O diabetes é uma doença que afeta 9% da população brasileira com mais de 18 anos, segundo a Pesquisa Vigitel, realizada pelo Ministério da Saúde em 2021. São pessoas que, em razão de problemas na produção ou uso da insulina pelo próprio organismo, precisam estar sempre atentas às taxas de açúcar no sangue. Do contrário, podem ter sérias complicações, como doenças cardiovasculares, cegueira e danos a diversos órgãos do corpo.
Só que existem caminhos para viver bem com a doença sem que essas complicações apareçam. Adotar uma alimentação balanceada, fazer uso de medicamentos nos casos em que for necessário e praticar atividades físicas regulares são algumas das formas de controle.
Alberto Ribeiro conhece bem todas elas. Isso porque o diabetes está presente na sua vida há duas décadas. Foi com cinco anos que ele descobriu que era portador do tipo 1 da condição. “Meu irmão tinha sido diagnosticado com diabetes há oito meses e isso deixou meus pais mais atentos para a possibilidade de eu ser diagnosticado também”, explica.
O diagnóstico ainda na infância permitiu que Alberto crescesse sabendo da importância dos hábitos saudáveis na rotina de uma pessoa diabética. “Talvez eu seja um dos únicos brasileiros que não gostam de brigadeiro, porque eu nunca comi e não aprendi a gostar”, brinca. O esporte também entrou cedo na sua vida. “Eu sempre fui um fissurado por atividade física, nunca precisei que ninguém me forçasse a praticar”, diz.
Hoje, aos 26 anos e recém-formado em Medicina, ele defende que existem caminhos para viver bem com a doença. E foi justamente para provar isso que ele criou o movimento ‘100 Diabetes’. Seu objetivo era ousado: correr 100 quilômetros, de uma vez só, em uma esteira.
A distância escolhida não foi por acaso. Em 2022, celebra-se 100 anos da primeira aplicação de insulina bem-sucedida. O movimento, além de uma homenagem, era a maneira que Alberto encontrou para mostrar que a doença não é um fator limitante para nada – tanto que não o impossibilitou de se tornar um atleta saudável.
“As pessoas não precisam correr 100 quilômetros como eu fiz. Isso exige muito treino e um super acompanhamento. O meu objetivo é fazer com que o Seu Zé e a Dona Maria levantem e façam 21 minutos de atividade física diárias e, assim, consigam controlar melhor a doença.”
Por que o diabetes aparece?
Toda vez que realizamos alguma refeição, os carboidratos ingeridos são transformados em glicose pelo processo de digestão. Essa glicose vai para o sangue e precisa da ajuda da insulina – um hormônio produzido pelo pâncreas – para entrar na célula e, assim, ser transformada em energia. “A glicose é um nutriente básico para todos os processos do nosso organismo. Um carro não anda sem gasolina, a gente não anda sem glicose”, explica Levimar Araújo, médico endocrinologista e presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).
Esse é o processo ideal. Só que, nos diabéticos, o pâncreas não produz mais a insulina ou produz em quantidades insuficientes para levar todo o açúcar do sangue para dentro da célula. Há também os casos em que a produção da insulina continua, mas as células são resistentes à ação desse hormônio e ele não consegue exercer sua correta função no organismo.
São essas diferenças que categorizam o diabetes em dois tipos. “É como se você tivesse uma chave e uma fechadura”, exemplifica Levimar. Nos portadores do tipo 1 da doença, o pâncreas produz pouca ou nenhuma insulina – que é a chave necessária para que a glicose atravesse a membrana celular. Já naqueles que possuem diabetes do tipo 2, existe a produção da insulina, mas o organismo tem uma resistência à ação desse hormônio. “Você até tem a produção da chave, mas é como se a fechadura estivesse entupida”, reforça.
Como a doença se manifesta?
Existem diferenças na forma de manifestação de cada um desses tipos da doença. O tipo 1 costuma ser identificado na infância ou adolescência, exige aplicação diária de insulina e está associado com fatores hereditários. O tipo 2 não exige aplicação de insulina, sua identificação costuma ser após os 40 anos e está ligado a hábitos comportamentais – como alimentação, sedentarismo e hipertensão. Há diferenças na incidência também: enquanto o tipo 1 aparece entre 5% e 10% dos pacientes diabéticos no Brasil, casos do tipo 2 ocorrem em 90% deles. “São tipos bem diferentes que têm em comum apenas o aumento da glicose”, afirma Levimar.
Esse aumento da glicose é chamado de hiperglicemia e, se não controlada, as altas taxas podem levar a complicações no coração – incluindo as artérias –, além dos olhos e outros órgãos. Casos mais graves do diabetes podem levar à morte. Só em 2021, conforme revelam os dados da Federação Internacional de Diabetes, foram 214 mil mortes de brasileiros entre 20 e 79 anos pela doença. Em números globais, o diabetes foi responsável por 6,7 milhões de mortes no mesmo ano.
Diagnosticar é o primeiro passo
O primeiro passo para fugir dessas estatísticas é identificar a doença. “A gente só pode tratar aquilo que a gente conhece”, pondera Levimar. Ele estima que pelo menos metade dos diabéticos não sabe que possui a doença. Isso se deve ao fato de que ela pode ser silenciosa e não apresentar sintomas – ou até apresentar alguns sintomas, mas que podem ser associados a outras doenças.
