O Ministério da Saúde publicou na quinta-feira, 7, uma nota técnica alertando sobre a investigação de reações anafiláticas ou eventos de choque anafilático (isto é, reações alérgicas graves) supostamente associadas à vacinação contra a dengue. As ocorrências foram raras, mas chamaram a atenção porque sua incidência ficou um pouco acima da que é vista em outros imunizantes e porque a reação não havia sido reportada durante os ensaios clínicos que basearam a autorização do uso da vacina.
Foram 16 casos de anafilaxia, uma reação alérgica que se manifesta em ao menos dois sistemas do corpo – a maioria atingiu a pele e o aparelho gastrointestinal, com diarreias e vômitos. Dentre eles, três foram de choque (forma mais grave de reação alérgica), em um universo de 365 mil doses aplicadas no País. Do total, 250 mil aplicações aconteceram no Sistema Único de Saúde (SUS) e, as demais, em clínicas privadas ou nos estudos brasileiros que investigam a aplicação da vacina em outras faixas etárias.
A anafilaxia está associada a risco de óbito. Todos os casos registrados no Brasil evoluíram para a cura. A pasta considera que os benefícios do imunizante superam os riscos, e a nota técnica teve o objetivo de alertar os profissionais de saúde sobre os cuidados pré e pós-vacinação, para garantir atendimento célere e adequado aos pacientes.
“Há uma unanimidade da nossa área técnica e do comitê técnico-assessor do Programa Nacional de Imunizações no sentido de que os benefícios representam muito mais do que riscos”, reforçou a ministra da Saúde Nísia Trindade, em coletiva de imprensa nesta sexta-feira, 8.
“Todas essas reações (de anafilaxia) foram de curto intervalo de tempo após a vacinação. A média é de 10 minutos. Todas tiveram o devido acolhimento. Todas evoluíram para a cura e, apesar de alguns casos ficarem em observação após o evento, não houve hospitalizações”, afirmou o infectologista Eder Gatti, diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.
As reações não foram registradas apenas na estratégia de vacinação do PNI, que é vacinar crianças e adolescentes de 10 a 14 anos. O caso mais novo tem 4 anos e o mais velho, 21 anos, segundo o ministério. As ocorrências não estão concentradas em apenas um lugar e não há qualquer relação com um lote específico.
Médicos ouvidos pelo Estadão elogiaram a postura de transparência do ministério e dizem que esse movimento dá mais segurança à vacinação, no sentido que mostra que a pasta está ativamente acompanhando o avanço do processo e que o sistema de farmacovigilância, responsável por acompanhar o uso de vacinas e medicamentos do País, está funcionando.
“Quatro casos de anafilaxia para 100 mil doses aplicadas, que seriam 40 para um milhão, é uma taxa acima do que a gente tem normalmente para as vacinas. No entanto, essa taxa não apareceu nos estudos até então. O Brasil é o primeiro país a aplicar em massa, e sabemos que, ao aplicar em massa, aumenta a chance de eventos raros aparecerem”, avalia Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Estima-se que a taxa de anafilaxia seja de aproximadamente uma por 100 mil a uma por um milhão de doses para as vacinas mais comumente administradas. “Ficamos mais tranquilos e seguros vendo que o Ministério da Saúde está seguindo esses eventos adversos e eles estão sendo notificados”, aponta.
O infectologista Renato Kfouri, presidente do departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), destaca que, embora acima do habitual, esses eventos continuam “muito raros”. “Não justifica uma suspensão do programa (de vacinação), porque temos muito mais internações e eventos graves relacionadas à doença.”
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Orientações do ministério
Frente a esses dados, o ministério reforçou recomendações aos profissionais de saúde. Por exemplo: a pasta pede para que não se esqueçam de, antes de aplicar o imunizante, perguntar se o paciente tem histórico de alergias graves, especialmente a componentes da vacina ou vacinação prévia.
Essas informações vão ditar a observação pós-vacinação. Pessoas vacinadas com histórico de reações alérgicas graves devem permanecer no estabelecimento e aguardar por 30 minutos. As demais, por 15 minutos. Isso porque a anafilaxia ocorre geralmente dentro de 15 minutos após a vacinação – raramente acontece mais tardiamente.
