A matéria-prima para a produção de mais doses de vacina contra a covid-19 no Brasil “já foi quase que totalmente processada”, segundo informou nesta quarta-feira, 20, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, o que esgota a capacidade de fabricação do imunizante. O anúncio foi feito em uma entrevista coletiva convocada pelo governador João Doria (PSDB) para tratar de ações de combate à doença, em que Covas novamente apelou para que o governo federal, em especial o presidente Jair Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, se empenhem para acelerar a importação dos insumos da China.
Embora o Butantan tenha capacidade de finalizar e distribuir cerca de 1 milhão de doses por dia, essa produção depende do recebimento dos insumos. E, até que a produção atinja essa capacidade, é preciso um período de até seis dias para ajustes na fábrica do instituto, de acordo com o presidente.
"Peço ao nosso presidente, ao nossso ministro das Relações Exteriores, que nos ajude a aplainar essa relação com a China e que haja procedimentos, haja solicitação para que os procedimentos burocráticos para esta exportação aconteça no mais curto período de tempo", disse Covas.
Na coletiva, o cenário traçado foi o seguinte: há 46 milhões de doses de vacina garantidas pelo Butantan até o mês de abril; após esse período, caso os insumos da Fiocruz cheguem (a previsão para janeiro foi adiada para março), o País poderá contar com mais 100 milhões de doses. Esse total de doses vacinaria 73 milhões de pessoas. Se o governo federal se manifestar, o que ainda não fez, poderá tentar comprar mais 54 milhões de doses de vacina produzidas pelo Butantan a partir de insumos importados da China. E a produção própria, no melhor dos cenários, só seria possível a partir de novembro.
Importação
Segundo Covas, o Butantan aguarda autorização do Ministério das Relações Exteriores da China, última instância burocrática para a exportação dos insumos, para conseguir importar mais 5,4 mil litros de matéria-prima - capazes de produzir cerca de 5 milhões de novas doses da Coronavac. “No governo chinês, a burocracia envolve três instâncias. O Ministério da Saúde, o chamado NMPA, que é a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) da China e a aduana. Tem de passar por essas três instâncias e, adicionalmente, o Ministério das Relações Exteriores”, afirmou. “A autorização dessas três primeiras instâncias já foi dada. Aguardamos a última.”
O governador Doria afirmou que as dificuldades são de ordem exclusivamente administrativa, sem nenhum entrave comercial. "Não há nenhuma restrição comercial nem a São Paulo nem ao laboratório Sinovac, com o qual temos tido uma relação excelente”, disse João Doria, ao lembrar que a parceria comercial entre Butantan e Sinovac vem de antes da pandemia. “A exportação de vacinas depende de autorização do governo chinês.”
“Há um mal-estar claro do governo chinês com o governo brasileiro. Isso é claro, isso é óbvio. Não é por outra razão que o presidente da Câmara federal foi se encontrar hoje, ainda que virtualmente, com o embaixador da China. Há um mal-estar depois de tantas agressões pronunciadas e lideradas pelo presidente Bolsonaro contra a China, contra a vacina da China, contra ‘vachina’ e as outras desqualificações que fez, e manifestações de dois de seus filhos, Eduardo e Carlos”, afirmou Doria.
Vacinação
O acordo do Butantan com o laboratório Sinovac se encerrará em abril, quando a empresa chinesa terá terminado de enviar material suficiente para produção de 46 milhões de doses. Depois disso, segundo Dimas Covas, até há a possibilidade de uma remessa a mais de material para 54 milhões de doses, mas essa segunda opção de compra está condicionada a um pedido de compra do Ministério da Saúde, que até agora não foi feito.
“Nesse momento, não existe ainda nenhuma manifestação nesse sentido (de compra de mais doses), e só tratamos das 46 milhões de doses. Estamos absolutamente ansiosos para saber se haverá a encomenda adicional dessas 54 milhões de doses porque certamente elas serão necessárias. E se houver essa necessidade já prevista por todos, seria bom o ministério se manifestasse para que começassemos a nos preparar para essa produção”, afirmoiu o presidente do Butantan.
Além da matéria-prima encomendada pelo Butantan, cujo fornecimento está sendo feito pela empresa Sinovac, o Brasil ainda aguarda material da China que será enviado para a Fiocruz, que produzirá a vacina desenvolvida pela AstraZeneca e pela Universidade de Oxford.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concluiu, nesta terça-feira (19), o processo de análise da documentação do pedido de autorização para uso das 4,8 milhões de doses de vacina produzidas no instituto a partir de insumos vindos da China. Essas são as últimas doses produzidas com os insumos que já estão aqui. “Dependemos de importação de quantidades adicionais de matéria-prima”, disse. O compromisso do Instituto Butantan com o Ministério da Saúde foi que, até 31 de janeiro (domingo), seriam repassadas 8,7 milhões de doses do imunizante.
Nesta terça, 19, Doria e autoridades de governo percorreram cidades do interior de São Paulo em cerimônias simbólicas para marcar o início da aplicação de vacinas a profissionais de Saúde. A vacinação de idosos e os demais grupos de risco, entretanto, ainda não tem data para ser iniciada. Ao todo, cerca de 15,4 mil profissionais de saúde foram vacinados no Estado.
Fabricação própria
Ainda na coletiva, os técnicos do Estado deram informes sobre o andamento da construção de uma nova fábrica do Butantan, que seria capaz de produzir todos os insumos necessários para a fabricação de uma vacina 100% nacional: as obras foram iniciadas em novembro e devem ficar prontas até 3o de setembro, segundo infomou o presidente da Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade (Investe SP), Wilson Mello. "Ela será entregue para o Butantan para que o Butantan inicie o processo de comissionamento, a autorização da Anvisa, a partir de outubto", disse.
Pandemia
Durante a coletiva, o secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn, afirmou que “estamos em uma franca pandemia em curso”, mas que “tivemos de priorizar aqueles profissionais, trabalhadores da área de frente” nas ações de vacinação frente ao ainda insuficiente número de vacinas disponíveis. “Precisamos de muito mais vacinas”, afirmou
A taxa de ocupação nos leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do Estado chegou a casa dos 70%. “Tivemos um aumento significativo na Grande São Paulo, em que passamos de 65% (há duas semanas) para 70,5%”, afirmou. Gorinchteyn disse que, na sexta-feira, haverá uma nova reclassificação das cidades paulistas no Plano São Paulo, que coordena as regras de restrição durante a quarentena. Com esses índices, a Grande São Paulo entraria na fase laranja do plano, que restringe horários de comércio.
Veja a íntegra da entrevista coletiva:
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