“Sexo bom é sexo falado”, declara a psicóloga e terapeuta sexual Denise Miranda de Figueiredo. De acordo com ela, a busca pelo ápice do prazer passa pelo conhecimento – tanto o pessoal quanto do parceiro. Por meio da conversa é possível entender, por exemplo, o que de fato o outro considera prazeroso. “A sexualidade é uma parte integral do ser humano, mas a concebemos a partir do que a gente aprende ao longo da vida”, explica. Essa construção tem a ver com a história de cada um e também com as experiências vividas.
É como se cada indivíduo já tivesse uma percepção do que dá prazer: penetração, preliminares ou um jantar romântico. E todas as escolhas são válidas, mas nem sempre são as mesmas do parceiro. Por isso, construir essa intimidade é interessante para a vida sexual do casal. “Quando você confia em alguém, consegue ir além. Tanto para usar suas fantasias quanto para trazer o inédito e, com isso, aguçar o desejo e sair da monotonia”, diz a sexóloga e psicóloga Marina Simas de Lima.
O Dia do Orgasmo, comemorado nesta segunda, 31, incita o debate sobre sexualidade, considerado essencial pelas especialistas. “A gente percebe que isso ainda é um tabu. É difícil para os casais compartilharem as suas fantasias e até falarem sobre orgasmo”, conta Denise. Só que a prática sexual não é um hábito banal. Trata-se de um pilar importante da saúde. Além de ser aliada da saúde cardiovascular, ela aumenta a produção de hormônios como dopamina, oxitocina e endorfina, que agem em prol do bem-estar mental. Ainda beneficia o sistema imunológico, favorece o sono e combate a ansiedade.
Marina e Denise, que fundaram o Instituto do Casal, organização com mais de 30 anos de estudos sobre relacionamentos e sexualidade humana, decidiram ajudar as pessoas a conversarem sobre o tema. Para isso, acabam de lançar o livro-caixinha “Vamos falar de problemas sexuais” (Editora Matrix), que traz cartas com perguntas sugeridas pelas autoras para estimular o diálogo sobre pontos que podem influenciar a vida sexual. Apesar de não existir um manual para ser seguido à risca – afinal, cada indivíduo tem o próprio desejo e prazer –, algumas questões são fundamentais para todo mundo.
“Muitos casais têm a tendência de seguir roteiros prontos e essa pode ser a possibilidade de ampliar repertório e transitar por caminhos que eles nem imaginavam que existiam”, comenta Marina. Outros terapeutas e profissionais de saúde também podem utilizar as questões levantadas na obra para aprofundar as consultas. “As perguntas devem ser feitas em um momento de tranquilidade, como uma maneira lúdica de o casal refletir sobre a relação”, orienta Denise.
Nem todas as indagações precisam ter uma resposta imediata, pronta e acabada. Elas podem servir simplesmente para o casal iniciar uma discussão mais alongada. Caso encontre muita dificuldade de conversar sobre o assunto, a visita a um terapeuta sexual pode ser interessante. No livro, as especialistas sugerem 100 questões. Separamos nove para quem quiser experimentar – e pedimos para as autoras comentarem a importância de debatê-las.
‘Na sua opinião, como a saúde mental afeta a sua sexualidade?’
É preciso pensar no ser humano como um todo, que exerce diversos papéis: profissional, maternidade/paternidade e como casal, por exemplo. Portanto, fatores emocionais, financeiros ou laborais podem prejudicar a libido. “A cabeça absorve tudo e, quando vamos para a cama, os problemas vão junto. Isso pode dificultar a entrega”, coloca Denise. Além disso, muitas vezes há uso de medicamentos (como pílulas anticoncepcionais e antidepressivos) capazes de interferir no desejo sexual.
Outro problema pode ser a ansiedade ou preocupação com o desempenho – algo que acontece mais com casais novos. A autocobrança aumenta a chance de não ter prazer, pois dificulta a conexão com o outro, e até com nós mesmos. De acordo com as especialistas, a leveza é primordial.
‘Você se sente à vontade para discutir questões sexuais com seu (sua) parceiro (a)? Por quê?’
Nem todo mundo fica à vontade de falar sobre os sentimentos, imagine, então, sobre prazer. Para conversar sobre a sexualidade é preciso construir um ambiente seguro. “É a partir do diálogo, da confiança e do vínculo que estabelecemos a linguagem como casal”, defende Denise.
O bate-papo não precisa esgotar todos os assuntos ou acontecer somente uma vez. A sexualidade pode ser fluida e a retomada da conversa em diferentes oportunidades é benéfica para a relação.
‘Você sente dor nas relações sexuais?’
Falar sobre dor é imprescindível para a saúde sexual. Além de comentar sobre esse tópico com o parceiro, é importante levar o assunto para a consulta com ginecologista ou urologista. Até para entender se o incômodo é uma questão física – ocasionada por problemas como dispareunia, vaginismo ou infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) – ou emocional, fruto de traumas. “A dor constante na relação pode desgastar casal e transformar o sexo em algo não-prazeroso. A partir da informação é possível buscar recursos para melhorar”, diz Denise.
