Dislexia: o que é e como lidar com esse transtorno de aprendizagem?

Essa condição é marcada pela dificuldade de ler, escrever e soletrar; diagnóstico correto é essencial para definir uma metodologia educacional adequada

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Por Layla Shasta

A dislexia é uma condição de origem neurobiológica que afeta a habilidade de ler, escrever e soletrar. As pessoas com esse transtorno costumam ter dificuldade em associar a grafia das letras aos seus sons. Isso pode fazer com que o ato de ler seja lento e difícil para elas, mesmo que apresentem habilidades cognitivas normais e tenham acesso adequado à educação. Essa situação pode prejudicar não só a fluência na leitura, mas também a compreensão de textos, desenvolvimento do vocabulário e aquisição de conhecimentos gerais.

Segundo a Associação Brasileira de Dislexia (ABD), esse é o distúrbio de maior incidência nas salas de aula e atinge entre 5% e 17% da população mundial. Além disso, ainda de acordo com a ABD, ela é mais frequente no sexo masculino, que representa 60% dos casos identificados.

Crianças com dislexia têm maior dificuldade para ler, escrever e soletrar. Foto: S.Kobold/Adobe Stock

Quais são as principais características da dislexia?

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Por afetar habilidades como reconhecer palavras, ler e soletrar rapidamente, além de atrapalhar a compreensão dos textos, a dislexia costuma ser identificada durante o processo de alfabetização.

Em alguns casos, no entanto, as crianças já mostram sinais de dificuldades bem cedo, com atraso na fala e problemas para identificar ou criar rimas.

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Conforme indicado pelo Ministério da Saúde e também no livro “10 perguntas e respostas para compreender a dislexia”, da psicopedagoga Patrícia Gonçalves e da neuropsicóloga Amanda Peixoto, os sinais de alerta estão relacionados à linguagem, leitura e escrita, e incluem:

  • Linguagem: vocabulário reduzido, troca de sons na fala, dificuldade para organizar sequencialmente uma história e dificuldade em diferenciar esquerda e direita;
  • Leitura: dificuldade na automação da leitura, tentativa de adivinhar ou inventar as palavras que estão sendo “lidas”, dificuldade em separar sílabas, confusão na ordem dos sons na fala e as crianças podem ler de trás para frente;
  • Escrita: dificuldade em identificar e diferenciar letras que são semelhantes (como “b” e “d”; “m” e “n”), lentidão para escrever, dificuldade em copiar o que está escrito na lousa da escola para o caderno, dificuldade em se expressar por meio da escrita e redação de histórias sem começo, meio e fim, além de erros ortográficos como omissões, adições e trocas de letras.

O neuropediatra Júlio Koneski, da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI), esclarece que uma das características da dislexia é que as habilidades em outras áreas, para além da leitura, costumam permanecer normais. “A gente só consegue definir que alguém tem dislexia depois de alguns anos na escola e quando o rendimento acadêmico está abaixo do esperado para a idade, sobretudo no que diz respeito à leitura e escrita”, descreve. “Em contrapartida, o desenvolvimento em outras áreas permanece bom”, acrescenta.

Quais as diferenças entre dislexia e TDAH?

Koneski afirma que o transtorno do déficit de atenção (TDAH) e a dislexia são muito diferentes entre si. O neuropediatra diz que o TDAH é uma alteração no neurodesenvolvimento na qual o indivíduo tem dificuldade em lidar com três aspectos principais em seu dia a dia: atenção, hiperatividade e impulsividade. Assim, agitação, inquietação, desatenção e esquecimento são alguns dos principais sintomas.

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Já a dislexia é um transtorno específico de aprendizagem (TEAp) e está relacionada especialmente à linguagem. Ou seja, a criança enfrenta desafios nesse âmbito em particular, mesmo que consiga administrar bem a sua atenção e seu foco. “São pacientes que têm dificuldade muito grande em processar as palavras. Eles desenvolvem uma leitura muito silábica, mesmo com boa capacidade, empenho e suporte”, explica.

