Ela viralizou após começar a escutar: Isabela posta nas redes suas impressões após implante

Isabela, com 30 anos, foi diagnosticada com surdez bilateral de grau profundo quando tinha 1 ano de idade

PUBLICIDADE

Foto do author Renata Okumura

O implante coclear – que recupera e restabelece a entrada dos impulsos auditivos do exterior para o cérebro – foi revolucionário para crianças que nascem surdas ou que desenvolvem surdez nos primeiros meses, além de adultos que perdem a audição. Começar a ouvir na fase adulta para quem nasceu com surdez severa é sempre traumático, diferentemente de quem já escutava antes e ficou surdo. Mas a experiência pode se tornar gratificante. É o caso da mineira Isabela Coelho, de 30 anos, que passou por um implante coclear e está aprendendo a ouvir.

Segundo ela, o que mudou de fato foi poder escutar música o dia todo e tentar distinguir alguns sons do cotidiano. “A vida tem mais graça quando vamos descobrindo sons que não pensávamos que faziam tanto barulho. Escuto o som de quando algum objeto cai no chão, aí sei que caiu e coloco de volta (na mesa). Não consigo entender quando as pessoas falam comigo. Pense que sou como uma bebê recém-nascida aprendendo a ouvir”, disse.

Isabela foi diagnosticada com surdez bilateral de grau profundoquando tinha 1 ano de idade Foto: Alex Silva/Estadão

Em 16 de fevereiro, quando ativou o implante coclear, um vídeo mostrando Isabela ouvindo pela primeira vez viralizou nas redes. “Não imaginava que repercutisse tanto”, contou.

PUBLICIDADE

Essa é a segunda vez que Isabela passa por um implante coclear. Desta vez, só precisou trocar o aparelho e ativá-lo. Mas desde pequena esteve com especialistas da área. “Por volta dos 4 anos, idade considerada limítrofe para o procedimento, eu fui avaliada por uma equipe de implante coclear em Bauru. Como eu tinha me desenvolvido bem na comunicação por leitura labial, acharam mais prudente não me submeter ao procedimento cirúrgico devido aos riscos dele, na época.” 

Estímulo

Em 2010, Isabela quis fazer o procedimento com o incentivo dos pais. “Iniciamos as consultas em São Paulo. Após todas as etapas, em 2011 foi realizada a minha cirurgia, mas a adaptação não deu certo”, disse. “Não me adaptei muito bem por fatores técnicos e psicológicos, como maturidade, por exemplo. Como agora estou mais preparada e sei o que esperar, minha adaptação está sendo bem melhor”, afirmou.

Após muito tempo em silêncio, Isabela entrou na fase de ouvir músicas, pois já distingue alguns sons. No perfil do Twitter (senhora surda que ouve – @isaouisabela), ela compartilha a sua jornada para aprender a escutar e tira dúvidas sobre surdez. Os posts com impressões sobre músicas famosas também são compartilhados pelos mais de 16 mil seguidores.

Isabela chamou a atenção, por exemplo, ao dizer que músicas da banda Pink Floyd causam desconforto. “Sinto decepcionar alguns de vocês, mas Pink Floyd não dá.” 

Publicidade

Segundo ela, o processo inicial é difícil, pois é preciso se forçar para ouvir sons agudos. “Eles estão incomodando menos do que há um mês e isso é um bom sinal.” Em 7 de março, a jovem postou a sua canção favorita: The Lazy Song, de Bruno Mars. Contou também que ouviu três vezes Starman, de David Bowie, pois achou o ritmo bom. 

Isabela, que é formada em Sistemas de Informação e atua na área, foi diagnosticada com surdez neurossensorial permanente, bilateral e de grau profundo com apenas 1 ano. “Minha mãe teve rubéola na gravidez e, assintomática, acabou não percebendo que me atingiu. Quando eu tinha 6 meses, ela ficou desconfiada. Me levou em alguns pediatras até que foi confirmado o diagnóstico.”

Dos quatro aos onze anos, Isabela passou com fonoaudióloga para tratamento de oralização. Com apoio da mãe também teve a oportunidade de aprender a ler e escrever.“A leitura simplesmente fluiu graças ao grande incentivo da minha mãe que me fez aprender a gostar de ler, ela comprava gibis de Turma da Mônica e eu me apaixonei. A fonoterapia também me ajudou a aprender a ler, escrever e falar. Por conta dessa independência pela leitura labial é que não sentia muita necessidade de ouvir. No entanto, hoje em dia eu entendo essa necessidade para ter mais qualidade de vida”, avalia.

