Disponíveis em farmácias, testes de alergia alimentar podem indicar problema que não existe

De acordo com entidade médica, resultado impreciso aumenta o risco de adoção desnecessária de restrições na alimentação

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Foto do author Ana Lourenço
Foto do author Thaís Manarini

A incidência de alergias alimentares vem aumentando ao redor do mundo. Estima-se que, hoje, 8% das crianças com até 2 anos apresentem alguma forma do problema, enquanto nos adultos esse número gira em torno de 2%. Entre os alimentos que mais disparam reações estão leite e derivados, ovo, amendoim e outras oleaginosas, além de frutos do mar. Mas, para a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), tão preocupante quanto o salto de casos é o aumento de diagnósticos errados, que podem levar a restrições alimentares indevidas e, consequentemente, a riscos à saúde.

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A entidade ficou especialmente apreensiva após a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de autorizar farmácias a realizar 47 exames de análises clínicas, porque, entre eles, estão testes rápidos de alergias alimentares – justamente aqueles que podem levar a resultados enganosos caso não sejam bem indicados e interpretados. Não é preciso contar com pedido médico para realizá-los.

De acordo com a Anvisa, a ideia é que esses procedimentos feitos em farmácias sirvam como uma espécie de triagem, e que os exames realizados em laboratórios clínicos permaneçam como “padrão ouro” para fins de diagnóstico.

São dois testes que geram inquietação na Asbai. Um deles avalia a presença de anticorpos IgE, já que algumas reações alérgicas disparam a produção dessa classe no sangue. Só que encontrar esses anticorpos pode significar simplesmente uma sensibilização. “Nem todo indivíduo sensibilizado é alérgico. Assim, a indicação e interpretação desse teste necessita de contextualização clínica”, diz a entidade, em nota.

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Segundo a médica Lucila Camargo Lopes de Oliveira, coordenadora do Departamento Científico da Asbai, o IgE tem que se ligar na célula de defesa de uma maneira específica e, diante do alérgeno, disparar uma sinalização que culmina na liberação de substâncias que dão a reação alérgica. Se não for assim, ou se o IgE for bloqueado por outro anticorpo, por exemplo, o indivíduo não terá sintomas – mas o teste pode dar positivo de qualquer forma.

Cabe destacar ainda que as alergias que envolvem a produção de IgE causam reações imediatas, cerca de duas horas após o consumo do alimento. Caso o indivíduo tenha sintomas tardios, e sobretudo gastrointestinais, é um indício de que o problema não é mediado por IgE. Nesse cenário, a constatação da alergia vem basicamente por meio de uma avaliação clínica. Isso porque o quadro tende a envolver outros mecanismos imunes, que ainda não podem ser identificados por meio de exames.

O segundo exame que costuma causar confusão é o de IgG, que aponta a presença de anticorpos da classe G. Mas a presença deles simplesmente indica que a pessoa teve contato com determinado antígeno. O IgG é conhecido como um “anticorpo de memória”. Por exemplo: se alguém tomou leite, provavelmente vai ter IgG para essa bebida, mesmo sem manifestar sintoma alérgico.

No sentido contrário, resultados negativos provenientes dessas análises também não descartam alergias. “Esses testes, isoladamente, não indicam nada. A gente até chama de exames auxiliares de diagnóstico, porque, para fechá-lo, temos que considerar várias peças de um quebra-cabeça, incluindo o histórico clínico”, afirma a médica Lucila Camargo Lopes de Oliveira, coordenadora do Departamento Científico da Asbai.

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O leite é um dos principais responsáveis por alergias alimentares Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Os perigos de uma análise inadequada

Se não houver o acompanhamento com um médico apto a desconfiar de um resultado “falso positivo” e levantar outras possibilidades, a pessoa pode eliminar da rotina certos alimentos em busca de uma solução para o seu mal-estar – ou ser orientada nesse sentido por profissionais não capacitados. “É muito frequente o especialista receber pacientes em dieta de restrição desnecessária, muitas vezes a múltiplos alimentos e por anos”, conta Lucila.

Só que essa restrição sem justificativa é acompanhada de riscos. Uma retirada de leite e derivados da dieta, por exemplo, pode impactar na ingestão adequada de cálcio, mineral essencial aos ossos. A consequência pode ser um aumento na probabilidade de desenvolver osteoporose.

E quando o paciente realmente tem um quadro de alergia alimentar, esse processo de ajuste na dieta deve ser conduzido por um especialista, justamente para não gerar déficits nutricionais nem impactos emocionais.

Como é feito o diagnóstico correto

De acordo com a Asbai, uma vez que os testes alérgicos não são capazes de diagnosticar alergias isoladamente, sua indicação deve ser contextualizada sob um olhar criterioso do especialista, reduzindo, assim, o impacto na saúde e o ônus econômico de resultados falsos positivos e falsos negativos.

O ideal, na busca por um diagnóstico, é que o médico especializado avalie, em primeiro lugar, todo o histórico do paciente. Com base nisso, ele pode pedir exames. Mas o único que realmente comprova a alergia é o teste de provocação oral, feito em ambiente hospitalar com equipe treinada. A ideia é avaliar possíveis reações depois do consumo progressivo do alimento suspeito ou placebo.

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