A interação dos alimentos com as emoções, os efeitos dos nutrientes no bem-estar e o papel da microbiota intestinal no humor estão entre os tópicos mais investigados em centros de pesquisa pelo mundo.
“As descobertas em torno do eixo intestino-cérebro têm revolucionado a ciência”, comenta o psiquiatra Arthur Guerra, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que, junto da chef de cozinha Morena Leite, do restaurante Capim Santo, está lançando o livro Terapia na cozinha (Editora Sextante). Muito além de experiências culinárias, as páginas trazem relatos saborosos de viagens e reflexões sobre a relação com a comida.
“A alimentação envolve aspectos culturais, sociais, ambientais e emocionais”, afirma Morena. Tanto a chef quanto o médico consideram o ato de cozinhar – como o título da obra entrega – uma espécie de terapia.
Morena menciona, inclusive, ensinamentos de monges budistas que acalmam a mente enquanto separam ingredientes, cortam, misturam, ajustam temperos e servem seus pares.
“Preparar o jantar ou mesmo acompanhar o processo, auxiliando quem está com a mão na massa, pode ajudar a virar a chave e afastar preocupações do trabalho, por exemplo”, diz Guerra.
Vale criar um tipo de ritual e valorizar as etapas – não só ao fazer as receitas, mas na arrumação da mesa e na escolha da toalha, dos guardanapos, dos talheres e demais utensílios.
“E durante a refeição é fundamental estar ali, presente, saboreando e interagindo com as pessoas”, diz Morena. Não há lugar para celular, portanto. “Observar a satisfação e receber sorrisos de agradecimento daqueles que provam os pratos traz as melhores sensações”, relata a chef.
Padrão mediterrâneo
Valorizar as relações e a convivência é outra recomendação que favorece a saúde mental. Inclusive, trata-se de uma das premissas da dieta do Mediterrâneo, plano alimentar que desponta em artigos científicos pela atuação a favor do cérebro.
Um trabalho recente, publicado no periódico The American Journal of Clinical Nutrition, mostra efeitos neuroprotetores atrelados a uma nova versão, chamada de dieta mediterrânea verde, que aconselha a inclusão de uma quantidade ainda maior de vegetais, além de redução de carne vermelha. “Também inclui itens como o chá verde e uma planta asiática conhecida como mankai”, diz a nutricionista Lara Natacci, da Diet Net, em São Paulo.
Para Lara, parte dos benefícios apontados no estudo têm tudo a ver com a concentração de polifenóis – substâncias de ação antioxidante e anti-inflamatória – vindas, sobretudo, de frutas e de hortaliças.
Os pesquisadores mencionam ainda o equilíbrio glicêmico. “Eles relacionam as melhoras nos níveis de glicose com impactos positivos na memória e aprendizagem”, comenta.
Além de frutas, verduras e legumes, o festejado plano alimentar conta com a presença de grãos integrais, castanhas e sementes, fornecedores de fibras que ajudam a regular as taxas de açúcar no sangue.
Lara faz questão de salientar que não é preciso buscar ingredientes estrangeiros para seguir o padrão mediterrâneo, basta rechear com itens nativos. Não faltam opções.
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O amazônico açaí, por exemplo, já mostrou seus poderes em prol da cabeça. “Há evidências de que sua rica mistura de nutrientes e fitoquímicos, com destaque para as antocianinas, que lhe conferem a cor roxa, afetem processos cerebrais envolvidos na regulação do humor”, explica a nutricionista e fitoterapeuta Vanderlí Marchiori, conselheira da Associação Brasileira de Fitoterapia (ABFIT).
A lista de representantes nacionais contempla ainda jabuticaba, pitanga, goiaba, caju, entre tantos que esbanjam antioxidantes. “Neutralizar os radicais livres é uma estratégia fundamental, já que o excesso dessas moléculas pode desencadear danos aos neurônios”, diz Vanderlí.
Outro fruto brasileiro envolvido em benesses é o guaraná. Estudos mostram que favorece a memória. “Contém um grupo de compostos conhecido como catequinas, do qual faz parte a epigalocatequina e que torna tão prestigiado o chá verde”, diz Vanderlí. A nutricionista destaca ainda as xantinas, caso da teobromina e da cafeína, que contribuem para a disposição. “Basta uma colher (café) do pó de guaraná diluído em um copo de água ou no suco da preferência”, ensina. Banana e maçã são boas combinações.
Por falar em cafeína, o café não poderia ficar de fora, a bebida é mais uma aliada contra o desânimo. Só não vale entornar um balde, excessos atrapalham o sono e noites mal dormidas acabam com a paciência de qualquer um. Diretrizes sugerem entre duas e três xícaras por dia.
Equilíbrio é a palavra-chave, aliás, as dietas da moda, que excluem o carboidrato, por exemplo, também podem mexer com o humor. Indispensável ao pique, o nutriente disponibiliza energia para todas as células do corpo, incluindo, claro, os neurônios. Daí que a escassez pode favorecer o cansaço.
A sugestão é optar pelas melhores fontes, caso dos cereais integrais e seus derivados, isto é, aveia, trigo, arroz. Esse grupo oferece ainda vitaminas do complexo B envolvidas no funcionamento do sistema nervoso.
Os grãos que não passam pelo refinamento também fornecem fibras, as melhores amigas do funcionamento intestinal.
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Eixo intestino-cérebro
Cuidar do intestino tem se revelado uma das estratégias promotoras da saúde mental.
Quando a microbiota está saudável, como grande número de micro-organismos benéficos, ocorre ali uma maior produção de neurotransmissores como a serotonina. Ainda que ela não alcance a barreira hematoencefálica, está envolvida na transmissão de sinais de bem-estar. Essa via de comunicação é o que se chama de eixo-intestino-cérebro e que transmite mensagens capazes de interferir com as emoções.
“A interação pode ocorrer por meio do nervo vago”, diz Lara. Trata-se de uma estrutura que começa no tronco cerebral, faz todo o caminho até o intestino e se conecta, novamente, com o cérebro.
Além de caprichar no consumo de fibras, a dica é incluir os probióticos no dia a dia. Leites fermentados, iogurtes especiais, além de kefir e kombucha oferecem bactérias como lactobacilos e bifidobactérias, que colaboram para a harmonia da microbiota.
Assim, a tendência é de uma maior integridade da parede intestinal, o que impede substâncias nocivas de viajarem pela circulação, desencadeando inflamações que comprometem todo o organismo.
E, aqui, entra mais um componente bastante estudado, justamente pela ação anti-inflamatória, o ômega-3. Lara investigou a substância para seu doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP.
Após avaliar dados de mais de 15 mil indivíduos, vindos do Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto - ELSA-Brasil, a nutricionista observou que os maiores consumidores do nutriente, via cardápio, apresentavam menor risco de sofrer de ansiedade em relação às pessoas com baixa ingestão.
Há indícios de que o consumo de ômega-3 colabore para o controle de inflamações, favoreça a comunicação entre os neurônios e preserve certas áreas do cérebro, como o hipocampo.
Além do salmão e do atum, a nossa sardinha é excelente fornecedora dessa gordura especial, já no reino vegetal, linhaça e chia aparecem como opções. A dica é alternar as fontes e degustar receitas diferenciadas. Novas experiências fazem muito bem para a cabeça.
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