Foi o que aconteceu com Beatriz Libonati. Hoje, com 31 anos, ela sabe que tem diabetes tipo 2, mas o primeiro diagnóstico que recebeu foi de uma possível infecção. “Como os médicos não pensaram que era diabetes, não mediram minha glicemia. Eu fiz um exame de sangue e fui liberada como se fosse uma virose qualquer”, lembra. O diagnóstico correto veio só depois dela voltar ao hospital, dessa vez com um quadro pior do que o anterior. “Foi bem traumático, porque eu descobri já sendo internada e em um quadro grave”, diz.
Segundo o endocrinologista, o exame mais recomendado para identificar a doença é o de hemoglobina glicada. Ele é capaz de identificar alterações nos níveis de glicose no sangue entre os últimos três ou quatro meses. “Quanto mais cedo o diagnóstico for feito, maiores são as chances de tratar e evitar as complicações, que são bem graves”, ressalta o médico.
Atrelado ao diagnóstico conturbado, o receio de Beatriz com a doença também tinha outro motivo: seu pai faleceu por complicações do diabetes. “Tudo o que eu sabia até aquele momento eram coisas ruins. Eu ouvia que eu não poderia comer nada, não poderia comer doce, que era uma doença que não tinha controle e que progredia”, revela.
Tudo mudou quando ela começou a conversar com outras pessoas pelas redes sociais que viviam bem com a doença. “Eu percebi que existia uma vida com diabetes que eu não conhecia”, diz. Há seis anos ela compartilha sua experiência em seu perfil no Instagram, o @convivendocomdiabetes, que já soma mais de 8 mil seguidores. A ideia surgiu como uma espécie de diário, em que Beatriz compartilhava seus aprendizados e vivência com a doença.
Mas, durante o percurso, ele ganhou novos objetivos. “Hoje é muito mais do que só compartilhar a minha rotina. É compartilhar informação, porque isso me ajudou muito e vejo que muitas pessoas não têm acesso a informações corretas. Então virou uma missão de vida poder empoderar outros pacientes”, explica ela.
Equilíbrio não significa restrição
O cuidado com a alimentação é um dos caminhos para viver bem com o diabetes. Beatriz conta que sua relação com a comida era péssima, o que incluía várias dietas malucas. Só que, com o diagnóstico e a vontade de ter mais qualidade de vida, isso mudou. “Hoje eu consigo ter equilíbrio e comer as coisas que eu gosto, inclusive doces”, revela.
A escolha de Beatriz por uma alimentação balanceada está em linha com a recomendação de Marciane Milanski, nutricionista e docente da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas. Ela explica que os alimentos que devem ser evitados por pessoas diabéticas, como aqueles ricos em sódio, açúcares e gorduras saturadas, são os mesmos que deveriam ser evitados por qualquer pessoa. Ela garante que avaliar a necessidade de alteração na quantidade consumida é mais importante do que restringir a alimentação.
Com relação ao consumo de açúcar, a orientação também é menos restritiva do que há alguns anos. “Hoje sabemos que o consumo de qualquer carboidrato tem o mesmo efeito no aumento da glicemia. O açúcar sempre foi um vilão, hoje não é mais”, diz. O consumo de alimentos lights e diets também não são necessários para o tratamento do diabetes. Segundo a nutricionista, eles até podem ser utilizados, mas não de forma exclusiva. Isso porque a base da alimentação deve ser composta por alimentos naturais e minimamente processados. “Precisamos desmistificar a necessidade deles, até porque são alimentos caros”, alerta.
De forma geral, a recomendação é o incentivo da ingestão de carboidratos a partir dos vegetais, frutas, legumes, grãos integrais e produtos lácteos. Ela reforça que é fundamental levar em consideração a realidade do indivíduo e que a tomada de decisão deve acontecer em acordo entre nutricionista e paciente. “A abordagem nutricional não deve ser só quantitativa, mas também com um caráter subjetivo.”
Atividade física é outro aliado
A atividade física deve andar de mãos dadas com a alimentação balanceada. Isso porque ela desempenha um importante papel na redução da glicose no sangue, conforme avalia Edilamar Menezes, docente de Bioquímica da Atividade Motora na Escola de Educação Física e Esporte da USP.
A prática do exercício permite ao corpo humano liberar uma maior quantidade fatores vasorelaxantes, que aumentam os vasos sanguíneos e levam mais sangue para todos os tecidos, para a musculatura e ao coração. “Isso possibilita uma maior captação da glicose do sangue para dentro das células”, explica ela. Segundo a educadora física, há também benefícios importantes para os diabéticos do tipo 2.
“O exercício físico melhora o transporte da glicose, uma vez que ele diminui a sensibilidade das células à insulina”, explica. A diminuição dessa sensibilidade permite ao portador do tipo 2 – aquele que produz insulina, mas que as células têm resistência à ação desse hormônio – um melhor desempenho das funções da insulina no organismo.
Porém, ela ressalta que cada tipo de paciente deve receber um tipo de tratamento. Por isso, o acompanhamento com um profissional da área é tão importante. “Ter um acompanhamento de um profissional de educação física permite ao paciente fazer os exercícios de forma adequada, na intensidade certa e na frequência recomendada para a sua realidade”, diz ela, que ressalta que atividades físicas também trazem importantes benefícios a longo prazo. “Pode diminuir as chances de complicações, como doenças cardiovasculares, problemas nos olhos e em órgãos, como o rim e o coração”, explica.
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