EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Nutrição, exercício e comportamento

Opinião | Não deixe o terrorismo nutricional atrapalhar as festas de fim de ano e as férias

Que tal parar de seguir influenciadores que só colocam medo e angústia no seu prato e começar o ano com mais leveza emocional?

PUBLICIDADE

Foto do author Desire Coelho
Atualização:

Recentemente, um famoso médico influenciador causou furor ao postar um vídeo no mínimo infeliz, dizendo que 250g de panetone equivalem a 8 colheres de sopa de creme de avelã. Com o choque causado pela informação rasa, esse vídeo viralizou e milhares de pessoas expressaram nas redes sociais o sentimento de culpa por terem se permitido saborear essa delícia natalina.

PUBLICIDADE

Apesar da informação não estar exatamente errada, a enganação é que no vídeo ele mostra uma fatia pequena, levando as pessoas a entenderem que aquela porção era a referência. No entanto, um panetone convencional pesa 400g, o que significa que uma porção de 250g equivaleria a mais da metade – e com certeza ninguém acharia que mais da metade de um panetone tem poucas calorias.

O fato é que esse episódio não é um caso isolado e é um exemplo daquilo que podemos chamar de terrorismo nutricional, cada vez mais comum nas redes sociais. Vou explicar melhor.

O chamado terrorismo nutricional pode alimentar a ansiedade e causar danos à saúde. Foto: ronstik/Adobe Stock

Já ouviu falar em nutricionismo?

Na nutrição, o reducionismo do alimento por algum de seus componentes – seja calorias, micronutrientes, efeitos na saúde ou algum outro fator – leva o nome de “nutricionismo”. Esse termo foi originalmente cunhado em 2002 pelo pesquisador australiano Gyorgy Scrinis e depois popularizado pelo escritor americano Michael Pollan, cujo trabalho admiro muito. O nutricionismo ignora fatores culturais, ambientais e a complexidade que envolve a alimentação – e muitas vezes é a base que sustenta o terrorismo nutricional.

Na contramão do post do médico do panetone, algumas pessoas me encaminharam um vídeo muito engraçado do Fábio Porchat, no qual ele brinca com os influenciadores da área da saúde (ele cita os nutricionistas, mas sabemos que não são apenas nutricionistas que falam de comida) e aborda a comparação esdrúxula que alguns fazem de que um pão francês equivale a sete maçãs. Ele reitera que isso é óbvio, pois apenas sete maçãs podem fazer jus à delícia que é comer um pãozinho. Embora o cálculo esteja errado, a piada nos faz refletir sobre o fato de que o prazer de comer também deve ser valorizado.

Publicidade

Ansiedade prejudica a alimentação

É cada vez mais comum encontrar nas redes sociais diversos perfis, inclusive de profissionais da área da saúde, que, com o intuito de ganhar cliques, disseminam conteúdos e manchetes alarmistas, provocando desinformação e terrorismo nutricional – por falta de conhecimento ou má fé. O preocupante é que eles são seguidos por milhões de pessoas que, inadvertidamente, acreditam e ajudam a disseminar esses conteúdos. Agora, é importante ressaltar que nunca foi tão fácil para um bom profissional checar as informações e verificar se há evidências científicas sobre elas em fontes confiáveis.

O terrorismo nutricional e a desinformação, além de poderem causar danos à saúde, também alimentam a ansiedade. Esta, por sua vez, pode se transformar em compulsão alimentar. Aí, ao cometer aquilo que julga ser um “erro” alimentar, a pessoa se sente frustrada, desanimada. Depois de algum tempo, ela reinicia o ciclo, na esperança de que dessa vez seja diferente. É o que chamamos de “ciclo da dieta restritiva”, que, com o tempo, se torna uma prisão: as dietas não funcionam em longo prazo e o ciclo de tentativas frustradas continua.

Um estudo publicado em 2012, intitulado ‘Does Dieting Make You Fat?’ (algo como “Fazer dieta faz você engordar?”) observou o impacto das dietas restritivas no ganho de peso ao longo de nove anos. O mais interessante é que foi realizado com pares de gêmeos. Quando comparados no decorrer desse tempo, os que mais faziam dietas restritivas eram os que apresentavam maior peso em relação ao irmão que não seguia esse padrão. Na vida real, o que o irmão mais pesado tende a fazer para tentar emagrecer? Uma nova dieta, e o ciclo se reinica...

Meu desejo para 2025

É que você consiga entender a beleza do corpo humano, como ele é flexível e consegue lidar com as variações da nossa alimentação.

Em vez de rotular os alimentos em “bons ou ruins”, reflita sobre a qualidade da sua alimentação como um todo: uma dieta saudável deve priorizar os alimentos in natura, mas há espaço para os prazeres de uma fatia de um bom panetone, pizza ou o que você gostar. Para quem curte, comer uma fatia de panetone no Natal é comparável apenas a ... comer uma fatia de panetone numa época tão prazerosa e única quanto o Natal. Da mesma forma que comer uma fatia de um bolo de aniversário.

Publicidade

Sair para celebrar, comer e beber com os amigos e com quem se ama só é equivalente a outra experiência do mesmo tipo. O segredo do sucesso é não sair de casa com fome, para não exagerar.

Que 2025 seja um ano de saúde, prazer e conexão com seu corpo. Afinal, quem melhor do que você mesmo para cuidar bem dele?

Opinião por Desire Coelho

Nutricionista e bacharel em esporte, doutora e mestre em Ciências pela USP, especialista em transtornos alimentares e em análise do comportamento. É autora do livro “Por que não consigo emagrecer?” e coautora do livro “A Dieta Ideal”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.