Eletrocardiograma de uso doméstico chega às farmácias; veja para quem é indicado e como utilizar

Especialistas acreditam que tecnologia pode facilitar detecção e prevenção de problemas cardiovasculares, mas alertam para importância do uso correto

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Foto do author Victória  Ribeiro

Um novo equipamento de uso doméstico que realiza tanto o exame de eletrocardiograma (ECG) quanto a medida de pressão arterial foi lançado no Brasil. O dispositivo, que está disponível para venda em farmácias, foi desenvolvido após uma mudança na diretriz da Sociedade Europeia de Cardiologia, que passou a recomendar a realização diária do ECG por grupos de risco. Especialistas acreditam que a tecnologia pode facilitar a detecção e prevenção dos problemas do coração, mas também alertam para a importância do uso consciente.

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De acordo com Audes Feitosa, presidente do departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o novo produto, desenvolvido pela empresa japonesa Omron Healthcare, se soma a diversos outros dispositivos que permitem a realização do ECG em casa, como os relógios inteligentes. Todos são considerados vantajosos, inclusive. O diferencial do aparelho japonês é que ele realiza o ECG e também a medida de pressão, algo que pode render uma assertividade maior na detecção das irregularidades cardiovasculares, como é o caso da fibrilação atrial.

Trata-se de um tipo comum de arritmia cardíaca que faz o coração bater de forma irregular e, muitas vezes, acelerada, provocando a má circulação sanguínea. Esse quadro aumenta o risco de acidente vascular cerebral (AVC).

Ao usar o aparelho de eletrocardiograma doméstico, é preciso respeitar alguns cuidados. Isso garante dados confiáveis para análise médica.  Foto: Goffkein/Adobe Stock

“Quando há a possibilidade de analisar dados dos dois tipos de exames, dá para saber, por exemplo, se a arritmia tem repercussão na pressão arterial do paciente. Você quantifica ambas as informações de uma vez só”, explica Feitosa. “Com alguns relógios, a gente consegue ter uma estimativa de pressão arterial baseada em algoritmos, mas, quando o aparelho de pressão faz também a parte do ECG, você consegue um dado mais assertivo”, completa.

Em estudo realizado pela SBC, chamado ‘Ritmo’, pesquisadores testaram o uso do equipamento na identificação da fibrilação atrial. Os resultados, apresentados na última sexta-feira, 20, no Congresso Brasileiro de Cardiologia, em Brasília, foram positivos, especialmente para detectar o problema em pacientes assintomáticos – ou seja, que não apresentavam sintomas típicos da condição, como palpitação, falta de ar e dor no peito.

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Na pesquisa, foram avaliados 408 indivíduos assintomáticos com 65 anos ou mais, idade considerada de risco. O equipamento apontou, então, que 13 pessoas (3,2%) tinham o problema, enquanto 120 (29,4%) podiam ser consideradas de alto risco.

Na opinião de Tan Chen Wu, cardiologista da Divisão de Arritmias do Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, o uso desse tipo de dispositivo pode ajudar a aumentar o número de pacientes em tratamento e a prevenir desfechos ruins, sobretudo o AVC — problema que resulta na morte de 307 pessoas por dia, segundo dados divulgados pelo Portal da Transparência do Registro Civil em 2022.

“Além da possibilidade de causar a morte, o AVC está ligado a diversas comorbidades. O paciente pode ter déficit cognitivo, paralisia, ficar acamado. Geralmente, são sequelas difíceis de tratar e que impactam muito na qualidade de vida. Quando falamos de um dispositivo que pode resultar numa maior assertividade e prevenir esse tipo de problema, não falamos só em redução do número de mortes”, opina Tan.

Segundo o cardiologista Elton Scuro, diretor do Centro de Treinamento em Emergências Cardiovasculares da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), além da fibrilação atrial, há outros tipos de arritmia que o aparelho pode identificar, como a extrassístole, capaz de aumentar o risco de infarto, ou casos de bloqueio atrioventricular, que podem exigir uso de marca-passo.

A identificação dos problemas, contudo, é mais assertiva quando existe uma frequência na realização dos exames. No caso do novo equipamento, é possível conectá-lo ao celular e, à medida que os exames são realizados, é gerado um documento com os resultados, criando uma espécie de histórico do paciente.

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“Você pode se deparar com duas situações. Primeiro, imagine que você está estável e, ao sentir um incômodo, faz um registro. A palpitação passa, mas, como é um sintoma recorrente, o cardiologista poderá analisar o traçado do exame e interpretar se foi uma fibrilação atrial, uma extrassístole ou descartar qualquer outro problema”, explica Scuro.

“No passado, a única opção era o pronto-socorro. Os médicos costumavam dizer: ‘Se sentir qualquer desconforto, corra para fazer o registro para entendermos o que está acontecendo com você’. O problema é que um resultado isolado pode levar a conclusões equivocadas, enquanto um registro diário oferece uma visão mais precisa”, completa.

O jeito certo de usar o aparelho

No equipamento da Omron, o eletrocardiograma é feito a partir do momento em que o paciente encosta os dedos das duas mãos nas laterais da máquina. No caso da pressão, a medida é feita usando o famoso bracelete, que tem um fio conectado ao aparelho. Ou seja, encostando os dedos e colocando o bracelete, os dois exames acontecem de uma vez. Vale ressaltar que isso não é uma regra e que as duas avaliações podem ser feitas separadamente.

