Diretoria da Anvisa decide abrir consulta pública para rever regulamentação de cigarros eletrônicos

Diretores aprovaram por unanimidade consulta à sociedade durante 60 dias, mas ressaltaram que novos posicionamentos não amarram a agência a mudar a norma em vigor, que proíbe dispositivo

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Foto do author Ana Lourenço
Atualização:

A diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu, de forma unânime, em reunião virtual de mais de 7 horas nesta sexta-feira, 1º, abrir uma consulta pública para rediscutir a regulamentação dos cigarros eletrônicos no País. A norma vigente (RDC 46), de agosto de 2009, proíbe a fabricação, comercialização, importação e propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs).

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Na consulta pública, que ficará aberta por 60 dias, a sociedade poderá fazer sugestões e contribuições por meio de um formulário eletrônico no site da Anvisa no qual serão coletadas opiniões de cidadãos, sociedades médicas e científicas, empresas e qualquer outro interessado. Ao final do processo, as contribuições serão consideradas na discussão sobre uma eventual nova regulamentação para os cigarros eletrônicos. Uma nova reunião da diretoria será agendada após o processo.

A abertura da consulta pública e a discussão de uma eventual nova regulamentação dos cigarros eletrônicos não significam, no entanto, que o vape obrigatoriamente passará a ser permitido no Brasil. “O período de consulta pública é um período que, em absoluto, amarra a agência àquilo que foi mostrado e demonstrado na reunião de hoje”, disse o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, referindo-se a posicionamentos expostos durante a reunião por diferentes partes.

Antes do voto dos cinco diretores, foram reproduzidos ao público que assistia à reunião mais de 60 vídeos com diferentes posicionamentos sobre o produto. Falaram ex-fumantes, pesquisadores nacionais e internacionais, médicos, líderes de organizações sanitárias, como a Organização Panamericana da Saúde, ONGs que atuam no campo da saúde pública e associados da indústria tabagista.

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Vape tem sido usado pela população jovem por seu aroma e cheiro mais agradáveis do que o cigarro tradicional Foto: hurricanehank/Adobe Stock

Parte dos participantes defendia a regulamentação, alegando que a substituição do cigarro comum pelo cigarro eletrônico pode ser benéfica aos tabagistas e que outros países já regulamentaram os DEFs, o que ajudaria também a diminuir o contrabando.

Do outro lado, médicos renomados como Drauzio Varella, Jaqueline Scholz (coordenadora do Comitê de Controle do Tabagismo da Sociedade Brasileira de Cardiologia) e Roberto de Almeida Gil (diretor-geral do Inca) se posicionaram contra a mudança da regulamentação atual, que proíbe o uso, alegando que o produto pode causar dependência em crianças e adolescentes não fumantes e que seus danos ainda não são totalmente conhecidos pela ciência.

“As companhias tabaqueiras querem continuar fazendo o que sempre fizeram: viciar nossas crianças e nossos adolescentes na dependência mais feroz que existe. É mais fácil largar do crack do que largar o cigarro. E por isso querem que a Anvisa aprove o uso: para ampliar o mercado, e isso que não podemos permitir”, defendeu Varella.

Os diretores votaram por unanimidade pela realização da consulta pública em parte pela ampla controvérsia em torno do tema. Apesar de serem proibidos, os cigarros eletrônicos são usados por mais de 2,2 milhões de brasileiros, de acordo com a pesquisa da Ipec de 2022. No Congresso, a discussão também acontece em torno do projeto de lei 5008/2023, da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).

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Barra Torres disse que reproduziu ao público as manifestações, posicionamentos e análises que a Anvisa recebeu até o momento “em prol da transparência”. Ele ressaltou, no entanto, durante seu voto, a falta de evidências sobre os possíveis benefícios do cigarro eletrônico na redução de danos aos fumantes de cigarros tradicionais, sinalizando que pode manter-se contrário à liberação.

“Não podemos ignorar que as evidências científicas disponíveis ainda não demonstram que os DEFs poderiam substituir os cigarros convencionais por serem menos danosos. Isso não está cientificamente comprovado”, declarou.

Especialistas ressaltam que, embora consultas públicas sejam um instrumento importante de participação social e façam parte das boas práticas regulatórias, é importante que elas sejam analisadas com cautela, dado que a população leiga (e nem a ciência) tem completo conhecimento sobre os possíveis danos do produto.

“Nessa consulta pública, as opiniões, o fundamento de natureza científica e até o impacto social precisam ser demonstrados de maneira adequada e pertinente e não apenas com depoimentos pessoais e absolutamente sem nenhuma consistência”, pontuou ao Estadão a pneumologista Margareth Dalcolmo, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e membro titular da Academia Nacional de Medicina (ANM).

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“A regulamentação pode trazer para o fumante de cigarro convencional a falsa ideia de que, migrando para o eletrônico, ele vai estar mais protegido, e impedir que, de fato, ele faça aquilo que é mais importante, que é buscar um tratamento e parar de fumar”, disse a cardiologista Jaqueline Scholz, coordenadora do Comitê de Controle do Tabagismo da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

“Quando a indústria tabagista defende a liberalização como redução de danos é um conceito completamente equivocado e não pode ser aplicado nessa situação. A dependência de nicotina será mantida com os DEFs. Os cigarros eletrônicos não são uma transição, mas sim o início de uma nova legião de novos dependentes à nicotina”, opina Margareth.

A indústria argumenta que a regulamentação dos cigarros eletrônicos significaria uma opção de redução de danos aos fumantes de tabaco, daria maior segurança aos consumidores brasileiros e ajudaria a prevenir o uso do produto por menores de 18 anos.

Questionado por jornalistas sobre a cautela necessária na análise de contribuições sem embasamento que podem surgir na consulta pública, Barra Torres disse que “a Anvisa realiza consultas públicas desde 1999″ e que a contribuição não técnica “tem uma certa faceta, um certo conteúdo” e a contribuição técnica “tem um outro conteúdo” e garantiu que tudo será “analisado, muito bem trabalhado e levado em consideração”.

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Disse ainda que a diretoria da Anvisa não tem posicionamento ainda sobre a mudança ou não da regra em vigor. “Em face do que vier da consulta pública, qualquer caminho pode ser adotado. O que foi lido hoje é uma série de documentos e posicionamentos de diferente entidades e diferentes órgãos que apontam para direções. Agora, na consulta pública, dependendo do que venha nela, de uma nova contribuição, de um fato novo, de algum teor que seja considerado bastante relevante, até mesmo a orientação inicial de uma minuta pode ser alterada”, declarou.

A Anvisa esclareceu que o formulário para a consulta pública será aberto no site da Anvisa logo após a publicação da decisão no Diário Oficial da União, o que deve acontecer amanhã ou nos próximos dias.

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