Doação de sangue e medula: conheça histórias de doadores e como fazer sua parte

A compreensão de que o ato beneficia, além do paciente, toda a sua família pode levar mais doadores aos carentes bancos de sangue

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Foto do author Ana Lourenço
Por Ana Lourenço e Guilherme Santiago

“A doação de sangue é em si um ato de altruísmo”, afirma o assistente social Eduardo Fróes, de 42 anos. “Ela salva vidas, claro, daquelas pessoas que sofrem acidente ou precisam fazer uma cirurgia, mas principalmente salvam as nossas, pacientes com doenças crônicas e raras.”

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Diagnosticado aos sete meses com talassemia major, uma forma de anemia crônica hereditária, ele precisa receber transfusões de sangue a cada 25 dias. “Enquanto pessoas normais têm uma fábrica de glóbulos vermelhos, minha medula não consegue fabricar de forma adequada. Por isso preciso receber as transfusões”, diz ele, que hoje é presidente da Associação Brasileira de Talassemia, a Abrasta.

A doação de sangue ainda não é algo comum na vida dos brasileiros. De acordo com os dados do Ministério da Saúde, apenas 14 em cada mil habitantes brasileiros doam sangue de forma regular no Sistema Único de Saúde (SUS). “A gente trabalha constantemente para promover essa conscientização das pessoas e aumentar esse índice. Com a pandemia, nossa expectativa era de que as pessoas doariam mais, depois da ‘guerra’ que de certa forma vivemos, mas não foi o caso. Inclusive 2022 teve uma queda em relação a 2021”, diz Cyntia Arrais, hematologista e hemoterapeuta da Pró-Sangue.

Como não existem formas de comprar sangue, a doação é a única maneira de garantir vida e um líquido de qualidade para o paciente. E a falta dela afeta até mesmo pessoas saudáveis. “Não se pode fazer uma cirurgia de grande porte sem o sangue reservado na sala. É preciso ter essa reserva compatível, mesmo que não seja usada”, afirma Cyntia.

Um dos motivos para a falta é o preconceito que ainda existe sobre doação. Desde medos em relação ao ambiente e à contaminação com doenças até receios de que o sangue vai faltar para quem doa. “A única coisa que o doador vai perder é um pouco do seu tempo, que é muito precioso hoje em dia”, diz Cyntia.

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De acordo com ela, a crise econômica e a própria dificuldade de as pessoas irem até o banco de sangue, assim como o medo de perder o emprego, afastam os doadores. “Imagino que isso vá ser repensado. Devemos fazer mais coletas móveis ou ir ao doador e dar essa possibilidade de coletar fora do banco de sangue. São coisas que vêm sendo discutidas nas agências e nos órgãos regulatórios”, afirma.

Quais impedimentos para quem vai doar sangue?

A doação de sangue demora pouco menos de uma hora. Para ser aprovada na doação, a pessoa deve passar por uma entrevista para checar sinais vitais como pressão, frequência cardíaca e até mesmo a quantidade de hemácias no sangue, para descartar uma possível anemia. Além disso, é necessário ter entre 16 e 69 anos, mais de 50 kg, um bom estado geral de saúde e não ter nenhuma doença impeditiva: HIV, diabete, hepatite B e C. Pessoas que tiveram câncer, salvo raras exceções, são impedidas de doar porque pode ser prejudicial ao seu organismo.

Também é preciso que o doador tenha dormido ao menos 6 horas nas últimas 24 horas antes da doação, assim como não deve ter ingerido bebidas alcoólicas nas 12 horas anteriores nem ter feito tatuagens ou colocado piercings há pelo menos seis meses.

Pela legislação, homens podem doar a cada dois meses, sendo quatro por ano, e mulheres a cada três meses, totalizando três por ano. “Com uma única doação a gente pode beneficiar até quatro vidas e não existe essa história de que só precisamos de sangue raro, como o O-. Todos são bem-vindos, porque se a população é proporcionalmente distribuída nos tipos sanguíneos os pacientes também são”, explica Cyntia.

O sangue coletado é separado em unidade plasma, unidade plaqueta, unidade sangue e ainda pode-se fabricar o crioprecipitado, indicado no tratamento de hipofibrinogenemia. O encarregado administrativo de obra João Budega, de 48 anos, doava sangue desde bem jovem e já estava acostumado com essas separações. E quando sua enteada, Beatriz, foi diagnosticada com leucemia, ele intensificou o hábito.

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'Com uma única doação a gente pode beneficiar até quatro vidas e não existe essa história de que só precisamos de sangue raro', afirma Cyntia Arrais da Pró-Sangue Foto: JOSE LUIS DA CONCEICAO / AE

“Minha ex-mulher tinha duas filhas e infelizmente a mais nova, que tinha 10 anos na época, foi diagnosticada com leucemia. A gente começou aos poucos a descobrir mais sobre a doença e a importância da plaqueta para o tratamento. Infelizmente, depois de 11 meses de tratamento, ela morreu e anos depois nós nos separamos”, conta.

Com medo de voltar para a vida de solteiro, com bebidas e festas, João firmou um compromisso consigo mesmo: “Decidi que todo final de semana eu iria doar plaquetas”. Começou no dia 31 de dezembro de 2020, sempre inspirado pela história pessoal que teve com a doação. “Minha meta, até hoje, é doar duas vezes por mês. Já deixei de ir a aniversário, churrasco, por causa da minha promessa.”

Além da plaqueta coletada na doação regular, através de uma máquina especial, chamada aférese, o doador pode garantir plaquetas de altíssimas qualidades, que são destinadas principalmente para transplantes de medula e pacientes oncológicos.

