Dormir mais de dez horas por dia eleva risco de problemas cardiovasculares

É o que aponta uma série de estudos; segundo pesquisadora da Unifesp, fenômeno pode estar associado ao sono fragmentado

PUBLICIDADE

Foto do author Fabiana Cambricoli
Fenômeno pode estar associado às características do sono de quem dorme demais Foto: Wokondapix/Pixabay

Dormir mais horas do que o necessário traz mais riscos de problemas cardiovasculares do que dormir pouco. O alerta foi feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto do Sono na última edição do World Congress on Brain, Behavior and Emotions, congresso sobre o cérebro realizado em Porto Alegre entre os dias 14 e 17 deste mês.

PUBLICIDADE

Em um dos painéis do evento, acompanhado pelo Estado, os cientistas apresentaram evidências de uma série de estudos nacionais e internacionais que identificaram os riscos à saúde associados à prática de dormir muito ou pouco.

Em pesquisa da Universidade de Nevada (EUA) e publicada no periódico Sleep Medicine neste ano, os autores concluíram que dormir de duas a quatro horas por noite aumenta em duas vezes o risco de sofrer enfarte ou Acidente Vascular Cerebral (AVC). Já entre os que dormem mais de dez horas, esse risco é sete vezes maior.

Pesquisadora da Unifesp e palestrante do congresso, Lenise Jihe Kim explica que o fenômeno pode estar associado às características do sono de quem dorme demais. “Basicamente, os grandes dormidores teriam maiores despertares durante a noite, ou seja, um sono mais fragmentado. E a cada despertar a gente eleva a pressão arterial e a frequência cardíaca. Isso, cronicamente, leva à hipertensão e à inflamação, alterações cardiometabólicas que favorecem um AVC ou um enfarte”, diz ela.

A especialista explica que, até poucos anos, os estudos dessa temática ficavam mais restritos aos riscos da privação do sono e não do excesso dele. “O assunto dos grandes dormidores é muito recente. Temos registros de alguns estudos um pouco mais antigos, mas pesquisas epidemiológicas com evidências populacionais são de 2016 para 2017”, diz.

Publicidade

Um dos primeiros estudos que já apontavam os riscos de passar muitas horas na cama - conduzido por pesquisadores de Baltimore, nos Estados Unidos, e publicado em 2009 no periódico Journal of Sleep Research - mostrou que o risco de morrer por uma doença cardiovascular era 38% maior entre os que dormem muito em comparação com quem dorme oito horas por noite. O índice é bem maior do que o encontrado entre os que dormem pouco. Nesse grupo, o risco de mortalidade era 6% maior.

Lenise explica que uma das hipóteses para o dado é que a pessoa que dorme demais, ao contrário daquele que sofre com insônia, não enxerga em si um problema de saúde. “Ela não reconhece bem os sintomas, acha que, por ter a oportunidade de dormir mais, não tem problemas e não procura serviços médicos. Mas a verdade é que os que dormem mais horas costumam sofrer mais com problemas como ronco e apneia do sono”, relata.

A especialista ressalta que não é só o número de horas que define um “grande dormidor”. “São aquelas pessoas que dormem mais do que a média da população, que é de sete a oito horas por noite, mas que fazem isso porque precisam dessa quantidade de horas. Não é simplesmente porque têm uma oportunidade de dormir mais em um fim de semana, por exemplo, é porque tem a necessidade de dormir muito para se sentirem bem no dia seguinte”, afirma.

Outros riscos. No outro extremo, o dos que passam poucas horas na cama, os pesquisadores apontaram como riscos problemas cardiovasculares, obesidade e outras doenças associadas ao excesso de peso. “Dormir de duas a quatro horas por noite eleva o risco de ganhar peso em 200%. O motivo é que a restrição de sono provoca alterações metabólicas que alteram hormônios. Isso aumenta a nossa fome e diminui a sensação de saciedade. Ou seja, sem dormir direito, você vai comer mais do que comeria em um dia normal e vai preferir comidas calóricas, ricas em gordura e açúcares”, explica Monica L. Andersen, diretora do Instituto do Sono, professora da Unifesp e também palestrante do congresso.

Tumor. O sistema de defesa do organismo também fica mais frágil com a privação de sono, segundo Sergio Tufik, presidente do instituto e também professor da Unifesp. “Dormir pouco prejudica o sistema imunológico e deixa nosso corpo mais suscetível até mesmo ao crescimento de células tumorais. Essas células estão presentes em todas as pessoas, mas, com o sistema de defesa funcionando bem, a chance de as combatermos é maior”, explica.

Publicidade

‘Pego no sono fácil, mas, duas horas depois, acordo’

PUBLICIDADE

Conferente portuário aposentado, Carlos Pinto, de 72 anos, passou a maior parte da vida trabalhando em turnos que variavam freneticamente, o que o fazia dormir às vezes à noite, às vezes de dia. Há cerca de dez anos, ele sofre de insônia. "Durmo muito pouco, de três a quatro horas por noite. Como não estou trabalhando, o problema não afeta muito meu cotidiano", contou.

Carlos diz não ter dificuldades para dormir, mas o sono não dura. "Pego no sono fácil. O problema é que, duas horas depois, eu acordo e não durmo mais. Às vezes sento para ver o telejornal e não vejo nada, caio no sono. Aí vou para a cama, acordo duas horas depois e não durmo mais. Acabo vendo vários filmes.”

Embora sofra de pressão alta e diabete, ele diz não acreditar em uma associação desses problemas com a insônia. "A médica diz que é estresse, mas não me vejo nem um pouco estressado", afirma o aposentado, que frequenta diariamente a praia de Pajuçara, em Maceió, onde mora há 15 anos.

"Não fico com sono durante o dia. Mas sei que dormir tão pouco não é bom para a saúde. Vai acabar me atrapalhando em algo mais adiante - é só isso que me preocupa”, afirma o aposentado. Ele só tratou o problema até agora com produtos naturais. "Por algum tempo, tomei fitoterápicos, que não oferecem riscos e têm um efeito calmante. Mas o efeito é modesto. Passei a dormir quatro horas." / COLABOROU FÁBIO DE CASTRO

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.