A pasta também recomenda que a vacinação contra a dengue deve ser evitada nas atividades praticadas fora da sala de vacinação, que inclui ações em ambiente escolar, que estavam nos planos do ministério para alavancar a campanha.
O ministério também recomendou evitar a concomitância da vacina da dengue com outras vacinas (ou seja, aplicar um imunizante em seguida de outro). É preciso observar os seguintes períodos:
- Vacinas inativadas e outras: podem ser administradas a partir de 24 horas após a vacinação contra a dengue.
- Vacinas atenuadas: podem ser administradas após 30 dias da vacinação contra a dengue.
Reações alérgicas
Antes de receber o aval para aplicação no Brasil e em outros países, a Takeda, farmacêutica responsável pela vacina Qdenga, apresentou dados robustos de ensaios clínicos de três fases, que mostraram a eficácia e segurança do imunizante. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS), em posse desses dados, recomendou a aplicação da vacina em pessoas de 6 a 16 anos.
Embora os estudos clínicos testem o imunobiológico em milhares de participantes - no caso da Qdenga, mais de 28 mil crianças e adultos foram acompanhados -, diante da introdução de qualquer nova vacina, eventos adversos novos ou inesperados podem ser identificados a partir da farmacovigilância, uma vez que são vacinadas centenas de milhares de pessoas em condições de vida real - só no Brasil, 365 mil pessoas receberam a vacina contra dengue. É como se esse monitoramento após o início da aplicação da vacina fosse uma fase quatro do estudo, que pode resultar em novas recomendações.
De acordo com as normas de boas práticas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as empresas são responsáveis pelas ações de farmacovigilância relacionadas aos seus produtos, e devem comunicar à Anvisa quaisquer informações relevantes relacionadas à segurança.
Cássia de Fátima Rangel Fernandes, gerente-geral de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GGMON/Anvisa), disse, na coletiva, que o sinal de anafilaxia supostamente associado à vacina foi comunicado pela Takeda no início de março. A agência prontamente levou o caso aos especialistas e ao ministério, resultando na nota técnica.
“A Anvisa notificou e oficiou a empresa para alterar o texto da bula, incluindo a reação anafilática como uma reação adversa à vacina”, informou. Isso deve ocorrer no prazo de 30 dias.
A nota técnica destaca 70 casos de hipersensibilidade (reação alérgica) temporalmente próximos à vacinação. Do total, 28 são casos de hipersensibilidade imediata; 11 casos são de reações locais, ou seja, vermelhidão e coceira local; dez casos são de urticárias, ou seja, manifestações na pele exclusivas; cinco casos são de manifestações tardias, ou seja, que fogem do imediatismo da relação temporal com a vacina, mas manifesta-se como alergia; fora os 16 casos de anafilaxia, que acenderam o alerta das autoridades.
O que causa essa reação alérgica?
“A principal característica dessas reações é a relação temporal com a vacina e uma proximidade relativamente curta com a vacinação”, falou Gatti. As investigações seguem em andamento. Segundo os especialistas ouvidos pelo Estadão, ainda não é possível cravar exatamente o que tem gerado essas reações.
A própria nota técnica ressalta que, além do componente ativo da vacina, há outros componentes potencialmente alergênicos. Eles podem ser: proteína animal residual (proteína do ovo, proteína do leite), agentes antimicrobianos, conservantes, estabilizadores, adjuvantes, vestígios de compostos remanescentes do processo de fabricação. Além deles, há o látex, um componente da seringa ou que pode estar nas pontas das agulhas e nas rolhas dos frascos das vacinas.
Isabella conta que isso tem sido tema de discussão entre os imunologistas. “Nenhum dos componentes (da vacina) tem fortes chances de ser um grande alergênico. Não costumam gerar alergia.”
O recado final dos médicos e das autoridades é que o importante é continuar a vacinar, pois os benefícios superam riscos, e que qualquer reação adversa deve ser comunicada e notificada.
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