“A doação demora uma hora, uma hora e meia. Mas não dói, não machuca, é uma prova de amor. Eu já ajudei mais de 100 pessoas nessas doações”, conta ele, que ganhou uma carteirinha de doador da Pró-Sangue no começo do ano.

Como funciona a doação de medula óssea?

O agricultor Luiz Eduardo Pereira de Andrade, de 29 anos, começou a doar sangue na adolescência. “Quando uma pessoa está doente, a mãe dela está doente, a namorada, os amigos, os filhos. Então quando você salva a vida de alguém, você salva a de toda uma família. Eu fico pensando nesse bem que dá para fazer para o mundo”, diz ele.

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Vendo o tanto que podia ajudar, Andrade decidiu se cadastrar também como doador no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea, o Redome, e descobriu a magnitude desse gesto em novembro de 2016, quando doou a medula para Carlos Alberto Rezende, de 58 anos. Diagnosticado com aplasia medular severa, que é a falência da medula óssea, a única cura para ele seria o transplante.

Carlos e seu, agora amigo, Eduardo, praticando o 'Desafio Sangue Bom' de 200 km Foto: Arquivo pessoal

Durante o tempo de espera, Rezende decidiu criar o Instituto Sangue Bom, que visa a mobilizar a sociedade sobre a importância da doação. “Não sabia quanto tempo eu tinha de vida, mas tinha certeza de que dedicaria o que restasse dela à causa da doação de sangue e de órgãos. Enquanto eu viver, vou continuar ajudando outras pessoas como me ajudaram”, garante.

Hoje, ele é um ex-fumante e atleta transplantado que corre pelo mundo levando a bandeira da doação. Em várias dessas ocasiões, leva seu “salvador”, Luiz Andrade. “Já fizemos uma São Silvestre juntos e vamos fazer várias outras. Ele me deu a vida e um filho de brinde. Eu amo esse menino.”

A medula óssea é um tecido líquido que ocupa a região interior dos ossos. Por meio dela, o organismo é capaz de produzir células sanguíneas, como os glóbulos brancos, vermelhos e as plaquetas. Quase como uma “fábrica” de sangue, as células da medula recebem o nome de células-tronco, uma vez que dão origem à novas células sanguíneas.

Sua produção é condicionada pelo próprio organismo. “Existe um mecanismo capaz de avisar à medula quando é necessário aumentar a produção de sangue”, explica Marta Lemos, médica hepatologista do Banco de Sangue do Hospital A.C Camargo. “Em casos de infecção, por exemplo, a medula recebe um estímulo que indica a necessidade de produção de mais glóbulos brancos, que são importantes para defesa do organismo”, diz.

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No entanto, doenças como leucemias e linfomas comprometem a produção das células sanguíneas e exigem a substituição por uma medula óssea saudável. E é nesse contexto que a doação de medula óssea se torna tão importante e capaz de salvar vidas.

“Em geral, a primeira busca do doador compatível é entre os familiares, que costumam ser os irmãos ou parentes mais próximos”, afirma a médica. “Mas nem todos os parentes são compatíveis ou possuem condições para fazer a doação. Nessas situações, partimos para a busca em bancos de doadores voluntários”, pondera.

No Brasil, para ser doador voluntário de medula óssea é preciso cadastrar-se no Redome. Para isso, é necessário ter entre 18 e 35 anos, possuir documento de identificação oficial com foto, um bom estado de saúde e não ter nenhuma doença impeditiva para cadastro e doação de medula óssea. É possível encontrar os hemocentros mais próximos da sua residência aptos a receber cadastros e conferir a lista de doenças impeditivas em redome.inca.gov.br.

O transplante pode ocorrer com procedimentos cirúrgicos ou por retirada intravenosa. No primeiro caso, a medula é retirada dos ossos da bacia e a recuperação é bem rápida. Já na segunda, chamada de aférese, o doador recebe um medicamento que possibilita que as células da medula sejam retiradas pelas veias do braço.

“É muito tranquilo. Se eu pudesse doar mil vezes, doaria”, acrescenta ainda Eduardo Fróes. “A gente dá um valor maior à vida.”

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Vai doar sangue? Veja cuidados

  • Requisitos

Existem certos critérios que devem ser levados em consideração antes de doar sangue. Ter entre 16 e 69 anos, pesar no mínimo 50 kg e não possuir doenças transmissíveis pelo sangue são alguns deles. Saiba quais são todos os requisitos básicos para doação em prosangue.sp.gov.br.

  • Alimentação

Antes de doar sangue, é importante estar bem alimentado para evitar complicações como fraqueza e tonturas. Portanto, busque uma alimentação balanceada e evite alimentos gordurosos nas quatro horas que antecedem a doação. Carnes, ovos, feijão, lentilha e cereais integrais são boas apostas para esse momento. Após o procedimento, mantenha a alimentação saudável para reabastecer o corpo.

  • Hidratação

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Ingerir líquidos é outro cuidado essencial para quem vai doar sangue. Afinal, em média, 450 ml de sangue saem do organismo durante o procedimento – e a ingestão de água e sucos naturais ajuda a manter o corpo bem hidratado.

  • Álcool

Não é recomendado ingerir álcool nas 12 horas que antecedem a doação, nem nas 24 horas seguintes, visto que esse tipo de bebida aumenta a desidratação do organismo.

  • Repouso

Descansar é um importante cuidado para antes e depois da doação. Na noite anterior, busque uma boa noite de sono com pelo menos seis horas de repouso. Após o procedimento, a recomendação é parecida. Permaneça sentado por 15 minutos após a coleta e evite atividades muito intensas e desgastante nas horas seguintes.

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  • Atividades físicas

Não é indicada a prática de atividades físicas muito intensas nas 12 horas seguintes à doação de sangue. Prefira atividades de baixo esforço, que são menos prováveis de ocasionar sangramentos e problemas de cicatrização.

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