Para usar o dispositivo, é necessário ter o aplicativo do equipamento no celular, já que as informações do exame vão para o smartphone, que armazena o “histórico de resultados” para posterior envio ao médico. Embora pareça simples e intuitivo, os especialistas ressaltam que, como todo equipamento, existem detalhes importantes que garantem um uso adequado e eficaz.

É importante lembrar, por exemplo, que nem todos se adaptam bem a aplicativos, envio de documentos e outras tarefas online. Nesses casos, é aconselhável contar com a orientação de um médico, familiar ou cuidador. Além disso, segundo Feitosa, algumas particularidades, como postura, horário de avaliação e uso de medicamentos, devem ser levadas em consideração para garantir resultados precisos.

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Para medir a pressão, o ideal, segundo o médico, é estar sentado em frente a uma mesa, com os pés apoiados no chão, as costas apoiadas na cadeira e o braço estendido na mesa (preferencialmente o esquerdo, na altura do coração). Ele afirma que é importante evitar medições aleatórias. “Muitas pessoas tendem a medir a pressão quando estão se sentindo mal, como em casos de dor de cabeça ou outros desconfortos. Nesses momentos, é natural que ela esteja alta, pois é bastante reativa”, explica o médico.

Para obter dados confiáveis, o especialista recomenda que a pressão arterial seja aferida antes do café da manhã e antes de tomar remédio, e também antes do jantar ou duas horas após a medicação para pressão. “Não é necessário medir a pressão o tempo todo. O foco deve ser em momentos específicos”, orienta.

Para o eletrocardiograma, a mão esquerda deve estar apoiada na lateral esquerda do equipamento e a mão direita, na lateral direita. Audes ressalta que é especialmente importante realizar o exame quando há sintomas de mal-estar, como palpitações. “Isso pode indicar uma arritmia, e é nesse momento que o ECG se torna importante”, destaca. Caso as palpitações estejam acompanhadas de sintomas de alarme, como falta de ar, alteração do nível de consciência, tontura, queda de pressão ou dor no peito, o ideal é deixar o exame e buscar ajuda médica emergencial.

No caso de quem pratica exercícios físicos, não há restrições quanto ao momento de realizar os exames, seja antes ou depois do treino. Na verdade, em ambos os casos a realização dos exames pode ser útil. Segundo Feitosa, a prática de exercícios deve ser iniciada apenas se a pressão arterial estiver abaixo de 160 por 105. “Para pessoas com pressões acima disso, a atividade física não é recomendada. É necessário ter um acompanhamento e um controle antes de iniciar uma rotina de treinos, que são muito benéficos para pessoas hipertensas, desde que a pressão esteja controlada”, destaca.

Scuro complementa, afirmando que realizar um eletrocardiograma após o treino, especialmente se houver a sensação de palpitação, pode fornecer informações importantes. “Nesse caso, será mais fácil para o médico determinar se a palpitação foi um ataque cardíaco sinusal, que é normal, ou se há outra questão. Isso ajuda a tranquilizar o paciente, dizendo a ele que o que ele sentiu foi apenas decorrente do esforço físico.”

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Pontos de atenção

Para o diretor do Centro de Treinamento em Emergências Cardiovasculares da Socesp, todos esses detalhes deixam explícito que, apesar do fácil acesso ao aparelho, é importante ter um acompanhamento médico, especialmente para evitar diagnósticos errados.

“Não basta ter o equipamento. Um movimento involuntário pode alterar o resultado, por exemplo. Às vezes, a gente fica ansioso para detectar alguma coisa e acaba esquecendo de seguir os passos, como permanecer na posição correta, respirar com calma. Quando a gente faz no hospital, existe todo um ritual. Então, na hora de usar o dispositivo, a responsabilidade precisa ser a mesma”, ressalta o médico.

Na visão de Tan, o uso do equipamento é bom para qualquer pessoa. Inclusive, ela lembra que casos de taquicardias paroxísticas — episódios súbitos de aumento da frequência cardíaca — têm se tornado mais comuns em jovens. Porém, existem alguns grupos que podem se beneficiar mais, como idosos, pessoas com obesidade, indivíduos com histórico familiar de doenças cardiovasculares, hipertensos, pacientes com diabetes, fumantes e consumidores regulares de álcool.

A cardiologista alerta para a possibilidade de indivíduos com hipocondria ou ansiedade excessiva se sentirem estressados ao utilizar o aparelho. “Se a gravação apresentar alguma variação, a pessoa pode interpretar isso como uma alteração significativa, quando nem sempre existe um problema. Essa é outra coisa que deve ser explicada pelo médico, nas instruções ou até mesmo nos locais de venda”, reforça.

Outro lembrete essencial, diz Scuro, é que os médicos tenham atenção especial com a leitura do histórico de exames do paciente e com a prescrição de tratamentos. Afinal, para que os problemas cardiovasculares sejam tratados e os desfechos ruins prevenidos, não basta realizar medições: é imprescindível ter um bom acompanhamento médico.

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“Na Medicina, nossa principal preocupação é garantir um diagnóstico preciso, e é fundamental que o médico saiba como agir com base nele”, avalia Scuro. “Todo diagnóstico deve ser pensado com o objetivo de otimizar o tratamento. No entanto, em algumas situações, a frequência com que observamos certos eventos pode levar a intervenções mais frequentes. Então, é importante que tenhamos a consciência de capturar essa informação e tratar de maneira individualizada cada paciente”.

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