Com dores no peito, nos ombros e braços, o engenheiro Roger Okura, de 37 anos, ficou preocupado e passou por uma consulta com um cardiologista em julho deste ano. Fez alguns exames de imagem e de sangue, que revelaram um baixo nível de vitamina D, de 11,00 ng/mL - a referência para o seu perfil é de 20 ng/mL, no mínimo. Saiu do consultório com a prescrição de comprimidos vitamina D para consumo por alguns meses e a recomendação de tomar sol para possibilitar a síntese de vitamina D e praticar exercícios físicos com regularidade. O coração? Estava ótimo.
“Fico o dia todo enclausurado no escritório nos dias da semana. Tento tomar sol no horário do almoço, mas é por poucos minutos e não tão frequente”, conta Roger. Depois de alguns meses de suplementação com os comprimidos de vitamina D, ele afirma que as dores no corpo sumiram.
Casos de baixo nível de vitamina D no organismo, como o de Roger, são um problema de saúde pública mundial, inclusive no Brasil. Um estudo realizado pela Universidade de Cruz Alta (Unicruz) em 2018 revelou que 68,9% dos participantes, com 18 a 60 anos, tinham níveis de vitamina D abaixo do recomendado (hipovitaminose).
A chamada “vitamina D” na verdade é um pré-hormônio que, associado ao paratormônio (PTC), tem um importante papel na saúde óssea. Os baixos níveis podem causar doenças como a osteomalácia, que deixa os ossos frágeis e quebradiços, no caso dos adultos. Nas crianças, a deficiência de vitamina D pode resultar em raquitismo, que compromete o desenvolvimento dos ossos, explica a ortopedista Cecília Richard, presidente do comitê de doenças osteometabólicas da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT). “É muito comum receber no consultório pacientes com queixas de dores musculares, algo que pode ter causas diversas. A deficiência de vitamina D é uma delas.”
Idosos, pacientes que fizeram cirurgia bariátrica, pessoas em quimioterapia, obesos, por exemplo, devem ter seus níveis de vitamina D monitorados por um médico, segundo a ortopedista Cecília. Mas como o problema é comum em toda a população, ela alerta que todos devem se preocupar em tomar sol - ou suplementar com vitaminas, se não for possível o banho de sol. “Para ter uma estrutura óssea forte, é preciso cuidar da vitamina D desde a infância, além de praticar exercícios físicos de impacto. Isso fará diferença na sua saúde esquelética quando idoso”, diz. Segundo a ortopedista, os idosos estão mais sujeitos a terem insuficiência ou deficiência dessa vitamina.
Só alimentação não supre as necessidades do organismo
Para conseguir sintetizar a vitamina D naturalmente, é preciso tomar sol diretamente na pele. “A alimentação não supre as necessidades de vitamina D. A exposição frequente ao sol por 15 minutos, sem filtro solar em braços e pernas, por volta do horário das 11 horas, garante bons níveis de vitamina D em pessoas jovens e saudáveis”, explica a endocrinologista e professora Maria Lucia Fleiuss de Farias, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). A solução aparentemente simples é um desafio para a sociedade. “A poluição ambiental, o uso de filtro solar e hábitos de vida contribuem para a menor síntese de vitamina D na pele. As pessoas estão na frente do computador, da televisão”, diz Maria Lúcia.
Por ter trabalhado durante mais de 5 anos na área de TI na madrugada, Camila dos Santos Borda, de 39 anos, ficou com os olhos mais sensíveis à luz solar e passou a fugir do sol. Ao fazer os exames de rotina, em 2018, levou um susto: estava com 6 ng/mL, nível muito abaixo do recomendado. “Estava com dores no corpo e um cansaço enorme. O médico disse que a deficiência da vitamina D era a causa desses sintomas”, conta. Desde então, toma o suplemento e se força a tomar sol com frequência, apesar de não gostar. Está com os níveis de vitamina D adequados - e se sente mais disposta.
Por ficar restrito à sua casa durante a pandemia, o farmacêutico Felippe de Alencar Silva, 31 anos, reduziu a sua exposição ao sol. Isso teve como consequência uma baixa no seu nível de vitamina D, acusado no check up feito em julho. O exame de sangue indicou que ele tinha 12,49 ng/mL, enquanto o nível mínimo para o seu perfil é 20 ng/mL. Desde então, ele começou a tomar os comprimidos de suplemento de vitamina D diariamente. “Durante a semana, trabalho até as 18 horas dentro de casa. Não tenho espaço para tomar sol, nem o costume. Nos fins de semana, tento fazer algo ao ar livre, como caminhadas no parque. Está longe do ideal, mas deve melhorar conforme a pandemia vai diminuindo”, diz.
Outras doenças, além das relacionadas aos ossos, estão relacionadas à deficiência de vitamina D, afirma o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). “A hipertensão arterial, o diabetes, doenças autoimunes e câncer já foram associados à deficiência de vitamina D em diversas pesquisas”, diz.
Segundo ele, a insuficiência de vitamina D também enfraquece o sistema imunológico, o que abre portas para vírus e bactérias patogênicas - inclusive para o coronavírus. Por isso, o nutrólogo recomenda que as pessoas que apresentam mais riscos para a covid-19 (por ter comorbidades) busquem um profissional para avaliar os níveis de vitamina e suplementar, caso não esteja acima de 40ng/mL.
“Parece sensato recomendar suplementação para atingir níveis adequados de vitamina D, visando a saúde global”, diz a endocrinologista Maria Lúcia.
O consumo de suplementos de vitamina D praticamente dobrou no Brasil durante os primeiros 12 meses de pandemia: cresceu 93% no Brasil entre abril de 2020 e abril de 2021, segundo Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac). A professora Alicia Kowaltowski, do Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo, alerta para os riscos do consumo excessivo.
“A superdosagem está associada a vários problemas de saúde. Por isso, o suplemento de vitamina D nunca deve ser tomado sem orientação médica e sem dosagem anterior dos seus níveis individuais. Em caso de necessidade de reposição por falta comprovada, a dosagem tem que ser cuidadosamente calculada pois é diferente para cada pessoa”, diz. A professora explica que a vitamina D não é eliminada facilmente pela urina e é absorvida pela gordura, por isso se acumula no corpo, oferecendo risco de superdosagem.
COMO OBTER VITAMINA D
- Melhor horário: O banho de sol é o principal responsável pela disponibilidade de vitamina D no corpo. Os raios UVB são os que permitem a síntese da substância na pele. Eles incidem mais fortemente entre 10h e 16h. Porém, os raios UVB também podem provocar vermelhidão e câncer de pele. Por isso, não vá muito além dos 15 minutos de exposição diária nesse horário. Quanto mais longe da Linha do Equador, maior deve ser o tempo de exposição.
- Pouca roupa é melhor: Tome sol diretamente na pele, que só vai sintetizar vitamina D se não estiver coberta por roupas ou chapéu. Por isso, arregace as mangas e exponha a maior área de pele sempre que estiver ao sol. E abra a janela, pois o vidro bloqueia raios UVB.
- Protetor solar: O uso do protetor solar previne o câncer de pele e evita o seu envelhecimento precoce. Mas, se todo o seu corpo estiver coberto com a loção, não será possível que os raios UVB incidam para promover a síntese de vitamina D.
- Alimentação ajuda, mas não resolve: As fontes alimentares podem corresponder a 20% da vitamina D presente no corpo – o resto é promovido pela exposição solar. Atum, salmão, gema de ovo e leite integral são ricos em vitamina D.
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