O medo de voar atinge cerca de 42% de brasileiros, segundo estimativas de estudos científicos, e pode impactar a vida pessoal e profissional ao fazer a pessoa evitar viagens de férias com a família ou participação em compromissos profissionais. Quando o temor é mais grave, a pessoa geralmente é diagnosticada com fobia e não consegue entrar em um avião. Na maioria dos casos, por mais que o indivíduo consiga enfrentar uma viagem aérea, o trajeto e os dias anteriores são marcados por ansiedade, angústia e sofrimento emocional.
A condição, dizem especialistas, não deve ser minimizada e pode ser tratada ou aliviada com tratamento psicoterápico específico, técnicas e estratégias de enfrentamento e relaxamento, além de aprendizado sobre o funcionamento de aviões – isso deixa o indivíduo mais confiante sobre o que é normal ou não durante um voo – e todos os requisitos de segurança que devem ser seguidos pela aviação. Medicamentos ansiolíticos também podem ser indicados para o momento do voo.
Segundo André Botelho Campbell, psiquiatra do Hospital Brasília, da rede Dasa no DF, o medo é uma resposta natural a uma situação desconhecida e fora de nosso controle, como voar. No entanto, quando esse medo se intensifica, tornando-se uma aversão extrema, podendo ser acompanhado de ataques de pânico e hesitação, o quadro tende a ser caracterizado como uma fobia. “A presença de transtornos de ansiedade não tratados vai intensificar mesmo aquele medo fisiológico”, afirma o psiquiatra.
São três os tipos mais comuns de medo de avião: medo de o avião cair (aerofobia), medo de altura (acrofobia) e medo de estar em locais fechados, sem uma saída fácil ou auxílio disponível (agorafobia).
Todos eles são tipos de transtornos de ansiedade e são tratados prioritariamente com terapia cognitivo-comportamental (TCC), com exposição gradual à situação temida. Na prática, após sessões regulares de terapia para discutir causas e desconstruir o medo, o paciente inicia uma exposição controlada à situação que teme para ir ganhando confiança e vendo que não há risco.
“A exposição pode começar com a pessoa imaginando a situação, depois vendo vídeos, visitando aeroportos, vivendo a experiência por meio de realidade virtual e até indo em simuladores de voo”, explica Mariângela Gentil Savoia, psicóloga e coordenadora de cursos do programa de ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq-HC/FMUSP). O terapeuta pode acompanhar o paciente em todas essas situações, inclusive durante os primeiros voos que o paciente decidir fazer.
Mariângela explica que a forma de exposição pode mudar de acordo com o tipo de medo. “Se a pessoa tem medo de voar por causa da altura, podemos fazer exposição também indo a prédios altos. Se ela tem agorafobia, podemos começar andando de metrô”, exemplifica.
Leia também
Os especialistas dizem que também existe a possibilidade de prescrever medicamentos ansiolíticos para que o paciente consiga viajar sem tanta tensão. Eles também destacam a importância de investir em práticas de relaxamento e meditação, além de adotar estratégias de distração para reduzir a ansiedade. Veja abaixo algumas dicas dadas pelos especialistas:
- Não chegue em cima da hora ou atrasado para o voo: situações de estresse, como receio de perder a viagem, podem aumentar seus níveis de ansiedade
- Ao entrar no avião, comunique a tripulação sobre o seu temor: eles são treinados para lidar com a situação e podem dar uma atenção especial a você durante momentos desconfortáveis, como turbulências
- Durante o voo, se surgirem pensamentos catastróficos, “questione-os”: lembre-se de que ruídos e movimentações são comuns e que o índice de acidentes é baixíssimo
- Busque distrações durante o voo: leia um livro, assista a um filme
- Adote técnicas de meditação e relaxamento: exercícios de meditação estão disponíveis em aplicativos gratuitos no celular (faça o download antes do voo para acessá-lo facilmente caso não tenha sinal de internet durante a viagem)
Outro pilar essencial do tratamento é buscar mais conhecimento e informações sobre o setor de aviação, o funcionamento de aeronaves e os índices que comprovam que esse é um dos meios de transporte mais seguros do mundo.
“O conhecimento de qualidade sobre o que está acontecendo em cada etapa do voo ajuda a relaxar e a entender que fenômenos como turbulência são normais e gerenciáveis”, diz Lito Sousa, consultor em segurança aérea e criador do canal do YouTube Aviões e Músicas, que reúne mais de 2,7 milhões de inscritos e busca educar o público sobre aspectos técnicos do voo e requisitos de segurança, desmistificando o processo.
Em 2021, Lito e equipe passaram a oferecer também um curso para quem tem medo de voar. “Comecei a receber mensagens de pessoas que seguiam meu canal relatando que, ao entenderem melhor o funcionamento da avião, estavam viajando mais tranquilos. Por isso criamos o curso”, diz ele.
Alguns dos mitos que ele quebra é sobre turbulência e perdas bruscas de altitude. “São as duas questões que as pessoas mais temem, mas ambas não derrubam um avião. A regulamentação da aviação é extremamente rígida, há redundâncias de equipamentos e sistemas, ou seja, se algo falha ou sai errado, há formas de contornar e pousar em segurança”, comenta. No curso, ele também explica por que as asas do avião balançam, quais são os ruídos comuns durante o voo, como é feita a capacitação dos pilotos, entre outros temas.
Ele lembra que, embora acidentes aéreos causem grande comoção quando ocorrem, são fenômenos raríssimos. De acordo com os dados mais recentes da Agência Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês), o índice de acidentes aéreos mortais em 2022 foi de 0,11 para cada 1 milhão de voos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.