Nunca é fácil receber um diagnóstico de câncer, uma doença rodeada por tabus. Mas, de acordo com o empresário Fernando Goldsztein, de 56 anos, o diagnóstico pessoal não é nada perto da dor de escutar que seu filho tem a doença. “Você fica sem chão, deseja trocar de lugar com ele. É uma sensação muito estranha”, afirma.
Em 2004, quando teve um condrossarcoma (tumor maligno no osso), Goldsztein fez o tratamento, tirou parte do calcanhar, recebeu um enxerto e, hoje, até corre maratonas. Mas quando o filho Frederico, na época com 9 anos, foi diagnosticado com meduloblastoma – tumor cerebral com baixa taxa de sobrevivência –, a situação foi outra.
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“Nenhuma criança deveria ter câncer. Eles têm a vida inteira pela frente, estão em desenvolvimento, é muito triste. Foi terrível meu diagnóstico, mas foi mil vezes mais terrível lidar com o do meu filho”, afirma ele, que, após o baque, decidiu doar US$ 3 milhões para a criação de um centro de pesquisa que estude tratamentos mais eficazes contra o tumor.
O que é o meduloblastoma?
O meduloblastoma é um dos cânceres mais frequentes e malignos que acontecem durante a infância. Anualmente, no mundo, cerca de 30 a 40 mil crianças são diagnosticadas com a doença. Em geral, elas têm de 5 a 7 anos de idade, mas esse tumor também pode surgir em adolescentes e, mais raramente, em adultos.
“É importante dizer que o meduloblastoma é um grupo de tumores malignos bem heterogêneo”, descreve Nasjla Saba, neuro-oncologista do Hospital do GRAACC. A taxa de cura fica ao redor de 70%, mas varia muito, justamente porque depende do tipo específico de tumor. Porém, a médica afirma que o tratamento é bastante agressivo em todos os casos.
“Existe um grande índice de sequelas”, diz a especialista. Elas podem incluir problemas no crescimento, déficits cognitivos (marcados por esquecimentos), distúrbios hormonais e até mesmo um segundo câncer – há 10% de risco de isso acontecer.
Quanto menor a idade, piores podem ser os efeitos colaterais do tratamento. A quimioterapia e a radioterapia são tão agressivas para o cérebro da criança que, de acordo com Nasjla, se o paciente tiver menos de 4 anos, a preferência é realizar um transplante autólogo de medula e, assim, evitar a radiação.
Cabe destacar ainda que há uma probabilidade de 30% de a criança ter uma recidiva – ou seja, encarar a volta da doença após a sua remissão. E, aí, o quadro fica mais complexo. “Quando a criança passou por um transplante, existe 50% de chance de cura durante uma recidiva. Agora, se ela já recebeu radioterapia e esse câncer retornou, é bem difícil alcançarmos a cura. A gente vai atrás de deixá-la bem e garantir uma sobrevida prolongada”, explica.
A maior esperança está justamente na ciência, que pode encontrar caminhos para a cura, além de tratamentos que minimizem as sequelas. Afinal, as estratégias contra o meduloblastoma são praticamente as mesmas usadas desde a década de 1980 – muito pouco mudou nos últimos anos.
Dando uma força à ciência
A condição financeira de Goldsztein permitiu que o filho tivesse acesso às melhores terapias disponíveis, porém, três anos depois de finalizar o tratamento, em 2019, o tumor de Frederico voltou. Inconformado com a situação, o empresário decidiu agir. Conversou com o médico Roger J. Packer, do Hospital Children’s National, nos Estados Unidos, um dos mais importantes centros pediátricos do mundo, e debateu sobre o que poderia ser feito para ajudar a ciência a avançar.
Ele entendeu que o investimento em pesquisa era o caminho e, assim, resolveu fazer uma doação de US$ 3 milhões (o equivalente, à época, a R$ 15 milhões de reais) para ajudar na causa. “Eu fiquei muito impressionado com o impacto desse dinheiro e fui atrás de ajudar ainda mais.”
Assim nasceu o The Medulloblastoma Initiative (MBI), projeto criado por Goldsztein que promove a pesquisa e a busca por novos tratamentos para crianças com a doença. Em dois anos, os US$ 3 milhões iniciais doados por Goldsztein viraram US$ 10 milhões e foram distribuídos entre 13 laboratórios espalhados pelo mundo que tentam encontrar a cura – e, ao que tudo indica, eles estão no caminho certo.
“O câncer é algo complicado também por ser (um tratamento) longo, duradouro. Você acorda todos os dias e tem esse assunto. Mas a gente tem que perseverar e ir atrás. Não dá pra se abater”, diz o empresário.
Com apoio do MBI, o médico e cientista Duane Mitchell, da Universidade da Flórida (EUA), tem trabalhado no desenvolvimento de imunoterapias contra o meduloblastoma. Esse é um tipo de tratamento que usa o sistema imunológico do próprio paciente para combater o tumor. A ideia é tornar nosso sistema de defesa mais eficiente para reconhecer e destruir as células cancerosas. A previsão é de que a estratégia seja testada em pacientes no início do ano que vem.
“A nossa ideia é trazer o teste clínico em primeira mão para o Brasil, em retribuição aos doadores brasileiros. E quando acharmos a cura dessa doença, e não digo ‘se’, digo ‘quando’, isso vai ser levado para vários lugares do mundo”, garante Goldsztein.
De acordo com a Nasjla, os estudos com imunoterapia estão avançando muito e são investimento certo – não só para o meduloblastoma, mas para outros tipos de tumores. “O que mais me emocionou na história do Fernando é que, diante de uma situação tão árdua, ele decidiu que dinheiro não é nada. A vida vale mais”, diz.
“Algo que virou maior que meu filho”
Hoje, Goldsztein dedica todas as suas horas de trabalho ao projeto. O restante do tempo é convertido em momentos de qualidade com a família, formada por Frederico, hoje com 16 anos, a mulher Barbara, e mais um filho, Henrique, de 10 anos.
“Isso tudo mudou completamente meus valores, minha maneira de pensar. Resolvi fazer desse problema o meu propósito de vida. Eu poderia estar preocupado em acumular mais dinheiro e bens, mas, hoje, meu objetivo é outro. Depois de achar a cura (para o meduloblastoma), vou buscar outras formas de ajudar e lutar contra o câncer infantil”, assegura.
O otimismo, ele confessa, aprendeu com o filho. Depois de participar de dois ensaios clínicos, Frederico está estável e sonha com o futuro. “Ele está lidando com isso durante metade da vida dele e, até hoje, sua força me impressiona”, diz, orgulhoso. “É um guerreiro.”
A esperança é de que a batalha da família sirva de exemplo e também de estímulo a quem tem condições de abraçar os mais variados tipos de causas. “Mais do que juntar recursos, a gente procura criar conscientização sobre o problema. Isso tem que inspirar a sociedade. Não dá mais para entender pessoas que não fazem filantropia”, afirma.
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