a cena: está um calor escaldante, você está na praia, acabou de sair do mar e já sente o suor escorrendo. O que vem à mente? Talvez uma bebida bem gelada ou um sorvete refrescante. Agora, pense em outra situação: o dia está exaustivo, estressante. Você finalmente chega em casa e, quase sem perceber, sente vontade de comer algo reconfortante. Ou então, basta ver uma comida deliciosa para o impulso surgir – e, oras, por que não aproveitar?

Até pouco tempo atrás, os mecanismos responsáveis pela fome e vontade de comer pareciam bem determinados. Contudo, há mudanças em vista. Os mais recentes estudos na área indicam que há um novo tipo de fome: a da microbiota intestinal.

Comemos por motivos fisiológicos e também por prazer. Agora, estudos têm indicado que existe um terceiro tipo de fome, que tem relação com a nossa microbiota.  Foto: Delphotostock/Adobe Stock

Sobre a microbiota

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Trata-se do conjunto de micro-organismos que habitam nosso corpo – temos a microbiota da boca, da pele, vaginal, do trato urinário, respiratória, ocular e, claro, a intestinal.

A microbiota intestinal é composta por bactérias, vírus, fungos e outros micro-organismos, somando trilhões de hóspedes vivendo em nosso intestino. Estudar essa imensa diversidade não é uma tarefa fácil. Muitos estudos se baseiam em análises de fezes ou nas amostras da porção final do intestino. Considerando que o intestino adulto mede entre 6 e 9 metros e apresenta diferentes regiões e funções, é natural que a composição microbiana varie em cada parte.

Apesar dos inúmeros estudos e dos avanços, ainda sabemos muito pouco sobre como a microbiota intestinal interage com a nossa saúde e interfere no desenvolvimento de doenças. Quem tem por hábito tomar suplementos talvez se surpreenda com essa informação, dada a enorme gama de probióticos (suplementos com micro-organismos vivos) que prometem tratar os mais diversos problemas – diarreia, constipação, mau hálito, distúrbios gástricos, entre outros. É que, com frequência, a indústria de suplementos se adianta às evidências científicas – o que nem sempre é positivo.

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Uma questão instigante é até que ponto a microbiota pode ser responsável – e não apenas consequência – de determinados comportamentos e condições de saúde.

Um estudo publicado neste ano, com metodologia complexa, trouxe alguns achados interessantes. Em breves palavras, o trabalho investigou como certos metabólitos – isto é, substâncias produzidas pelo microbioma intestinal – podem influenciar a atividade do nervo vago, responsável pela comunicação entre intestino e cérebro. Os resultados mostraram que algumas moléculas produzidas por bactérias intestinais podem ativar ou modular a comunicação entre esses dois órgãos. Isso sugere, no fim das contas, que a microbiota exerce influência na regulação da fome.

Outro estudo, publicado em 2019, já tinha mostrado algo nessa linha. Por trás dessa relação estariam os neuropods, estruturas presentes nas paredes intestinais que facilitam a comunicação entre a microbiota e o sistema nervoso central e vice-versa. Os autores demonstraram que eles são ativados em resposta ao açúcar da alimentação e funcionariam quase como um botão que, quando ativado, estimularia o cérebro a “pedir” por alimentos ricos em açúcar.

Embora essa área de pesquisa esteja em estágio inicial e levante mais perguntas que respostas, a ideia de que a microbiota pode modular nossas escolhas alimentares tem ganhado cada vez mais força.

Alimentando a microbiota

Pense nela como animais na natureza. Cada um tem sua preferência alimentar e, quanto mais você nutrir determinado bicho, maior a chance de ele sobreviver e se multiplicar. Por isso, uma alimentação bem variada e rica em alimentos in natura e fibras – as bactérias boas do intestino amam fibras – é fundamental.

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Segundo esses estudos, uma alimentação monótona, rica em produtos ultraprocessados e hiperpalatáveis, pode resultar em uma microbiota que “pede” exatamente esse tipo de alimento. Isso explicaria por que as pessoas que consomem com frequência ultraprocessados e se propõem a aderir a uma dieta mais saudável geralmente têm grande dificuldade em mudar seus hábitos alimentares.

Dicas para cuidar da sua microbiota

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  1. Consuma uma alimentação rica em fibras (e água). Prefira alimentos crus, que terão as fibras mais intactas; caso não goste da textura, experimente cozinhar levemente até ficar “al dente”. Mas, gradualmente, tente se habituar a texturas mais rústicas.
  2. Introduza regularmente alimentos fermentados (de qualidade), que contenham bactérias benéficas, como iogurtes, kefir, chucrute e outras conservas, a exemplo de vinagre, kimchi, entre outros.
  3. Consuma antioxidantes e compostos bioativos. Frutas vermelhas (como morango), açaí (puro), cacau, uvas, chá verde, alho, cebola e sementes são algumas boas pedidas.
  4. Evite ultraprocessados que contenham emulsificantes: existem dois tipos principais que têm sido associados a uma piora da microbiota: polisorbato 80 e carboximetilcelulose. Eles estão presentes em muitos alimentos, inclusive em bebidas proteicas da moda.
  5. Nem só de comida vive a microbiota: atividade física, fumo, uso de medicamentos, sono e regulação das emoções também influenciam diretamente nossas hóspedes. Por isso, cuide-se de forma ampla.

Cada refeição representa uma oportunidade de aprimorar seu bem-estar e esse ecossistema intestinal.

Comer não se trata apenas de saciar uma necessidade energética ou um desejo, mas também de zelar por um verdadeiro universo interior. Por isso, ao se alimentar, pense: qual o melhor que posso fazer agora?

Pequenas mudanças podem trazer grandes benefícios para sua saúde e qualidade de vida.

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Opinião por Desire Coelho

Nutricionista e bacharel em esporte, doutora e mestre em Ciências pela USP, especialista em transtornos alimentares e em análise do comportamento. É autora do livro “Por que não consigo emagrecer?” e coautora do livro “A Dieta Ideal”

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