A fisioterapia pélvica, segundo as psicólogas, é um exemplo de estratégia para fortalecer a musculatura íntima e evitar problemas. “Os profissionais fazem um trabalho de dessensibilização da área vaginal”, explica Marina. Assim como nos dedicamos à musculação para tonificar braços, pernas e afins, também temos que cuidar dessa região. “Se você tem um assoalho pélvico fortalecido, a tendência é ter um sexo de melhor qualidade, com mais prazer e orgasmo.”
Leia também
‘Você acha que com a idade as relações sexuais tendem a acontecer com mais dificuldade?’
É preciso levar em consideração o momento de vida do casal e entender que isso pode contribuir para a diminuição da libido. Filhos pequenos, promoção no trabalho e até planos de viagem podem atrapalhar a vida sexual. E, segundo Marina, se dependermos somente dos hormônios, a tendência é deixarmos o sexo de lado com o passar dos anos, já que as mulheres entram na menopausa e os homens, na andropausa.
Além disso, é importante ter em mente que sexualidade é diferente para homens e mulheres: desde as maneiras de seduzir até o período refratário (espécie de esgotamento corporal). Por isso, é essencial descobrir o que funciona especificamente para cada casal e, assim, focar na qualidade – e não na quantidade.
“Muita gente fica esperando bater a vontade para iniciar o sexo, mas, principalmente em casamentos de médio e longo prazo, o tempo é curto. Às vezes, é preciso agendar um horário com o parceiro para ter um tempo de qualidade e, assim, construir a sua sexualidade”, recomenda Marina. Talvez o sexo não precise ser espontâneo para acontecer.
‘Alguma situação vivida no passado pode interferir em sua sexualidade hoje?’
Os traumas podem ser vários: desde eventos mais sérios, como abusos sexuais, abortos e gravidez indesejada, até relações desequilibradas e comentários sobre o corpo que afetaram a autoestima daquela pessoa. “Se eu sei que meu parceiro tem um trauma, posso até não ter ideia do que fazer, mas consigo buscar ajuda e ser mais cuidadosa, mais respeitosa”, nota Marina.
Os homens, por exemplo, podem se esforçar para transar, mesmo sem vontade, devido a conceitos que eles carregam sobre masculinidade. “Isso interfere fortemente na maneira que ele expressa a sua sexualidade”, relata a psicóloga.
‘Conflitos mal resolvidos ou ressentimentos afetam ou já afetaram o seu relacionamento sexual? De que maneira?’
Não é raro levar para a cama ressentimentos ou mágoas com o parceiro. De novo, a conversa (sempre ela) precisa ser estabelecida para que o sexo não vire uma moeda de troca. “As pessoas ainda misturam muito sexo com merecimento ou punição, como se fosse um presente ou castigo para o outro. Mas esquecem que é algo também para si. Quando colocamos o sexo nesse lugar, damos a ele outros significados”, explica Marina.
‘Você sente que seu (sua) parceiro (a) está emocional e fisicamente presente durante o sexo?’
Estabelecer uma conversa favorece a confiança e a entrega. Mas é preciso estar 100% presente na hora do sexo – caso contrário, isso pode até ser fonte de trauma para o outro.
Uma dica de Denise é preparar o ambiente para que os momentos íntimos aconteçam de forma mais natural, já que até barulhos como o do telefone ou dos pets podem atrapalhar. Tente também afastar certos pensamentos e se concentrar no parceiro. O processo pode ser muito mais importante do que o resultado final.
‘Como você lida com seu corpo? Isso afeta a sua sexualidade hoje?’
Atualmente, as pessoas se cobram muito para serem perfeitas, inclusive esteticamente. Se houver frustração nessa área, a relação íntima pode se tornar desconfortável para ambos. “Precisamos flexibilizar essa ideia de perfeição rígida, com base no corpo que é mostrado pela mídia”, alerta Denise. Ter uma relação legal com as suas próprias formas é algo essencial para a vida, segundo a psicóloga.
O autoconhecimento ajuda nesse processo, e isso pode incluir exercícios como se olhar no espelho quando estiver sem roupa e praticar a masturbação para conhecer cada pedaço do próprio corpo.
‘Quando você tem uma relação sexual, que emoções e sentimentos geralmente ela desperta?’
“Olha que legal perguntar isso para o parceiro e fazer ele parar para pensar”, estimula Marina. De acordo com ela, não existe uma resposta pronta, e isso coloca o casal em conexão. A pergunta também funciona como uma abertura para compartilhar preferências no sexo. Descobrir que determinada atitude gera tal sentimento pode ser uma maneira de construir um roteiro para uma relação de mais prazer.
“A informação sobre o que desperta a sexualidade do parceiro desmistifica uma série de coisas, além de reduzir a idealização e trazer ganhos concretos para a vida sexual”, conclui Denise.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.