Os transtornos, porém, podem estar associados, ou seja, uma mesma pessoa pode ter os dois, dificultando o diagnóstico correto.

Quais são as causas da dislexia?

O Ministério da Saúde aponta que a dislexia tem origem neurobiológica e as diferenças no funcionamento do cérebro e dos processos cognitivos são herdadas geneticamente. De acordo com informações do Grupo de Estudos e Pesquisa em Escrita e Leitura (GREPEL) da Universidade de São Paulo (USP), essa disfunção ocorre no sistema nervoso central, onde acontece uma falha na aquisição, processamento e armazenamento das informações. É importante ressaltar que o transtorno não tem relação com o nível de inteligência.

Assim, não existe a possibilidade de uma criança desenvolver o transtorno em decorrência de fatores externos. Como explica Koneski, a dislexia se trata de uma condição do próprio indivíduo, com forte fator hereditário, e seu diagnóstico deve sempre ser feito por meio da exclusão de outras possíveis causas para as dificuldades de aprendizagem enfrentadas pelas crianças e pelos adolescentes.

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Quais são os tipos de dislexia?

As dificuldades causadas pela dislexia podem se manifestar de formas diferentes em cada pessoa. Por isso, alguns especialistas, especialmente na área de fonoaudiologia, dividem a condição em alguns subtipos. O médico da SBNI explica que, entre eles, os principais são:

  • Dislexia auditiva: é a mais comum e está relacionada à falta de familiaridade com os sons e fonemas e à dificuldade na leitura e no aprendizado de palavras desconhecidas, decorrente de um déficit no processamento fonológico, ou seja, na conversão “letra-som”;
  • Dislexia visual: é a dificuldade em reconhecer os símbolos gráficos (como palavras) e executar tarefas que envolvam essa percepção e diferenciação visual;
  • Dislexia mista: é definida como uma união de prejuízos presentes nos subtipos anteriores.

Como o diagnóstico é feito?

Segundo o Ministério da Saúde, ele deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar, formada por psicólogo, fonoaudiólogo e psicopedagogo clínico. A confirmação, então, é feita por exclusão. Em primeiro lugar, é preciso averiguar se as dificuldades escolares estão relacionadas a habilidades cognitivas e linguísticas ou a questões de outras origens, como socioeconômica, representada por falta de estímulo à leitura em casa e/ou nutrição inadequada, ou pedagógica, devido à baixa qualidade de ensino. Fatores emocionais também devem ser levados em conta.

É necessário ainda investigar outros quadros clínicos, como deficiência intelectual ou problemas sensoriais, que afetam visão e audição.

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O diagnóstico preciso só é possível a partir do momento em que a escrita e a leitura são apresentadas formalmente à criança. Ao entender as dificuldades e habilidades de cada um, é possível elaborar intervenções personalizadas, que envolvem a colaboração entre escola, pais e especialistas.

Como é o tratamento?

A identificação precoce da dislexia é necessária para a criação de metodologias educacionais e o encaminhamento de um plano psicopedagógico, psicológico e/ou fonoaudiológico.

Segundo a psicopedagoga Patrícia Gonçalves e a neuropsicóloga Amanda Peixoto, a dislexia não tem cura, já que não se trata de uma doença – mas tem tratamentos. “É possível planejar e direcionar intervenções e adaptações personalizadas, envolvendo tanto a escola, como os pais e outros profissionais para minimizar as dificuldades de aprendizagem e sociais que poderão surgir”, escrevem as especialistas no “10 perguntas e respostas para compreender a dislexia”.

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Koneski também reforça o papel da intervenção multidisciplinar. “O ‘tratamento’ vai ser um treinamento. Há várias propostas de trabalhos integrativos: de fonoaudiologia e processamento da audição, leitura e escrita, além de técnicas especiais de aprendizado e de leitura”, explica.

Ainda segundo o médico, lidar com a dislexia deve envolver a compreensão de que ela é uma condição que requer acolhimento e muita atenção. “Entender e acolher essa criança é a coisa mais importante. Ter a consciência de que ela precisa de um cuidado especial é fundamental”, conclui.

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