Futuramente, espera ter a oportunidade de morar fora do Brasil. “Viver em imersão do inglês e experimentar cultura diferente e aprendizado contínuo com o implante coclear para português tanto quanto inglês futuramente”, espera a jovem.

Publicidade

PUBLICIDADE

Implante

Luciano Moreira, otorrinolaringologista especializado em reabilitação auditiva e responsável pela equipe Sonora, explica que o implante coclear capta o som do ambiente e o digitaliza para simular o que nosso ouvido original faz. “A nossa cóclea original transforma o som em um impulso elétrico do nervo auditivo”, disse.

“Pessoas como Isabela, que fizeram longos períodos de privação auditiva – no caso nasceram com ela –, seu cérebro não foi definitivamente formatado para processar a fala, a linguagem e a audição. É um fenômeno mais cerebral nem tanto auditivo", explicou. “Já uma pessoa que sempre ouviu e teve um tempo de privação auditiva curto, em que seu cérebro estava todo habituado para ouvir durante todos os anos, terá uma capacidade de compreender os sons muito mais rapidamente após ligar o implante. Rapidamente, poderão compreender a fala e falar ao telefone", reforçou o especialista.

O otorrinolaringologista especializado em reabilitação auditiva afirma que o implante coclear é indicado para crianças que nascem surdas ou que desenvolvem a surdez nos primeiros meses de vida. “São os que chamamos de surdos pré-linguais (por terem uma surdez adquirida antes de desenvolver o domínio da fala oral). Nesses casos, é fundamental que o diagnóstico seja feito precocemente, pois quando elas são implantadas bem cedo, elas terão a chance de se desenvolver normalmente, frequentando os mesmos ambientes e escolas das crianças ouvintes”, disse Moreira.

Publicidade

"É importante que a equipe e o paciente estejam cientes do que podem esperar do implante em cada cenário”, acrescentou. Atualmente, a cirurgia é bem estabelecida. “Há quase 1 milhão de implantados no mundo. Hoje a cirurgia é mais simples, com duração de uma hora. A pessoa que fez o implante pode ir embora no mesmo dia. São colocados dois aparelhos. Um que é o implante colocado dentro do ouvido e, por fora, a pessoa usa um aparelho chamado de processador de fala semelhante a um aparelho auditivo, mas um pouco maior, que capta, digitaliza o som e transfere-o para a unidade interna. Por sua vez, o implante irá estimular o nervo auditivo para que a pessoa possa ouvir", detalhou o otorrinolaringologista especializado em reabilitação auditiva.

Moreira explica ainda em quais casos o implante não é indicado. "Uma pessoa que nasceu sem ouvir, chegou aos 30 anos, mas é uma pessoa que não faz leitura labial, não é oralizada, por exemplo, somente domina libras. Neste cenário, podemos até contraindicar o implante, porque possivelmente terá um ganho pequeno. Agora no caso da Isabela, que foi oralizada e tem o domínio do português mesmo sem ouvir, temos uma expectativa de melhorar a comunicação dela, valendo-se dos elementos sonoros para complementar e ter um ganho maior na compreensão", afirmou.

Com os primeiros experimentos no mundo feitos entre 1950 e 1960, o implante coclear do jeito que é feito hoje começou nos Estados Unidos e em outros países na década de 80. No Brasil, está presente desde 1990. O dispositivo médico de alto custo varia entre R$ 50 mil e R$ 100 mil. No entanto, desde 2007, o procedimento foi incluído na cobertura dos planos de saúde. Pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a cirurgia de implante coclear é feita desde que as pessoas com deficiência auditiva permanente se enquadrem nos requisitos estabelecidos.

Candidatos ao implante coclear

Publicidade

 Em geral, o implante coclear é indicado para adultos que nasceram ouvindo e perderam a audição por infecções, medicação tóxica para audição, problemas genéticos, entre outros. São os chamados pós-linguais. Desde que sofram de perda profunda de audição, quando o aparelho auditivo - que serve como amplificador - não pode mais ajudar a pessoa a compreender o som, por mais que se amplifique. Ou seja, o ouvido não é capaz de ouvir esse som e transformar isso em impulso elétrico e o cérebro entender o som. Da mesma forma, os bebês que nasceram surdos e que têm o diagnóstico logo cedo. Neste caso, eles podem realizar o procedimento até no máximo quatro anos. O candidato passará por alguns testes auditivos com fonoaudióloga especializada para verificar o quanto consegue compreender, entender e ouvir os sons da fala.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.